segunda-feira, 11 de abril de 2016

‘‘Não dou liberdade. Faço eles sofrerem’’

A ‘novinha do Novo Hotel’ é a sensação do antigo lar da musa de Drummond
 Homens de todas as classes sociais sobem as escadas do Novo Hotel. Espremem-se pelo corredor, chegam ao terceiro andar e param à porta do segundo quarto à direita, onde a moradora diz ser completamente profissional, o que inclui aí uma restrição: não se apaixona. Susi, de 21 anos, tem longos cabelos pretos, corpo esguio e definido, olhos amendoados, rosto juvenil e personalidade forte que aflorou depois dos seus estudos em escola militar. “Não dou liberdade. Se um cliente me irritar, sai do meu quarto sem roupa”, avisa.


Furacão? Já ouviu falar da “tal moça” que virou minissérie na TV, mas não tem interesse algum nessa história. Tampouco reconhece ter algo em comum com Hilda. Mas a primeira coincidência entre elas é que a personagem de Roberto Drummond trabalhou no Maravilhoso Hotel, que há uma década virou Novo Hotel, no Hipercentro de BH. E é justamente no terceiro andar, onde Hilda levava os homens à loucura, que Susi hoje é “a novinha”, assim chamada pelos clientes.
"Não sei porque que eu vim não, vim porque eu quis"
Numa tarde de sexta-feira chuvosa, ela, vestida de short e camiseta preta básica, abriu a porta do quarto do hotel somente às 17h, ainda com a cara de sono – ressaca da balada na noite anterior. Correu para um bar na Rua Guaicurus, comprou uma marmita com macarrão na chapa. No corredor do hotel, retirou um refrigerante em lata da máquina de venda. Entrou para o quarto e fechou a porta. Sem maquiagem ou lingerie, cruzou as pernas sobre a cama, e, entre uma garfada e outra de macarrão, respondia às mensagens de clientes e amigos no WhatsApp. “O que querem saber?”, indaga à reportagem do Estado de Minas.

E, ali, havia o mistério que Roberto Drummond tentou, sem sucesso, desvendar de seu personagem. A dúvida é a mesma quando se trata de Susi: o que levou a garota de classe média a largar a vida com os pais na Pampulha e os estudos no Colégio Tiradentes?. A bela, filha de um advogado e militar e de uma empresária, ambos da igreja evangélica, não tem resposta única. Dá voltas. Ora faz entender que foi em busca da independência financeira, ora fala sobre antigo relacionamento que não deu certo. Mas não justifica a situação para a escolha. Revela que foi estuprada aos 5 anos e aos 12 por um parente que frequentava a casa dos seus pais. Guarda no peito o ódio pelos homens. “Faço eles sofrerem. Só vou ficar satisfeita quando ‘ele’ morrer.”
SEM MIMIMI É aí que a personagem e a realidade se confundem. Apesar de a dama de Drummond dizer amar os “deserdados do mundo” e Susi afirmar não ter “esse mimimi de carinho”, ambas nunca sentiram prazer nas relações. Em conversa com Drummond, Furacão chegou a mencionar que fingia tudo. “Nunca senti nada, eu fingia, beijos fingidos, orgasmos fingidos, alegria fingida.” Susi diz o mesmo e vai além. “Sou profissional, praticamente um robô. É tudo automático.”
No amor, as duas se encontram novamente. Hilda teve uma paixão proibida por um frei que lhe deixou marcas. Susi guarda na memória o ex-namorado, o único que amou e, que, agora, quer vê-lo pagar pelo seu sofrimento. Traz na perna uma tatuagem com as inicias do jovem. “Mas ele vai sofrer”, promete, rancorosa, sem dar detalhes sobre o fim da relação.
Susi trabalhou desde os 15 anos como cabeleireira em BH e, aos 18, diz ter perdido o emprego. Na época, morava com o namorado e, em casa, assistindo à TV, viu uma reportagem sobre a Miss Prostituta na Guaicurus, oque mudou sua vida. “Falei com ele (ex-namorado): estou indo. Ele não acreditou. Mas no meu primeiro dia, cheguei em casa com R$ 700 no bolso”, orgulha-se. O primeiro caminho foi em casa de massagem com garotas de programa de alto luxo.
SEM VOLTA Ficou lá por dois anos, engravidou – assunto que deixa como mistério. Depois, foi para a Guaicurus. “Eu vim porque quis. Ninguém me trouxe, não conhecia ninguém que era garota de programa. Vim por intuito mesmo. Depois disso, não consigo parar de trabalhar aqui”, conta. Susi mora no quarto do Novo Hotel, mesmo depois de ter comprado uma boa casa na capital. Trabalha de segunda a segunda, das 8h à meia-noite. Como cabeleireira, ganhava cerca de R$ 1,2 mil por mês. Hoje, fatura em torno de R$ 1 mil por dia e paga R$ 220 pela diária do quarto onde mora. Seus pais sabem da sua escolha, não aprovam e pedem à filha para parar. Não se falam. Mas Susi decidiu: “Não quero largar”. (Luciane Evans)
Crise no quarto
“E a crise do Brasil sobe as escadas do Maravilhoso Hotel e bate na porta do quarto 304? (…) — É no quarto 304 que a crise entra antes de qualquer outro lugar. E agora ela entra duas vezes. Entra por causa da inflação do Jango e entra porque os coronéis do interior sumiram, e eles é que fazem a festa do 304.”

Hilda Furacão, de Roberto Drummond
No período em que Hilda Furacão morava na Guaicurus, entre 1º de abril de 1959 a 1º de abril de 1964, o país também atravessava uma crise econômica e política. O câmbio subia toda semana e a inflação ultrapassava os 20% no governo Juscelino Kubitschek. Em 1961, começa o governo de João Goulart, que tem como desafios a inflação crescente e a deterioração ainda maior das contas externas. No livro, Hilda Furacão reclama da falta de clientes, principalmente dos endinheirados, afetados pela economia em frangalhos. Quase 60 anos depois, a reclamação é a mesma. Com a crise econômica que se alastrou em 2015 e uma inflação acima dos 10%, as prostitutas da Guaicurus registram queda de 40% no movimento. Algumas fazem promoções e outras estão trabalhando por mais tempo dentro dos hotéis para garantir a mesma renda.

Fonte: Estado de Minas

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