quinta-feira, 2 de abril de 2015

DESPEDIDA INESQUECÍVEL- J. A. Pagola

Jesus também sabe que suas horas estão contadas. No entanto, não pensa em ocultar-se ou fugir. O que faz é organizar uma ceia especial de despedida com seus amigos e amigas mais próximos. É um momento grave e delicado para ele e para seus discípulos: o quer viver com toda a profundidade. É uma decisão pensada.


Consciente da iminência de sua morte, necessita compartilhar com os seus sua confiança total no Pai, inclusive nesta hora. Quer prepará-los para um golpe muito duro; sua execução não lhes deve afogar na tristeza ou no desespero. Devem partilhar juntos as interrogações que se despertam em todos eles: o que será do reino de Deus sem Jesus? O que devem fazer os seus seguidores? Onde vão alimentar, de agora em diante, sua esperança na vinda do reino de Deus?

Ao que parece, não se trata de uma ceia pascal. É certo que algumas fontes indicam que Jesus quis celebrar a ceia de Páscoa ou Sêder com seus discípulos, na qual os judeus comemoram a libertação da escravidão egípcia. No entanto, ao descrever o banquete, não se faz uma única alusão à liturgia da Páscoa, nada se diz do cordeiro pascal nem das ervas amargas que se comem nessa noite, não se recorda ritualmente a saída do Egito, tal como estava prescrito.

Por outro lado, é impensável que nessa mesma noite em que todas as famílias estavam celebrando a ceia mais importante do calendário judaico, os sumos sacerdotes e seus auxiliares desejassem se ocupar da prisão de Jesus e organizar uma reunião noturna com a finalidade de concretizar as acusações mais graves contra ele. Parece mais verossímil a informação de outra fonte que situa a ceia de Jesus antes da festa de Páscoa, pois nos diz que Jesus é executado aos 14 de Nisan, véspera de Páscoa. Desse modo, não parece possível estabelecer, com segurança, o caráter pascal da última ceia. Provavelmente, Jesus peregrinou até Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus discípulos, porém não pôde levar a cabo seu desejo, pois foi preso e executado antes que chegasse essa noite. No entanto, ele teve tempo para celebrar uma ceia de despedida.

De qualquer modo, não é uma refeição ordinária, mas uma ceia solene, a última de tantas outras que haviam sido celebradas pelas aldeias da Galileia. Beberam vinho, como se fazia nas grandes ocasiões; cearam reclinados para ter uma refeição tranquila, não sentados, como faziam a cada dia.

Provavelmente, não é uma ceia de Páscoa, porém no ambiente se respira a excitação das festas pascais. Os peregrinos fazem seus últimos preparativos: adquirem pão ázimo e compram seu cordeiro pascal. Todos buscam um lugar nos albergues ou nos pátios e terraços das casas. O grupo de Jesus também busca um lugar tranquilo. Essa noite, Jesus não se retira a Betânia, como nos dias anteriores. Permanece em Jerusalém. Sua despedida deve ser celebrada na cidade santa. Os relatos dizem que celebrou a ceia com os Doze, porém não devemos excluir a presença de outros discípulos e discípulas que vieram com ele em peregrinação. Seria muito estranho que, contrariando o seu costume de partilhar sua mesa com toda classe de pessoas, inclusive pecadores, Jesus adotasse, repentinamente, uma atitude tão seletiva e restringente.


Podemos saber, realmente, o que se viveu nessa ceia?

Jesus vivia as refeições e ceias que fazia na Galileia como símbolo e antecipação do banquete final no reino de Deus. Todos conhecem essas refeições animadas pela fé de Jesus no reino definitivo do Pai. Esse é um dos traços característicos enquanto percorre as aldeias. Também esta noite, aquela ceia lhe faz pensar no banquete final do reino. Dois sentimentos tomam conta de Jesus. Primeiro, a certeza de sua morte iminente; não o pode evitar: aquele é o último cálice que irá partilhar com os seus; todos o sabem: não há que ter ilusões. Ao mesmo tempo, sua confiança inquebrantável no reino de Deus, ao qual dedicou sua vida inteira.

Fala com clareza: “Asseguro-vos: já não beberei mais do fruto da videira até o dia em que o beba, de novo, no reino de Deus”. A morte está próxima. Jerusalém não quer responder ao seu chamado. Sua atividade como profeta e portador do reino de Deus será violentamente truncada, porém sua execução não impedirá a chegada do reino de Deus que foi anunciado a todos. Jesus mantém inalterável sua fé nessa intervenção salvadora de Deus. Está seguro da validade de sua mensagem. Sua morte não haverá de destruir a esperança de ninguém. Deus não se retirará. Um dia, Jesus se assentará à mesa para celebrar, com um cálice em suas mãos, o banquete eterno de Deus com seus filhos e filhas. Beberão um vinho “novo” e compartilharão juntos a festa final do Pai. A ceia desta noite é um símbolo.

Movido por esta convicção, Jesus se dispõe a animar a ceia contagiando seus discípulos com sua esperança.

Começa a refeição seguindo o costume judaico: põe-se em pé, toma em suas mãos o pão e pronuncia, em nome de todos, uma bênção a Deus, à qual todos respondem dizendo “amém”. Em seguida, rompe o pão e vai distribuindo um pedaço a cada um. Todos conhecem aquele gesto. Provavelmente viram Jesus fazê-lo em mais de uma ocasião. Sabem o que significa aquele rito de quem preside a mesa: ao servi-lhes com este pedaço de pão, Jesus lhes faz chegar a bênção de Deus. Como isso lhes impressionava quando o fazia para os pecadores, publicanos e prostitutas!

Ao receber aquele pão, todos se sentem unidos entre si e com Deus. Porém, naquela noite, Jesus acrescenta umas palavras que dão um conteúdo novo e insólito ao seu gesto. Enquanto lhes distribui o pão, lhes diz estas palavras: “Este é o meu corpo. Eu sou este pão. Vejam-me nestes pedaços entregando-me até o final, para fazer-lhes chegar a bênção do reino de Deus”.

O que aqueles homens e mulheres sentiram quando escutaram, pela primeira vez, estas palavras de Jesus?

Surpreende-lhes, muito mais, aquilo que ele faz ao terminar a ceia. Todos conhecem o rito que se costumava realizar. Ao final da refeição, aquele que presidia a mesa, permanecendo sentado, tomava em sua mão direita um cálice de vinho, a mantinha a um palmo de altura sobre a mesa e pronunciava, sobre ela, uma oração de ação de graças pela refeição, ao final da qual, todos respondiam “amém”. Em seguida, bebia de seu cálice, gesto que servia de sinal para que cada um bebesse, também, da sua.

No entanto, naquela noite, Jesus muda o rito e convida os seus discípulos e discípulas para que todos bebam de um único cálice: o seu! Todos compartilham desse “cálice de salvação” abençoado por Jesus. Nesse cálice que vai sendo passado e oferecido a todos, Jesus vê algo “novo” e peculiar que deseja explicar: “Este cálice é a nova Aliança em meu sangue. Minha morte abrirá um futuro novo para vós e para todos”. Jesus não pensa, somente, em seus discípulos mais próximos.

Neste momento decisivo e crucial, o horizonte de seu olhar se faz universal: a nova Aliança, o reino definitivo de Deus, será para muitos, “para todos”.

Com estes gestos proféticos da entrega do pão e do vinho, partilhados por todos, Jesus converte aquela ceia de despedida numa grande ação sacramental, a mais importante de sua vida, a que melhor resume seu serviço ao reino de Deus, aquela que deseja deixar gravada para sempre em seus seguidores. Deseja que permaneçam vinculados a ele e que alimentem nele sua esperança. Que o recordem sempre dedicado a seu serviço. Continuará sendo “o que serve”, aquele que ofereceu sua vida e sua morte por eles, o servidor de todos. Assim está no meio deles naquela ceia e assim quer que o recordem sempre.

O pão e o cálice de vinho lhes evocarão, antes de mais nada, a festa final do reino de Deus; a entrega desse pão a cada um e a participação no mesmo cálice lhes trarão à memória a entrega total de Jesus. “Por vós”: estas palavras resumem bem o que foi sua vida ao serviço dos pobres, enfermos, pecadores, desprezados, oprimidos, todos os necessitados... Estas palavras expressam o que será, agora, sua morte: “desviveu-se” para oferecer a todos, em nome de Deus, acolhida, cura, esperança e perdão.

Entrega sua vida até a morte oferecendo a todos a salvação do Pai.

Assim foi a despedida de Jesus, a qual ficou gravada para sempre nas comunidades cristãs. Seus seguidores não ficaram órfãos; a comunhão com ele não ficará quebrada devido sua morte; se manterá até que um dia bebam todos juntos o cálice de “vinho novo” no reino de Deus. Não sentirão o vazio de sua ausência: repetindo aquela ceia poderão alimentar-se de sua recordação e de sua presença. Ele estará com os seus sustentando sua esperança; eles prolongarão e reproduzirão seu serviço ao reino de Deus até o reencontro final.

De modo germinal, Jesus está desenhando em sua despedida as linhas mestras de seu movimento de seguidores: uma comunidade alimentada por ele mesmo e dedicada, totalmente, a abrir caminhos ao reino de Deus, numa atitude de serviço humilde e fraterno, com a esperança colocada no reencontro da festa final.

Jesus faz, além disso, algum novo sinal convidando seus discípulos ao serviço fraterno? O evangelho de João diz que, num momento determinado da ceia, levantou-se da mesa e “se pôs a lavar os pés dos discípulos”. Segundo o relato, ele fez isso para dar exemplo a todos e fazer saber que seus seguidores deveriam viver em atitude de serviço mútuo: “Lavando os pés uns aos outros”. A cena é, provavelmente, uma criação do evangelista, porém recolhe de maneira admirável o pensamento de Jesus. O gesto é insólito.

Numa sociedade onde está determinado, tão perfeitamente, o papel das pessoas e dos grupos, é impensável que o comensal de uma refeição festiva e, menos ainda, aquele que preside a mesa, se ponha a realizar uma tarefa humilde reservada a servos e escravos. Segundo o relato, Jesus deixa o seu lugar e, como um escravo, começa a lavar os pés dos discípulos. Dificilmente, pode-se traçar uma imagem mais expressiva do que foi sua vida, e do que deseja deixar gravado para sempre em seus seguidores. Repetiu-o muitas vezes: “Aquele que quiser ser grande entre vós, será o vosso servidor; e o que quiser ser o primeiro entre vós, será escravo de todos”. Jesus expressa isso, agora, plasticamente nesta cena: limpando os pós de seus discípulos está atuando como servo e escravo de todos; dentro de algumas horas morrerá crucificado, um castigo reservado, sobretudo, a escravos.

Fonte: BLOG DO PE. TELMO FIGUEIREDO

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