sexta-feira, 3 de abril de 2015

DIANTE DE JESUS CRUCIFICADO

Para que nos serviria um Deus que não conhecesse a nossa cruz? Quem nos poderia entender? Em quem poderiam esperar os torturados de tantos cárceres secretos? Onde poderiam colocar sua esperança tantas mulheres humilhadas e violentadas sem defesa alguma? A quem se agarrariam os enfermos crônicos e os moribundos?

Por Jose Antonio Pagola

Detido pelas forças de segurança do Templo, Jesus já não tem nenhuma dúvida: o Pai não escutou os seus desejos de continuar vivendo; seus discípulos fogem buscando a sua própria segurança. Ele está sozinho. Seus projetos se desvanecem. Aguarda-o a execução.

O silêncio de Jesus durante suas últimas horas é impressionante. Sem dúvida, os evangelistas recolheram algumas palavras suas na cruz. São muito breves, porém, para as primeiras gerações cristãs, elas ajudavam a recordar com amor e agradecimento a Jesus crucificado.

Lucas recolheu as palavras que disse enquanto está sendo crucificado. Entre tremores e gritos de dor, consegue pronunciar algumas palavras que revelam o que tem em seu coração: "Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem". Assim é Jesus. Pediu aos seus discípulos para "amar os seus inimigos" e "rezar pelos seus perseguidores". Agora, é ele mesmo quem morre perdoando. Converte a sua crucificação em perdão.

Este pedido ao Pai pelos que o estão crucificando é, sobretudo, um gesto sublime de compaixão e confiança no perdão insondável de Deus. Esta é a grande herança de Jesus à Humanidade: não desconfieis jamais de Deus. Sua misericórdia não tem fim.

Marcos recolhe um grito dramático do crucificado: "Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonaste?". Estas palavras pronunciadas em meio à solidão e ao abandono mais total, são de uma sinceridade imensa. Jesus sente que seu Pai querido o está abandonando. Por quê? Jesus se queixa de seu silêncio. Onde está? Por que se cala?

Este grito de Jesus, identificado com todas as vítimas da história, pedindo a Deus alguma explicação para tanta injustiça, abandono e sofrimento, fica nos lábios do crucificado reclamando uma resposta de Deus para além da morte: Nosso Deus, por que nos abandonas? Não responderás, jamais, aos gritos e gemidos dos inocentes?

Lucas recolhe uma última palavra de Jesus. Apesar de sua angústia mortal, Jesus mantém, até o fim, a sua confiança no Pai. Suas palavras são, agora, quase um sussurro  "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". Nada nem ninguém pôde separá-lo dele. O Pai esteve animando, com seu espírito, toda a sua vida. Concluída a sua missão, Jesus deixa tudo em suas mãos. O Pai romperá o silêncio e o ressuscitará.

Nesta Semana Santa, celebraremos em nossas comunidades cristãs a Paixão e a Morte do Senhor. Também podemos meditar em silêncio diante de Jesus crucificado, aprofundando-nos nas palavras que, ele mesmo, pronunciou durante a sua agonia.

"Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente".

NÃO DESÇA DA CRUZ



Segundo o relato evangélico, aqueles que passavam diante de Jesus crucificado zombavam dele e, rindo de seu sofrimento, lhe faziam propostas sarcásticas: Se és o Filho de Deus, "salva-te a ti mesmo" e "desça da cruz".

Essa é, exatamente, a nossa reação diante do sofrimento: salvar-nos a nós mesmos, pensar somente em nosso bem-estar e, por conseguinte, evitar a cruz, passarmos a vida evitando tudo aquilo que nos possa fazer sofrer. Deus seria assim? Alguém que somente pensa em si mesmo e em sua felicidade?

Jesus não responde à provocação dos que zombam dele. Não pronuncia alguma palavra. Não é o momento de dar explicações. Sua resposta é o silêncio. Um silêncio que é respeito  para aqueles que o desprezam, compreendendo sua cegueira e, sobretudo, manifestando compaixão e amor.

Jesus somente rompe seu silêncio para dirigir-se a Deus com um grito penetrante: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". Não lhe pede que o salve descendo-o da cruz. Somente que não se oculte, não o abandone neste momento de morte e sofrimento extremo. E Deus, seu Pai, permanece em silêncio.

Somente escutando, até o fundo, esse silêncio de Deus, descobrimos algo de seu mistério. Deus não é um ser poderoso e triunfante, tranquilo e feliz, alheio ao sofrimento humano, mas um Deus calado, impotente e humilhado, que sofre com nós a dor, a obscuridade e, até mesmo, a morte.

Por isso, ao contemplar o crucificado, nossa reação não é de ridicularização ou desprezo, mas de oração confiante e agradecida: "Não desça da cruz. Não nos deixe sozinhos em nossa aflição. Para que nos serviria um Deus que não conhecesse a nossa cruz? Quem nos poderia entender? Em quem poderiam esperar os torturados de tantos cárceres secretos? Onde poderiam colocar sua esperança tantas mulheres humilhadas e violentadas sem defesa alguma? A quem se agarrariam os enfermos crônicos e os moribundos? Quem poderia oferecer consolo às vítimas de tantas guerras, terrorismos, fomes e misérias? Não. Não desça da cruz, pois se não te sentirmos "crucificado" junto a nós, nos veremos ainda mais 'perdidos'."

É difícil imaginar algo mais escandaloso que um "Deus crucificado". E, tampouco, algo mais atraente e cheio de esperança. Não se poderia crer num Deus que fosse somente poder. Acredito que os humanos somente podem confiar num Deus débil, que sofre  com nós e por nós, e somente assim desperta em nós a esperança.

Estes dias, pude ver com que arrogância atuam os poderosos e com que facilidade se destrói os fracos; quem são os satisfeitos e quem são os desgraçados; onde estão os que decidem e organizam tudo, e onde morrem as vítimas que padecem tudo.

A quem eu poderia me agarrar se Deus fosse, simplesmente, um ser poderoso e satisfeito, que decidisse e organizasse o mundo segundo à sua vontade, muito parecido aos poderosos da terra, apenas mais forte que eles? Quem me poderia dar uma esperança se não soubesse que Deus está sofrendo com as vítimas e nas vítimas? Quem me poderia consolar se não soubesse que um "Deus crucificado" é o mais oposto a estes "deuses" que somente sabem crucificar?

Esse Deus crucificado me ajuda a ver a realidade a partir dos crucificados. A partir destes homens e mulheres abatidos sem piedade alguma, se vê melhor como está o mundo e o que lhe falta para ser humano. O mal tende a disfarçar-se, porém ali onde alguém é crucificado, tudo se esclarece. Sabemos onde está Deus e onde estão  aqueles que se opõem a ele.

Os crucificados não me deixam crer nessas grandes palavras como "progresso", "democracia" ou "liberdade", quando servem para matar inocentes. Sempre se matou em nome de algum "deus". O poder tende a sacralizar-se a si mesmo, apresenta-se como intocável e indiscutível, legitima-se através dos votos ou nas grandes causas. Dá no mesmo! Quando aterroriza e destrói a inocentes, fica desmascarado. Esse poder nada tem a ver com o verdadeiro Deus.

Nesta Semana Santa, ao beijar a Cruz, quero beijar a todos os crucificados, pedir-lhes perdão e ver neles a esse Deus crucificado que me chama a recordar-me deles e defendê-los sempre.


Fonte: BLOG DO PE. TELMO FIGUEIREDO

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