Este ano, houve 445 queixas de
stalking (assédio persistente), mais 104 do que no ano passado. A maioria das
vítimas são mulheres.
Ponto final. Sou capaz de jurar
que foram as últimas palavras que lhe disse. Pensei que a história terminava
ali. Não fazia ideia que aquele fim era o começo de outra relação, um calvário
que se iria prolongar por quase dois anos. Os primeiros dias esteve em silêncio
total do mundo. Depois voltou. Foi falar com os meus amigos mais próximos para
perceber o que se passava, toda a gente ficou com pena dele. Confesso que aí
pensei em quebrar a barreira que tinha erguido entre mim e ele. Foi por acaso
que não o fiz.
Um dia saí do cabeleireiro e
tinha 40 mensagens dele. Por essa altura, já andava a ligar à minha mãe e à
minha avó. A aparecer nos sítios onde sabia que eu ia. Enviava-me flores para o
trabalho, chegava a ligar 40 vezes por dia, a enviar mensagens à mãe e à avó. A
aparecer nos locais onde ela costumava ir. Enviava-lhe flores que ela não
queria receber. A princípio ninguém me levou muito a sério. Os amigos e a
família diziam-me que era normal que “custasse ao rapaz aceitar”, que ele
gostava muito de mim. Chegaram-me a dizer que estava cego de amor. Só que eu
acho que o amor não magoa. E foi por isso que nunca cedi.
O contacto forçado entre Joana* e
o ex-namorado só terminou quando ele recebeu uma ordem do tribunal. Este ano,
chegaram à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) 445 queixas de
stalking (ou assédio persistente, na versão portuguesa), como os de Joana. Mais
104 do que no ano passado. A grande maioria (90,2%) foram feita por mulheres.
“Há alguns mitos, como o de que
não existem homens vítimas de stalking. Não é verdade, porém ainda é um crime
de género, em que a maioria das vítimas são as mulheres”, diz ao Expresso
Helena Grangeia, psicóloga que investiga o tema desde 2007.
Uma sociedade ainda assente no
paternalismo e no machismo é uma das causas para que o perfil da vítima seja
maioritariamente feminino. Porém, as campanhas de sensibilização e
esclarecimento sobre este tipo de crime tornaram-se um incentivo para a
apresentação de queixa. “Tal como na violência doméstica, não quer dizer que
não existam homens vítimas, mas há uma maior vontade das mulheres em denunciar
e apresentar queixa”, explica Emanuela Braga, psicóloga da APAV.
A lei que criminaliza o stalking
entrou em vigor em setembro de 2015. Até então, comportamentos de perseguição
tinham de ser enquadrados noutro tipo de crimes, como a devassa da vida privada
ou ofensas físicas. A criação de uma lei veio facilitar a denúncia de um crime
que poucos conheciam. Era mais visto como um fenómeno que acontecia aos atores
e pessoas conhecidas. “Quando comecei a falar sobre o tema diziam-me que não
existia cá, só em Hollywood. Era uma coisa de pessoas famosas. Com o tempo, as
pessoas foram começando a identificar comportamentos”, frisa Helena Grangeia.
As atitudes de um stalker (perseguidor)
podem facilmente ser confundidas com atos sem maldade, até mesmo gestos
românticos ou de amor. Um ramo de flores enviado insistentemente, depois de se
ouvir um “não”; sms diários; provocar encontros são comportamentos que se
enquadram no crime de stalking.
Para as associações e técnicos
que trabalham com as vítimas, o próximo passo é aproximar os agentes e
instituições oficiais –como a polícia – desta realidade. E evitar que
comportamentos de perseguição sejam confundidos com atos de paixão, por exemplo.
“É preciso enviar a mensagem de que estes comportamentos não podem ser
tolerados. Passar do plano formal para o informal. Evitar que se desvalorizem
denúncias”, sublinha Helena Grangeia.
O que diz a Lei
“Quem de modo reiterado,
perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente,
de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua
liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até três anos ou pena de
multa, se pena mais grave não lhe couber, por força de outra disposição legal”
Perfil da vítima de stalking
* Sexo feminino (90,2%) | adultos
(93,9%)
* Idade média (39,6 anos)
* Solteiros (33,1%), divorciados
(22,6%), casados (22%), separados (12,4%)
* Família nuclear com filhas
(29,6%) | monoparental (28,7%)
* Ensino superior (45%), ensino
secundário (19,1%)
* Com emprego (64%)
* Tem ou teve relacionamento
romântico com a vítima (74,7%): ex-companheiras (21,6%), ex-namorad@ (18,4%),
cônjuges (16%), ex-cônjuges (11,7%)
Dados da APAV
* nome fictício
Fonte: Geledes
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