Já no corredor sentia-se o cheiro
adocicado do perfume preferido por era de clientes, com o frescor de quem saiu
do banho. Usa saia rodada vermelha, sapato alto da mesma cor, top colorido e
maquiagem nos olhos que dá mais maturidade ao rosto juvenil. Carrega, sem
esconder, uma particularidade: está grávida de cinco meses. “Os clientes não
reclamam. É normal”, garante.
Hilda Furacão: o Murguet du
Bonheur”, descreveu Roberto Drummond. Vinte cinco anos depois da obra do
escritor chegar às mãos dos leitores, ainda há perfumes doces que invadem os
corredores do Novo Hotel (antigo Maravilhoso Hotel). Desta vez, vêm do quarto
de Daiane, de 20 anos. Sentada sobre a cama, ela se abana com o leque preto de
renda à esp
A jovem de voz mansa está na
Guaicurus desde os 18 anos, quando teve uma filha. Agora, ela e o namorado resolveram
ter mais um bebê. “Ele era um cliente meu e nos apaixonamos. Moramos juntos há
um ano emeio”, conta, feliz. O fato de estar grávida de um menino (ela ainda
não sabe o nome que dará à criança) não incomoda Daiane. Aliás, a única coisa
que a irrita é justamente cheiros. Como o seu quarto é o mais perfumado do
hotel, ela não permite que homens com odores fortes sejam seus clientes e pede,
gentilmente, para que se retirem de lá. “A Guaicurus é uma ‘zona organizada’”,
explica.
"É uma zona organizada"
Apesar de expulsar do seu antro
aqueles que não estão cheirosos, ela tem um carinho especial por cada cliente.
Daiane mostra doçura quando se refere aos homens que a procuram. “Tem aqueles
que são fixos e voltam todos os dias”, diz, orgulhosa. Ela diz que sente prazer
em algumas relações, apesar de nunca ter confessado isso ao namorado. Em
respeito a ele, a jovem diz nunca fazer sexo com os clientes sem proteção e
jamais permite lhe beijarem. “Nem por R$ 1 milhão”, enfatiza.
PROVEDORA. Enquanto ela trabalha, ganhando por dia até R$ 1,5 mil,
o namorado é o “dono de casa”. É ele quem cuida da outra filha de Daiane, faz
as compras e resolve todas as pendências do dia. Para a jovem, foi melhor
assim: “Meu marido trabalha para mim. Antes, eu tinha que pagar os outros para
olhar a minha menina. Hoje ele é o ‘dono de casa’ e eu sou a provedora.”
Durante muito tempo, Daiane passou a gastar tudo que ganhava e, quando
precisava adquirir algum bem, trabalhava mais tempo na Guaicurus. “Minha
família sabe dessa minha escolha e já até me pediu dinheiro emprestado. Hoje
tenho uma vida boa”, afirma.
Quando criança, Daiane pensava em
ser dançarina de boate. Hoje, cuida do corpo em aulas de pole dance e
musculação. Frequenta rave e já levou todos os amigos à festa baiana chamada
Universo Paralelo. “Gastei R$ 200 mil. Sempre tive muito disso, de bancar as
pessoas. Não faço isso mais.” Ela pretende um dia largar a profissão e montar
lojas de roupas na capital. Por enquanto, sabe que terá de deixar o quarto vago
por uns dias para a licença-maternidade. “Ficarei dois meses fora e depois
volto”, avisa, sorrindo. Quando questionada sobre o livro de Drummond, ela
responde: “Hilda Furacão? Sei sim. É uma boate que tem na BR-040?. Fui lá um
dia, mas não gosto.” Ao saber da famosa personagem da literatura e do passado
da Guaicurus, Daiane diz nunca ter ouvido falar da mulher para quem o perfume
marcou a vida de muitos. (Luciane Evans).
Carnaval
“A Rua Guaicurus estava tomada
por uma multidão que assistia a um desfile dos blocos caricatos: Boca Negra da
Floresta e As Domésticas de Lourdes, os dois mais famosos...”
Hilda Furacão, de Roberto Drummond
O ressurgimento do carnaval de
Belo Horizonte trouxe a Rua Guaicurus para o centro da folia na capital
mineira. Em frente ao Hotel Brilhante, hoje o mais famoso deles, concentra o
Bloco Então, Brilha!, um dos maiores da festa momesca. No sábado, em vez dos
clientes habituais, a rua recebe foliões vestidos com as cores rosa e amarelo
do bloco para curtir o axé, que este ano arrastou 40 mil pessoas.
Fonte: Estado de Minas
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