Para os divorciados recasados "existem
proibições que podem ser superadas". Portanto, avaliando caso a caso, eles
poderão receber a comunhão e ser padrinhos e catequistas na Igreja. Não é uma
regra geral, mas sim um discernimento confiado aos confessores, tal como pedido
pelos bispos que participaram do Sínodo de 2015 sobre a família. É a decisão
tomada pelo Papa Francisco na sua esperada exortação apostólica pós-sinodal
Amoris laetitia, que conclui um caminho de reflexão que durou mais de dois
anos, que viu a consulta dos fiéis e dos
bispos de todo o mundo.
A reportagem é de Francesco
Antonio Grana, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 08-04-2016. A tradução
é de Moisés Sbardelotto.
Mas, no texto, não há apenas
questões que dizem respeito aos divorciados, porque Bergolio também fala de
sexo conjugal, reitera a sua contrariedade ao casamento gay e enfatiza como a
Igreja deve fazer uma autocrítica. Em particular, sobre o peso excessivo dado
ao "dever da procriação" no matrimônio e sobre a insistência quase
exclusiva, "por muito tempo", sobre "questões doutrinais,
bioéticas e morais", uma concepção "abstrata" demais, negativa,
e uma "atitude defensiva" em relação ao mundo.
Para Bergoglio, em relação a quem
vive situações "irregulares", os pastores da Igreja não podem aplicar
leis morais "como se fossem pedras que se atiram contra a vida das
pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por
detrás dos ensinamentos da Igreja".
"Apresentamos um ideal
teológico do matrimônio muito abstrato"
O papa reflete sobre a
sexualidade conjugal e sobre o matrimônio, e destaca como a sua
"idealização excessiva" não fez com que ele se tornasse
"desejável atraente, muito pelo contrário". "Não podemos, de
maneira alguma – escreve –, entender a dimensão erótica do amor como um mal
permitido ou como um peso tolerável para o bem da família, mas como dom de Deus
que embeleza o encontro dos esposos."
Quando, em um casal de cônjuges,
cultiva-se a sexualidade, explica o pontífice, é "para evitar que ocorra o
empobrecimento de um valor autêntico". E São João Paulo II, lembra o papa,
"rejeitou a ideia de que a doutrina da Igreja leve a 'uma negação do valor
do sexo humano' ou que o tolere simplesmente 'pela necessidade da procriação'.
A necessidade sexual dos esposos não é objeto de menosprezo, e 'não se trata de
modo algum de pôr em questão aquela necessidade'".
Bergoglio insiste na necessidade
de "reconhecer a grande variedade de situações familiares que podem
fornecer uma certa regra de vida, mas as uniões de facto ou entre pessoas do
mesmo sexo, por exemplo, não podem ser simplisticamente equiparadas ao
matrimônio. Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o
futuro da sociedade". Ao mesmo tempo, o Papa Francisco se pergunta sobre
quem se preocupa "hoje com fortalecer os cônjuges, ajudá-los a superar os
riscos que os ameaçam, acompanhá-los no seu papel educativo, incentivar a
estabilidade da união conjugal?".
E faz uma profunda autocrítica:
"Além disso, muitas vezes apresentamos de tal maneira o matrimônio que o
seu fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua ficaram
ofuscados por uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação. Também não
fizemos um bom acompanhamento dos jovens casais nos seus primeiros anos, com
propostas adaptadas aos seus horários, às suas linguagens, às suas preocupações
mais concretas. Outras vezes, apresentamos um ideal teológico do matrimônio
demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação
concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são. Esta
excessiva idealização, sobretudo quando não despertamos a confiança na graça,
não fez com que o matrimônio fosse mais desejável e atraente; muito pelo
contrário".
Em essência, escreve, concluindo
a sua reflexão sobre o matrimônio, "temos dificuldade em dificuldade em
apresentar o matrimônio mais como um caminho dinâmico de crescimento e
realização do que como um fardo a carregar a vida inteira. Também nos custa
deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que
podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu
próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos
chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las".
Divorciados
Sobre a possibilidade para os
divorciados recasados de se aproximarem
dos sacramentos, Francisco responde claramente: "Se levarmos em conta a
variedade inumerável de situações concretas é compreensível que se não devia
esperar do Sínodo ou desta exortação uma nova normativa geral de tipo canônico,
aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um
responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que
deveria reconhecer: uma vez que 'o grau de responsabilidade não é igual em
todos os casos', as consequências ou efeitos de uma norma não devem
necessariamente ser sempre os mesmos".
"E também não devem ser
sempre os mesmos – esclarece Bergoglio em uma nota de rodapé – na aplicação da
disciplina sacramental, dado que o discernimento pode reconhecer que, numa
situação particular, não há culpa grave." Será tarefa dos confessores
acompanhar essas pessoas para avaliar caso a caso quem poderá se aproximar da
comunhão.
"Os divorciados novamente
casados – ressalta o papa – deveriam se perguntar como se comportaram com os
seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de
reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências têm a
nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo
oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimônio. Uma reflexão
sincera pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus que não é negada a
ninguém'."
O papa não quis estabelecer uma
norma válida para todos, porque "os divorciados que vivem em uma nova
união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não
devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar
espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral. Uma coisa é uma
segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade
comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da
irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem
sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A Igreja reconhece a
existência de situações em que o homem e a mulher, por motivos sérios – como,
por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar".
E "há também o caso daqueles
que fizeram grandes esforços para salvar o primeiro matrimônio e sofreram um
abandono injusto, ou o caso daqueles que contraíram uma segunda união em vista
da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência
de que o precedente matrimônio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido
válido. Outra coisa, porém – especifica –, é uma nova união que vem de um
divórcio recente, com todas as consequências de sofrimento e confusão que afetam
os filhos e famílias inteiras, ou a situação de alguém que faltou repetidamente
aos seus compromissos familiares. Deve ficar claro que este não é o ideal que o
Evangelho propõe para o matrimônio e a família."
Sínodo de 2015
Na exortação, Francisco recebe
integralmente as conclusões do Sínodo de 2015, aprovadas pela maioria dos
bispos, sobre a participação dos divorciados recasados em "diferentes
serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes
formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral,
educativo e institucional possam ser superadas".
Para o papa, "trata-se de
integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de
participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto de uma misericórdia
imerecida, incondicional e gratuita. Ninguém pode ser condenado para sempre,
porque esta não é a lógica do Evangelho! Não me refiro só aos divorciados que
vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se encontrem".
Nenhuma abertura, ao contrário,
aos casamentos gays, embora reiterando grande respeito pelas pessoas
homossexuais, assim como sobre a contracepção. Bergoglio reitera a condenação
da Igreja sobre o aborto, a eutanásia, a teoria de gênero, a pedofilia, a violência
que, infelizmente, também ocorre na família, muitas vezes contra as mulheres, a
prática da barriga de aluguel.
O papa também lembra a sua
reforma do processo de nulidade matrimonial, encorajando os casais em crise a
verificar a validade da sua união canônica. Francisco usa palavras muito
compreensivas, inclusive em relação às uniões de fato, enfatizando que elas são
muito numerosas, não só pela rejeição dos valores da família e do casamento,
mas principalmente pelo fato de que se casar é percebido como um luxo, pelas
condições sociais, de modo que a miséria material leva a viver uniões de fato.
Situações que, para o papa,
"deve ser forma construtiva, procurando transformá-las em oportunidades de
caminho para a plenitude do matrimônio e da família à luz do Evangelho".
Fonte: Ihu
Nenhum comentário:
Postar um comentário