A ‘novinha do Novo Hotel’ é a
sensação do antigo lar da musa de Drummond
Furacão? Já ouviu falar da “tal
moça” que virou minissérie na TV, mas não tem interesse algum nessa história.
Tampouco reconhece ter algo em comum com Hilda. Mas a primeira coincidência
entre elas é que a personagem de Roberto Drummond trabalhou no Maravilhoso
Hotel, que há uma década virou Novo Hotel, no Hipercentro de BH. E é justamente
no terceiro andar, onde Hilda levava os homens à loucura, que Susi hoje é “a
novinha”, assim chamada pelos clientes.
"Não sei porque que eu vim
não, vim porque eu quis"
Numa tarde de sexta-feira
chuvosa, ela, vestida de short e camiseta preta básica, abriu a porta do quarto
do hotel somente às 17h, ainda com a cara de sono – ressaca da balada na noite
anterior. Correu para um bar na Rua Guaicurus, comprou uma marmita com macarrão
na chapa. No corredor do hotel, retirou um refrigerante em lata da máquina de
venda. Entrou para o quarto e fechou a porta. Sem maquiagem ou lingerie, cruzou
as pernas sobre a cama, e, entre uma garfada e outra de macarrão, respondia às
mensagens de clientes e amigos no WhatsApp. “O que querem saber?”, indaga à
reportagem do Estado de Minas.
E, ali, havia o mistério que
Roberto Drummond tentou, sem sucesso, desvendar de seu personagem. A dúvida é a
mesma quando se trata de Susi: o que levou a garota de classe média a largar a
vida com os pais na Pampulha e os estudos no Colégio Tiradentes?. A bela, filha
de um advogado e militar e de uma empresária, ambos da igreja evangélica, não
tem resposta única. Dá voltas. Ora faz entender que foi em busca da
independência financeira, ora fala sobre antigo relacionamento que não deu
certo. Mas não justifica a situação para a escolha. Revela que foi estuprada
aos 5 anos e aos 12 por um parente que frequentava a casa dos seus pais. Guarda
no peito o ódio pelos homens. “Faço eles sofrerem. Só vou ficar satisfeita
quando ‘ele’ morrer.”
SEM MIMIMI É aí que a personagem
e a realidade se confundem. Apesar de a dama de Drummond dizer amar os
“deserdados do mundo” e Susi afirmar não ter “esse mimimi de carinho”, ambas
nunca sentiram prazer nas relações. Em conversa com Drummond, Furacão chegou a
mencionar que fingia tudo. “Nunca senti nada, eu fingia, beijos fingidos,
orgasmos fingidos, alegria fingida.” Susi diz o mesmo e vai além. “Sou
profissional, praticamente um robô. É tudo automático.”
No amor, as duas se encontram
novamente. Hilda teve uma paixão proibida por um frei que lhe deixou marcas.
Susi guarda na memória o ex-namorado, o único que amou e, que, agora, quer
vê-lo pagar pelo seu sofrimento. Traz na perna uma tatuagem com as inicias do
jovem. “Mas ele vai sofrer”, promete, rancorosa, sem dar detalhes sobre o fim
da relação.
Susi trabalhou desde os 15 anos
como cabeleireira em BH e, aos 18, diz ter perdido o emprego. Na época, morava
com o namorado e, em casa, assistindo à TV, viu uma reportagem sobre a Miss
Prostituta na Guaicurus, oque mudou sua vida. “Falei com ele (ex-namorado):
estou indo. Ele não acreditou. Mas no meu primeiro dia, cheguei em casa com R$
700 no bolso”, orgulha-se. O primeiro caminho foi em casa de massagem com
garotas de programa de alto luxo.
SEM VOLTA Ficou lá por dois anos,
engravidou – assunto que deixa como mistério. Depois, foi para a Guaicurus. “Eu
vim porque quis. Ninguém me trouxe, não conhecia ninguém que era garota de
programa. Vim por intuito mesmo. Depois disso, não consigo parar de trabalhar
aqui”, conta. Susi mora no quarto do Novo Hotel, mesmo depois de ter comprado
uma boa casa na capital. Trabalha de segunda a segunda, das 8h à meia-noite.
Como cabeleireira, ganhava cerca de R$ 1,2 mil por mês. Hoje, fatura em torno
de R$ 1 mil por dia e paga R$ 220 pela diária do quarto onde mora. Seus pais
sabem da sua escolha, não aprovam e pedem à filha para parar. Não se falam. Mas
Susi decidiu: “Não quero largar”. (Luciane Evans)
Crise no quarto
“E a crise do Brasil sobe as
escadas do Maravilhoso Hotel e bate na porta do quarto 304? (…) — É no quarto
304 que a crise entra antes de qualquer outro lugar. E agora ela entra duas
vezes. Entra por causa da inflação do Jango e entra porque os coronéis do
interior sumiram, e eles é que fazem a festa do 304.”
Hilda Furacão, de Roberto Drummond
No período em que Hilda Furacão
morava na Guaicurus, entre 1º de abril de 1959 a 1º de abril de 1964, o país
também atravessava uma crise econômica e política. O câmbio subia toda semana e
a inflação ultrapassava os 20% no governo Juscelino Kubitschek. Em 1961, começa
o governo de João Goulart, que tem como desafios a inflação crescente e a
deterioração ainda maior das contas externas. No livro, Hilda Furacão reclama
da falta de clientes, principalmente dos endinheirados, afetados pela economia
em frangalhos. Quase 60 anos depois, a reclamação é a mesma. Com a crise
econômica que se alastrou em 2015 e uma inflação acima dos 10%, as prostitutas
da Guaicurus registram queda de 40% no movimento. Algumas fazem promoções e
outras estão trabalhando por mais tempo dentro dos hotéis para garantir a mesma
renda.
Fonte: Estado de Minas
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