Carolina Maria de Jesus foi cozinheira,
empregada doméstica e passou fome. Com dois anos de estudo, escreveu sobre o
cotidiano das favelas em contos, poesias e romances.
Não é todo dia que uma escritora
vende 1 milhão de exemplares só no Brasil e é traduzida para 14 línguas. Também
não é sempre que se é lido nos Estados Unidos meio século depois. Mesmo assim,
não é todo mundo que conhece esse fenômeno literário, a brasileiríssima
Carolina Maria de Jesus, a “escritora favelada”.
O termo, de dar arrepios, fez
sucesso na década de 1960, quando uma moradora da favela do Canindé, zona norte
de São Paulo, ganhou os holofotes. Carolina já tinha sido doméstica e auxiliar
de cozinha no interior paulista quando passou a catar lixo. Era do lixão que
recolhia cadernos velhos em que registrava o cotidiano da comunidade em que
vivia.
Nascida em Sacramento (MG) em
1914, ela se mudou para a capital paulista em 1947, depois de passar por Franca
– no interior paulista –, época em que nasciam as primeiras favelas na cidade.
Estudou pouco. Frequentou o Colégio Allan Kardec entre 1923 e 1924. Mesmo
assim, reunia em casa mais de 20 cadernos com testemunhos sobre o cotidiano da
comunidade. Um deles rendeu seu bestseller, Quarto de Despejo, publicado em
1960. Na época, foram três edições, 100 mil exemplares vendidos, tradução para
14 idiomas e vendas em mais de 40 países. Hoje, contabiliza-se 1 milhão de
exemplares vendidos em todo o Brasil.
Carolina era uma mulher
briguenta, que ameaçava os vizinhos prometendo escrever tudo em um livro. Os
cadernos continham contos, poesias e romances. Um deles foi publicado em 1958
pelo grupo Folha de S.Paulo e, em 1959, pela revista O Cruzeiro.
As descrições versavam sobre o
cotidiano na comunidade: como acordar, buscar água, fazer o café. “Ela conta
que tinha um lixão perto da favela, onde ela ia catar coisas. Lá, ela soube que
um menino, chamado Dinho, tinha encontrado um pedaço de carne estragada, comeu
e morreu. Ela conta essa história sem comentário, praticamente. Isso tem uma força
extraordinária”, lembra Audálio Dantas, jornalista que descobriu a escritora em
1958, em entrevista para a EBC.
Em um trecho de um dos seus
livros, a autora escreve sobre passar fome. “Que efeito surpreendente faz a
comida no nosso organismo! Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as
aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.” Para
Audálio, “um escritor pode ficcionar isso, mas ela estava sentindo”.
Carolina se considerava uma
escritora mesmo antes da primeira publicação. O sucesso do primeiro livro, no
entanto, não se repetiu nos títulos seguintes. A Casa de Alvenaria (1961)
vendeu 10 mil exemplares.
Artista de sangue, tinha
pretensões de se aventurar por diferentes ramos artísticos, como a música. Em
1961, lançou um disco com o mesmo título de seu primeiro livro: 12 canções de
sua autoria, entre elas O Pobre e o Rico. “Rico faz guerra, pobre não sabe por
quê. Pobre vai na guerra, tem que morrer. Pobre só pensa no arroz e no feijão.
Pobre não envolve nos negócios da nação”, diz um trecho.
Como muitos artistas de hoje, a
escritora acabou consumida como curiosidade e depois descartada pela classe
média. “Costumo dizer que ela foi um objeto de consumo. Uma negra, favelada,
semianalfabeta e que muita gente achava que era impossível que alguém daquela
condição escrevesse aquele livro”, acredita o jornalista.
Carolina de Jesus publicou ainda
Pedaços de Fome e Provérbios, os dois em 1963, custeados por ela. Quando
morreu, em 1977, foram publicados o Diário de Bitita, com recordações da
infância e da juventude; Um Brasil para Brasileiros (1982); Meu Estranho Diário;
e Antologia Pessoal (1996).
Se no Brasil ela foi quase
esquecida, Carolina Maria de Jesus é muito lida nas escolas norte-americanas
até os dias de hoje.
Fonte: Geledes
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