Quando há pobres envolvidos, a
polícia não busca a verdade, busca culpados'
Já nos primeiros minutos de
Paulina é possível sentir que as convicções políticas e sociais são os
verdadeiros protagonistas do novo filme de Santiago Mitre, que estreou nesta
quinta-feira nos cinemas brasileiros.
O longa-metragem argentino conta a
história de Paulina (Dolores Fonzi) que, depois de estudar direito em Buenos
Aires, decide voltar para Posadas, no interior do país, para se dedicar à
formação política em uma comunidade carente na sua cidade, na fronteira entre a
Argentina e o Paraguai. Um dia, quando volta da casa de uma amiga, ela é
estuprada por um grupo de rapazes.
O comentário é de Xandra
Stefanel, publicado por Rede Brasil Atual – RBA, 16-06-2016.
A história é uma releitura de La
Patota, dirigido por Daniel Tinayre em 1961. Sem o tom religioso do original, o
novo filme se debruça prioritariamente sobre questões sociais e a origem da
violência, assim como o respeito integral à vítima.
Uma das frases mais marcantes do
longa é quando Paulina argumenta com seu pai (Oscar Martínez), o juiz Fernando,
que não quer que seu caso seja investigado:
“Quando há pobres envolvidos, a
polícia não busca a verdade, busca culpados”.
“Não tinha assistido à versão
original até que eles me disseram para trabalhar em sua adaptação. Vi o filme
uma vez e decidi nunca mais assisti-lo: uma vez fora o suficiente. Havia algo
no personagem de Paulina que me deu um estalo, me colocou em apuros. No início,
tentei compreendê-la, e logo percebi que era impossível, que não tinha que
entender Paulina, e que justamente aí estava o que me interessava nessa
história. Paulina é movida por uma força de sobrevivência que beira o
irracional e essa força é o que move o filme, que nos arrasta junto com ele”,
afirma Santiago Mitre.
Segundo o diretor, o remake é uma
espécie de fábula política: “A versão original trabalhava com uma ideia do
perdão através de parâmetros morais e religiosos.
Para mim, a religião não
interessa, mas percebi que poderia trabalhar com os temas do filme em outra
perspectiva, e tentar construir uma fábula política, onde a convicção estivesse
no centro. De alguma forma, o que a religião representava na versão original,
foi suplantada por outro tipo de crença: a ideologia. Quão longe você pode
levar uma convicção social?Qual é o limite da ideologia? Com estas perguntas,
Paulina embarca em uma busca pessoal, e sozinha sofre pela dor que viveu. O que
a faz se identificar com outras mulheres que sofreram violência semelhante, é a
mesma e dolorosa pergunta: como você sobrevive a isso?”
Com uma gravidez decorrente do
estupro, as decisões da protagonista são questionadas e criticadas o tempo todo
pela família e pelos amigos. Ninguém se abre para tentar compreender que cada
pessoa reage de forma diferente à dor e ao trauma. E, como se não bastassem a
humilhação da violência física, o filme explora algo que também é bem conhecido
no Brasil: a incompetência policial para tratar de casos como este. Na delegacia,
Paulina é submetida a outro tipo de violência: sem rodeios, o policial lhe
pergunta sobre o tipo de roupa que estava vestindo, se estava bêbada e por que
não reagiu.
Como não poderia deixar de ser, a
obra é densa e tensa, causa mal-estar em qualquer pessoa que tenha o mínimo de
empatia. É por isso que, mais do que um ótimo filme, Paulina também é útil
porque propõe um exercício de reflexão profunda sobre o respeito às vítimas de
estupro. “Um dos desafios que Paulina coloca é como respeitar as decisões com
as quais não concordamos. É fácil respeitar as decisões que você mesmo tomaria,
mas torna-se quase impossível quando temos que compreender as coisas que
consideramos erradas. Por que Paulina decide o que decide? O que procura? O que
quer provar? É algo que nos perguntamos muito durante o filme, e continuamos a
nos perguntar agora, e espero que o espectador se pergunte também", afirma
Santiago, que conversou com diversas mulheres que trabalham dando assistência
psicológica a vítimas de violência.
O filme foi o vencedor do Grande
Prêmio da Semana da Crítica, no Festival de Cannes, e da Mostra Horizontes
Latinos, no Festival de San Sebastián, em 2015, além de ser exibido na 39ª
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Paulina
Título original: La Patota
Direção: Santiago Mitre
Roteiro: Mariano Llinás e
Santiago Mitre
Elenco: Dolores Fonzi, Oscar Martínez, Esteban Lamothe e Cristian Salguero
Produtores: Axel Kuschevatzky,
Fernando Brom, Santiago Mitre e Walter Salles
Música original: Nicolás Varchausky
Distribuição: Vitrine Filmes
Classificação: 16 anos
Ano: 2015
País: Argentina/Brasil
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