Uma mulher comum. É assim que
Laurinha, de 58 anos, se define. Há mais de três décadas trabalhando na
Guaicurus, ela conta que foi parar na profissão por amor à filha. Natural do
interior de Minas, ela engravidou ainda nova e sua família não aceitava uma
gravidez sem casamento. “Diziam que mãe solteira era prostituta”, conta.
O pai
da criança não quis assumi-la, e, entre ficar com a menina ou ter o respeito da
sociedade, ela se agarrou à primeira opção e encontrou na prostituição a
felicidade: estudou a filha, que mora hoje na Europa; amou e foi amada; e
consegue fugir do tédio e da solidão quando se dispõe a dar carinho aos homens,
como ela mesma diz.
Laurinha, assim chamada na
Guaicurus, é a soma das várias Hildas que permeiam o imaginário mineiro. Passou
pela fase em que foi sucesso na Zona, com fila de homens à sua espera. “Era
nova e bonitinha quando cheguei. Meu quarto parecia até jogo do Atlético e
Cruzeiro, fazia fila”, recorda, às gargalhadas. Hoje, ela já não espera o
cliente com lingeries provocantes. Prefere usar vestidos, mais elegantes. Tem
clientes antigos, que a procuram. “Essa profissão tem dois lados: você adquire
muitas coisas, mas tem que saber lidar com todo mundo”, ensina.
Na obra de Roberto Drummond,
Hilda Furacão abandona a vida da Guaicurus no 1º de abril de 1964, na esperança
de fugir com Frei Malthus, o homem que certamente havia, enfim, lhe despertado
o amor. Mas foi a felicidade quem ‘passou um 1º de abril’ em Hilda: a heroína
teve de ir embora sem o frei e tempos depois, soube-se que morreu, em um asilo,
na Argentina. “Ela se casou com ex-jogador do Atlético que a deixou na miséria.
Morreu sozinha”, conta Laurinha, repetindo a história descoberta e acompanhada
pelo Estado de Minas.
Laurinha passou por situações
semelhantes à de Hilda. Ela conta que, uma vez, um cliente canadense se
apaixonou por ela e frequentou seu quarto por cinco anos. “Até que um dia, ele
prometeu me levar para o Canadá. Ia me buscar e tudo mais”, recorda. Mas, com
receio do que seria viver com uma filha em um país diferente do seu, ela não
arriscou. “Hoje, me arrependi. À época, ele ficou com raiva de mim por não ter
ido. Era um homem maravilhoso, mas eu não sabia o que me esperava e não sou
mulher doida: pela minha filha, sou capaz de matar ou morrer”, afirma.
O tempo passou, a filha de
Laurinha estudou em três faculdades e, atualmente, está na Europa cursando
geografia. Nunca perguntou nada sobre a profissão da mãe. O dinheiro que ganha
Laurinha manda para ela. “Aqui, você não precisa ter beleza nem idade. Tem que
ter talento”, explica. Envelhecer na profissão não tem mistério para ela. “Ás
vezes sou psicóloga dos meus clientes. Alguns vem aqui só para conversar
comigo”, diz. Laurinha gosta e se sente feliz em ser prostituta. “Tem que ter
persistência, não é fácil deitar com um, com outro. Mas, valeu a pena. Bato no
peito e tenho orgulho de ser quem eu sou”, diz, acrescentando que já tem sua
casa, ganhou mais dinheiro que um engenheiro ou advogado, mas por enquanto
pretender ficar na Guaicurus por mais quatro anos. “Se eu sair daqui, vou
morrer de tédio. Como cantou Sérgio Reis, ‘panela velha é que faz comida boa’”,
conta, aos risos. (Luciane Evans)
Fonte: Estado de Minas
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