― O que o Senhor achou de tantos deputados acusados de
corrupção invocar seu Santo Nome em vão?
― O Senhor não está sendo muito rigoroso? São todos
cristãos!
― Cristãos eram também Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e
Pinochet. Posso não me intrometer muito nas mazelas humanas, mas uma coisa é
certa: ninguém me engana. Não vejo cara nem coração. Fico de olho é na intenção.
― Mas pelo menos, nesse mundo tão descrente, foi um sinal de
que ainda há quem creia no Senhor.
― Creem da boca pra fora e de olho no dinheiro pra dentro do
bolso, ou de algum paraíso fiscal. Muitos ali adoram o bezerro de ouro, o deus
do poder, da soberba e da demagogia. Falam em paz e apoiam a bancada da bala.
Pregam o amor ao próximo e estimulam a homofobia. Carregam a Bíblia debaixo do
braço e escorraçam de suas terras índios e quilombolas, pescadores e
lavradores, para espalhar o gado.
― Homossexualidade não é pecado?
― Pecado é a falta de amor. Onde há amor, aí me faço
presente.
― Mas há textos bíblicos que condenam a homossexualidade.
― Sim, como há outros que mandam passar ao fio da espada
adeptos de outras religiões, como hoje faz o Estado Islâmico. Cada texto
precisa ser lido dentro de seu contexto. É no mínimo desonestidade intelectual
tirar pretextos preconceituosos de versículos bíblicos escolhidos segundo
motivações que negam a qualquer ser humano a ontológica sacralidade de ter sido
criado à Minha imagem e semelhança.
― Mas o Senhor não se sente lisonjeado com a bancada da
Bíblia?
― Nunca deu certo a religião pretender monitorar a política.
Por isso meu Filho entrou em choque com Pilatos e o Sinédrio judaico. Há quem
julgue que o Cristianismo converteu o Império Romano no século IV. Foi
contrário: Constantino logrou tornar a Igreja uma instituição imperial. E isso
resultou em rupturas que hoje o papa Francisco tenta costurar, e na Inquisição,
que pretendeu impor a fé a ferro e fogo. Política, Estado e partidos devem ser
laicos. Todo fundamentalismo é nocivo. Lembre-se que meu Filho acolheu a mulher
samaritana, considerada herege pelos judeus; a mulher fenícia, tida como
idólatra; o centurião romano, adepto do paganismo, ressaltando a importância da
tolerância religiosa.
― Deus, o Brasil tem jeito?
― Não enquanto houver estruturas injustas. Não importa quem
venha a governá-lo. Podem até colocar remendos novos em pano velho, como esses
programas sociais compensatórios. Aliviam mas não emancipam. Coço minha longa
barba me perguntando: como, após 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores,
ainda há tantos sem-terra e sem-teto?
― E das pedaladas da Dilma, o que acha o Senhor?
― Ela faz muito bem de dar suas pedaladas matinais.
Bicicleta não polui nem congestiona o trânsito. Quem atrapalha a República são
aqueles que catam mosquitos no olho alheio e vivem engolindo camelos.
― Uma curiosidade, Senhor, já que és um ser onisciente: o
Lula voltará à presidência?
― O maior eleitor dele se chama Michel Temer.
― O que vai dar no Senado?
― Esse futuro, felizmente, a Mim não pertence! Respeito a
liberdade de voto dos senadores. E que tenham presente que estarão votando
também na moldura que haverá de enquadrar suas biografias nas páginas da
história do Brasil.
― Deus é brasileiro?
― Também, e vota na justiça como fonte de paz.
Fonte: Adital
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