Cerca de 70% dos criminosos têm
total capacidade de entender a gravidade do ato.
As imagens mais frequentes de um
criminoso sexual são de um homem à espreita, um estranho que observa crianças
no parquinho ou alguém que passa a maior parte do tempo recluso, obcecado com
pornografia e sofrendo com algum transtorno psíquico. Embora registros policiais
mostrem que alguns praticantes dessa forma de violência correspondam a essa
representação, dados apontam que os estereótipos são mais exceção do que regra.
De acordo com um estudo produzido
recentemente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os agressores,
em grande parte das vezes, não são tão deslocados socialmente quanto se
imagina, conhecem as vítimas e não têm diagnóstico de doença mental, sendo
capazes de entender a gravidade de seus crimes
Na análise, uma equipe coordenada
pelo psiquiatra Alexandre Martins Valença investigou as características
sociodemográficas, as correlações clínicas, as características de comportamento
criminoso e o nível de responsabilidade penal dos infratores sexuais
encaminhados para avaliação psiquiátrica forense na capital fluminense. Ao
todo, os pesquisadores revisaram 44 relatórios produzidos em 2008 por
especialistas indicados por tribunais referentes aos crimes de estupro,
tentativa de estupro, atentado violento ao pudor e exposição indecente.
O levantamento mostrou um perfil
bem diferente do que ainda faz parte do imaginário de muitas pessoas. Além das
características descritas anteriormente, a maior parte dos casos envolvia
pessoas empregadas em tempo parcial. O único ponto que corresponde ao estereótipo
é que, em todos os casos, os suspeitos eram homens. “De fato, muito
eventualmente, aparece uma agressora do sexo feminino. E, às vezes, quando
acontece, o crime é cometido em parceria com um homem”, atesta Hugo Ricardo
Valim de Castro, perito médico-legista e chefe da Sessão de Sexologia Forense
da Polícia Civil do Distrito Federal, que não participou do estudo.
Em casa
A pesquisa evidencia que a
violência sexual costuma, portanto, ser um crime cometido por homens contra
mulheres jovens – muitas crianças e adolescentes – que eles conhecem. Dos 44
documentos analisados, 13 diziam respeito a crimes contra uma integrante da família
do agressor e 12 contra pessoas próximas. Em 31,8% das vezes, a violência tinha
acontecido na casa dos suspeitos.
Quanto à saúde mental, 43,2% dos
homens avaliados não receberam diagnóstico de qualquer transtorno psiquiátrico,
mas nove infratores foram diagnosticados com retardo mental. Em 36,4% dos
casos, alguma forma de transtorno mental ou neurológico foi identificada, mas
não a ponto de tirar a responsabilidade pelo ato – 70,4% foram considerados
completamente responsáveis por seus crimes; 18,2%, parcialmente responsáveis; e
11,4%, não responsáveis, por motivo de insanidade. Em 10 casos (22,7%), o
agressor estava sob a influência de álcool. O levantamento mostrou ainda que os
sujeitos com distúrbios mentais ou neurológicos eram mais propensos a estarem
alcoolizados no momento do crime.
“Em alguns casos, há doentes
mentais, psicopatas, mas nem sempre. Um traço que aproxima os agressores é o
fato de terem sido vítimas de violência sexual ou doméstica na infância. Isso é
um fator que, de certa forma, predispõe o indivíduo a ter comportamento
violento no futuro”, analisa Hugo Castro. Segundo ele, apesar de terem
consciência de seus crimes, na maioria das vezes, não há arrependimento. “Esse
não é um comportamento comum. E, muitas vezes, o agressor tem dificuldade de
reconhecer que fez algo de errado. No contexto contra crianças, ele se sente no
direito de praticar a violência, por ser pai ou padrasto”, observa o perito.
Cultura
A observação de Castro aponta
para aspectos culturais que podem favorecer a prática de crimes sexuais. Um
estudo conduzido pela antropóloga Rita Laura Segato, na Universidade de
Brasília (UnB), por exemplo, apontou que muitos homens presos por estupro
adotam um discurso moralista, no qual defendem o ataque às mulheres como um ato
“disciplinador”, pois várias delas mereceriam tal “punição” por não se
comportarem de maneira adequada – o que pode significar, simplesmente, não usar
roupas que os agressores consideram respeitáveis.
Apesar de outras pesquisas
apontarem que crimes sexuais são cometidos mais por jovens entre 16 e 25 anos,
no estudo da UFRJ, a idade média no momento da infração foi de 44 anos. Não se
pode excluir, no entanto, a possibilidade de alguns dos acusados terem cometido
outros atos antes de serem descobertos.
Quando a violência é contra
crianças, diz Hugo Castro, o agressor costuma ser adulto e um pouco mais velho.
E nesses casos é ainda mais comum que o criminoso mantenha uma relação afetiva
com a vítima. “Não necessariamente há uma associação do uso de entorpecentes e
álcool, embora o alcoolismo seja comum entre agressores do ambiente doméstico”,
acrescenta o médico e policial. Segundo ele, esse perfil não possui um
histórico violento, como costuma ser o do agressor fortuito, que pratica a
agressão contra mulheres desconhecidas e geralmente na rua.
Segundo o perito, esses casos
costumam ser praticados por indivíduos com passagem pela polícia, por roubo ou
homicídio, por exemplo. Essas ocorrência são mais frequentes à noite, em locais
ermos, e é comum que o agressor tenha consumido álcool ou outro tipo de
entorpecentes.
56,8%
Porcentagem dos casos em que a
vítima era da família ou conhecia o agressor, segundo levantamento da UFRJ
Análise psiquiátrica
A avaliação da responsabilidade
criminal, de acordo com o Código Penal Brasileiro, baseia-se em um conceito
biopsicológico. Isso significa que a responsabilidade penal completa só pode
ser excluída se o agressor estava, ao tempo da ação criminal, sofrendo de um
distúrbio mental (de origem biológica) e, como consequência, era completamente
incapaz de entender a ilegalidade de seus atos e evitá-los. Para tanto, a
existência de um nexo de causalidade entre o transtorno mental e o delito deve
ser estabelecida sem dúvida. A possibilidade de casos com responsabilidade limitada,
resultante de uma deficiência parcial de funções cognitivas, também é
contemplada pela lei brasileira.
No Brasil, a avaliação do estado
mental no momento do delito é feita durante o processo judicial por um
psiquiatra nomeado pelo tribunal. A avaliação é chamada de exame de
imputabilidade penal. Aqueles isentos da culpa de seus atos ilícitos pagam a
pena com tratamento involuntário em regime de internamento nos hospitais
psiquiátricos forenses. No Distrito Federal , quando a Justiça conclui que o criminoso
não tem capacidade de responder pelos atos, ele é condenado à medida de
segurança. Isso é um tratamento que, em Brasília, é realizado na ala de
tratamento psiquiátrico, uma área isolada dentro do presídio feminino.
Fonte: Correio Braziliense
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