O mito que viveu no glamour dos
anos 1950 morreu na solidão de um asilo
Um boato festivo, colorido,
maravilhoso...”, dizia Roberto Drummond, quando questionado sobre a existência,
ou não, da mulher que mexeu com o imaginário nacional. Mestre em mesclar
realidade e ficção em seus romances, o escritor dizia que a personagem existiu,
mas foi mitificada e mistificada. Na obra, ela se despede da história em uma
conversa com Drummond em Buenos Aires, longe da vida agitada da Guaicurus.
E
recomenda: “Por que você não diz aos seus leitores que, tal como contou no seu
romance, eu, Hilda Furacão, nunca existi e sou apenas um 1º de abril que você
quis passar nos seus leitores?”. O escritor não acha a ideia de todo mal.
Durante muitos anos, a dúvida e
os mistérios dessa obra repercutiram na imaginação popular. Hilda virou lenda,
mito, boato e inspiração para mulheres na Guaicurus. E, até hoje, algumas
profissionais que chegam ou estão ali há tempos dizem saber um “pouquinho (ou
muito) dessa história”. Do livro nasceu a minissérie de TV adaptada por Glória
Perez, em 1998, e também deu origem a musical no teatro, em 1997. Até que, em
julho de 2014, ainda sem pistas do quanto Drummond usou de ficção ou de
realidade, o Estado de Minas encontrou a verdadeira Hilda. Aos 83 anos, a
mulher conversou com a reportagem em um asilo em Buenos Aires, sem glamour ou
luxo, nem resquícios da vida na zona boêmia de BH. Aliás, a Rua Guaicurus não
existia mais na memória dela. “O meu apelido, de Furacão, é antigo, porque eu
era brigona. Se mexessem comigo, estourava, discutia, queria bater. Sou assim
desde pequena”, disse, na época, com exclusividade, ao repórter Ivan Drummond,
do EM.
Hilda Maia Valentim, assim
batizada, morreu no fim de 2014. Já estava debilitada e confusa mentalmente, e
faleceu sozinha no asilo mantido pela Prefeitura de Buenos Aires. Em seu
enterro, compareceram apenas três pessoas. Um destino, sem dúvida, inimaginável
pelos leitores de Drummond. E é aí que a ficção e a realidade entraram em conflito
novamente.
A Hilda Furacão descrita pelo
escritor chegava à zona boêmia de BH em 1º de abril de 1959 e se hospedou no
quatro 304 do Maravilhoso Hotel. Na obra, a mulher, de beleza estonteante, era
figura frequente na piscina do tradicional Minas Tênis Clube. “Ela era bela,
inesquecível moça”, escreveu Drummond, que revela o nome completo da musa;
Hilda Gualtieri von Echveger, filha de mãe italiana e pai alemão. No Minas
Tênis, usava o maiô dourado, o que permitiu ao escritor chamá-la,
carinhosamente, de a Garota do Maiô Dourado.
Encarregado de descobrir o porquê
de a menina da Zona Sul ter largado a boa-vida, Drummond relata em sua obra que
até um poderoso banqueiro fez de tudo para se casar com Hilda, mas ela recusou
e, alguns dias depois, foi para a zona boêmia. Para a nova moradora da
Guaicurus havia filas, os homens a veneravam e até mesmo um frei foi
contaminado pelo que Drummond denominou de Mal de Hilda. Um amor que,
correspondido pela protagonista, ficou na imaginação. A garota do maiô dourado abandona
a vida na Guaicurus, em 1º de abril de 1964, e, no livro, se reencontra com
Drummond, tempos depois, em Buenos Aires, e sugere ao autor fazer da sua
história uma brincadeira do Dia da Mentira.
A verdadeira Hilda, de fato, deu
vida à literatura sem ter vivido o que a imaginação do escritor mineiro
eternizou. A Furacão existiu, mas não era rica, nem sequer chegou perto do
Minas Tênis Clube. Aliás, morreu sem saber onde era o clube. Hilda foi mulher
de Paulo Valentim, um dos grandes ídolos do clube argentino Boca Juniors, que a
conheceu na zona boêmia, nos anos 1950. Ele jogava no Atlético e era
frequentador dos bares da região. Um dia foi ao quarto de Hilda, passou a
procurá-la sempre, e se apaixonou.
MATRIMÔNIO Como bebia muito e era
briguento, Paulo Valentim passou a ser um problema para a diretoria atleticana.
O fato acelerou a venda do jogador para o Botafogo, em 1957. Foi para o Rio,
mas a cabeça continuou em Hilda Furacão. Dizem que, ao fim de um jogo, ele
pegava um ônibus para se encontrar com a amada. Tanto foi que decidiu se casar
e a levou para a cidade natal dele, Barra do Piraí (RJ). Hilda dizia que, antes
de se casar com Valentim, chegou a trabalhar em casa de famílias como empregada
doméstica.
Ele jogou com Garrincha, Didi e
Zagallo, no Botafogo. Foi para a Seleção Brasileira e esteve ao lado de Pelé.
Depois, foram para Argentina, onde defendeu o Boca Juniors. O casal tinha uma
vida de luxo. Mas, com a bebida e o vício no jogo de cartas, Valetim ficou na
miséria. E o casal acabou morando de aluguel ou de favor. Em 9 de julho de
1984, Valentim morreu em consequência da bebida. Hilda teve um filho com ele,
Ulisses, que morreu em 2013, por causa de diabetes.
Hilda passou a viver com a nora,
Teresa Ignes Rodríguez. Um dia, Ignes chegou em casa e encontrou a sogra
desmaiada. Tinha batido com a cabeça no chão. Depois de medicada, logo em
seguida levou outro tombo, com outro corte na cabeça. Levada para o hospital em
Buenos Aires, ela foi tratada e, como não podia ficar, foi para o asilo, onde
morreu entre as lembranças e a solidão. (Luciane Evans)
Fonte: Estado de Minas
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