Em um dos municípios brasileiros
de onde mais migram trabalhadores que serão vítimas de trabalho escravo,
esposas cuidam sozinhas de seus filhos, que ficam meses ou anos sem ver o pai.
A pobreza extrema e falta de
perspectiva de empregos em Codó, um município com 118 mil habitantes no
Maranhão, leva semanalmente dezenas de trabalhadores a deixar suas casas e
cruzar o país em busca de trabalho. Quem fica são as mulheres – esposas e irmãs
dos migrantes –, que cuidam sozinhas, por meses ou anos, dos filhos que ficam
para trás. Como o dinheiro enviado pelos homens para casa é pouco, o principal
meio de sobrevivência destas famílias é o Bolsa Família, que alcança dois
terços das 27 mil famílias do município.
“Um dia tem só arroz, outro dia
não tem nada pra comer. A vida aqui é dura demais”, lamenta Andreia Pires da
Conceição, que vive em uma pequena casa na periferia de Codó. O pai de cinco
dos seus seis filhos mudou-se para São Paulo em busca de emprego e acabou
ficando. Depois que o casal se separou, ele só entra em contato por telefone e
não envia dinheiro para os filhos.
“Um dia tem só arroz, outro dia
não tem nada pra comer”, conta Andreia (dir.) ao lado de sua mãe, Tereza. Foto:
Lilo Clareto/Repórter Brasil
Na casa de Andreia, hoje, são 17
pessoas que compartilham o espaço de seis cômodos e dependem do Bolsa Família
que ela, sua cunhada e sua mãe recebem por manter as crianças na escola. Além
da frequência escolar, a renda mensal também é critério no programa federal e
não pode ultrapassar os R$154 por pessoa da família.
Alcançando dois terços das
famílias de Codó, Bolsa Família é o principal meio de sobrevivência do município,
que carece de oportunidades de trabalho
Além do Bolsa Família e do arroz
plantado pelo pai de Andreia, a renda em casa é complementada pelo que dois dos
três irmãos de Andreia, que estão no interior do Mato Grosso, conseguem mandar.
Eles trabalham descarregando caminhões de soja, em jornada exaustiva que começa
ao meio-dia e às vezes termina só depois das 23h, segundo contam à mãe, Tereza,
de 57 anos.
As crianças da casa, que estão em
parte na foto, sobrevivem com o que as mães recebem do Bolsa Família. Foto:
Lilo Clareto/Repórter Brasil
Mas nem sempre o dinheiro chega.
Não é todo mês que os irmãos conseguem guardar parte do salário para enviar a
Tereza, Andreia e as crianças.
Além da soja, é principalmente na
construção civil e na cana-de-açúcar que os migrantes acabam encontrando
trabalho. É entre migrantes empregados nestes setores que está a maior parte
das 413 vítimas de trabalho escravo resgatadas em todo o país entre 2003 e 2014
que eram de Codó – um dos maiores polos de saída de migrantes do país. Dos
libertados, apenas 14 eram mulheres, de acordo com dados da Comissão Pastoral
da Terra. A proporção reflete uma tendência de todo o país: na maioria, os
homens trabalham fora, enquanto as mulheres cuidam da casa e das crianças.
Dos 413 resgatados da escravidão
em todo o país que são de Codó, 14 eram mulheres. Enquanto os homens trabalham
fora, as mulheres cuidam da casa e das crianças
As longas viagens feitas por
estes trabalhadores deixa saudade aos que ficam e reduzem a rede de proteção
dos que vão. No caso de Tereza, a mãe de Andreia, o contato com os filhos que
partiram para o Mato Grosso é difícil. Valdivino, um dos rapazes, não dá
notícias desde dezembro de 2015, quando teve seu celular roubado. “Ele ficou
só, enquanto os companheiros vieram tudinho. Depois que os outros vieram foi
que a gente teve notícia que ele tá lá, trabalhando. Faz mais de três meses que
nós conversamos com ele da última vez”, conta Tereza.
Expulsos da terra
A casa de Andreia e Tereza fica
em Codó Novo, um dos bairros mais vulneráveis da cidade, em que o esgoto
atravessa a céu aberto as ruas de barro. Antes de migrar para o bairro
periférico, a família vivia na zona rural, onde o cultivo da terra garantia um
mínimo de comida na mesa. Mas a família foi expulsa por um latifundiário e, por
R$50 por mês, alugam hoje a casa onde estão há três anos. “Estamos nesse bairro
porque não temos casa em lugar nenhum”, diz Tereza.
Apesar da expulsão do local onde
moravam, José Rocha, pai de Andreia, caçou um pequeno pedaço chão a 60
quilômetros de casa, onde cultiva o arroz que garante o sustento mínimo da
família. Flávia Moura, pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão e
autora da dissertação de mestrado “Escravos da Precisão: economia familiar e
estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó”, explica que a
população de Codó, apesar de estar em uma cidade grande, é composta por
trabalhadores muito atrelados à terra: “Por mais que tenha havido uma
predominância do latifúndio, os trabalhadores insistem em manter a roça de
subsistência. A migração é muito mais estratégica porque não circula dinheiro
na cidade. Há só algumas pequenas empresas na cidade, mas elas não seguram a
economia”.
Tereza e seus netos. Foto: Lilo
Clareto/Repórter BrasilUma das crianças da casa. Foto: Lilo Clareto/Repórter
BrasilUma das crianças da casa. Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil
Algumas das crianças da casa no
quintal. Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil
O bairro de Andreia é um dos que
mais recebe novas famílias, as quais são forçadas a sair da zona rural para a
cidade e que, sem mais espaço para a agricultura de subsistência, veem seus
homens viajando para garantir a sobrevivência com o dinheiro que sobrar. No
município, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, a
população em área urbana subiu de 56% para 68% entre 1991 e 2010, apesar de um
crescimento populacional de 0,86% no período. O dado mostra que, com uma
população quase estagnada, o aumento de pessoas na cidade vem principalmente da
migração de famílias do campo.
São estas novas famílias da
cidade que mais concentram os migrantes de Codó que serão escravizados pelo
Brasil. Cerca de um terço dos 413 trabalhadores resgatados que eram do
município declararam aos fiscais Ministério do Trabalho e Emprego residirem em
Codó Novo ou em Santa Teresinha, um bairro vizinho.
Bairros vulneráveis
Endereços de origem dos
resgatados da escravidão de Codó mostram que um terço saiu da vizinhança de
Andreia
Mapa de calor feito a partir do
levantamento de endereços declarados pelos resgatados da escravidão entre 2003
e 2014 que eram de Codó (MA)
Quando viviam na zona rural, o
pai de Andreia trabalhava com a ajuda dos filhos e netos cultivando a terra e
fazendo crescer os alimentos que sustentariam a família pelo ano. Já Andreia e
Tereza, além de cuidar da casa, se ocupavam da retirada dos cocos de babaçu,
presentes nas terras de toda a região de Codó. Com o fruto, elas faziam azeite
e carvão. A atividade é tradicional para as mulheres do campo desta parte do
Maranhão, que costumam usar os produtos do babaçu em casa ou vendê-los na
cidade, complementando a renda da família.
Esta reportagem foi realizada com
o apoio da DGB Bildungswerk
Fonte: http://reporterbrasil.org.br/
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