Segundo o estudo inédito do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e da Fundação Getúlio Vargas, a maioria dos
assédios partem de superiores dentro das próprias corporações. 40% das
entrevistadas disseram já ter sofrido assédio moral ou sexual no ambiente de
trabalho. O levantamento foi feito com mulheres das guardas municipais, pericia
criminal, Corpo de Bombeiros e das Policias Civil, Militar e Federal. Tudo de
forma anônima. Não à toa. A pesquisa também mostrou que só 11,8% das mulheres
denunciam que sofreram abuso.
O trabalho delas é proteger as
pessoas. Mas, muitas vezes, são elas que precisam de proteção. Você vai ver o
resultado de uma pesquisa inédita sobre assédio contra mulheres policiais
dentro de suas próprias corporações. São relatos dramáticos.
Relatos parecidos ecoam pelos
corredores das delegacias e quartéis. Mulheres policiais assediadas por outros
policiais. De tão frequentes, os casos viraram tema de uma pesquisa inédita do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Fundação Getúlio Vargas.
Os dados são sombrios: 40% das
entrevistadas disseram já ter sofrido assédio moral ou sexual no ambiente de
trabalho. A maior parte das vezes quem assedia é um superior. O levantamento
foi feito com mulheres das guardas municipais, pericia criminal, Corpo de
Bombeiros e das Policias Civil, Militar e Federal. Tudo de forma anônima. Não à
toa. A pesquisa também mostrou que só 11,8% das mulheres denunciam que sofreram
abuso.
“Medo da pessoa, medo da minha
carreira, medo de ser tachada pelos outros”, afirma uma mulher que não quis se
identificar.
Poucas se atrevem a mostrar o
rosto. Como Marcela e Katya. Esta semana, elas foram com outras duas colegas à
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para
falar sobre o assédio que dizem ter sofrido.
As quatro são policiais militares
e alegam terem sido vítimas da mesma pessoa, o Tenente Paulo César Pereira
Chagas.
“Sempre esse tenente sempre
passava por mim, pelo pátio da companhia e me elogiava. Falava assim: ‘seu
sorriso alegra meu dia’, conta Katya Flávia de Queiros, soldado da Polícia
Militar.
“Até que as conversas começaram a
ficar mais ousadas”, conta Marcela Fonseca de Oliveira, soldado da Polícia
Militar.
“Na época, meu casamento foi
totalmente abalado por isso. Passei muita dificuldade. Tive que voltar para
casa dos meus pais. Minha vida foi totalmente destruída por causa disso”,
relembra Katya.
Foi então que elas entenderam que
não eram culpadas pelo assédio e decidiram se unir para denunciar o homem que
elas apontam como agressor.
“A gente se sente tão fraca
quando está em uma situação dessa’, diz Marcela.
O Fantástico procurou o tenente,
mas quem respondeu por ele foi a Polícia Militar de Minas Gerais. Em nota, a PM
diz que o assédio é transgressão grave, de acordo com o código de ética e
disciplina da corporação.
Mas, até agora, a única punição
sofrida pelo tenente foi a transferência do local de trabalho.
“Elas não têm mais o
acompanhamento do oficial que dirigiu a elas esses gracejos” diz o comandante
da 10º RPM de Patos de Minas/MG, Coronel Elias Saraiva.
“Eles não veem a gente como
profissional, como uma militar, como todos os outros. É como se a gente fosse
um pedaço de carne. Ou que estivesse lá desfilando para embelezar o quartel”,
lamenta Katya.
Em qualquer ambiente de trabalho,
casos de assédio sexual e moral são graves. E quando os envolvidos são
policiais o desfecho é imprevisível.
“Nosso policial anda armado e de
repente pode acontecer uma tragédia”, afirma o presidente da Associação dos
Praças Policiais e Bombeiros Militares de MG, Marco Antonio Bahia.
“Nós sabemos que pessoas, tanto
homens quanto mulheres que estão na corporação da polícia tem um tom de
agressividade a mais do que a população geral”, diz a psiquiatra Alexandrina
Meleiro.
“A gente fica atormentada,
psicologicamente. Eu cheguei a um ponto que até eu tive vontade de matar”, afirma
a vítima que não quis se identificar.
Uma policial militar sofreu
durante dois anos calada. Ela é casada e tinha medo que o assédio prejudicasse
sua família e sua carreira.
“A pessoa começou a chantagear e
ameaçar. Caso eu contasse para alguém, que ele ia reverter a situação contra
mim. Ele falou assim: ‘você não tem prova. Você não tem prova nenhuma. Ninguém
nunca viu eu fazendo nada’”, conta a vítima.
Até o dia que ela não aguentou
tanta pressão.
“Eu estourei, comecei a gritar
com ele e falar que ele me assediava o tempo todo, que ele era tarado, que eu
estava com medo dele”, relembra a vítima.
Depois de uma investigação
interna, a punição aplicada, mais uma vez, foi a transferência para outro
quartel.
“E foi tudo muito bem apurado. E
foi comprovado o assédio”, conta a vítima.
As mulheres reclamam que não
existe um setor específico para receber relatos de abusos sexuais e morais. Ao
todo, 48% das policiais afirmam que não sabem exatamente como denunciar. E 68%
das que registraram queixa não ficaram satisfeitas com o desfecho do caso.
“Você não tem a quem recorrer. Se
todo mundo recorre a polícia, você está dentro da polícia sofrendo assédio,
você vai para onde?”, diz uma outra mulher que também não quis ser
identificada.
Uma PM do Piauí acusa a polícia
de abafar os casos de assédio. “Eles procuram colocar, por ser um meio
machista, a culpa na mulher. E não a culpa neles mesmos que são os causadores”,
diz.
Segundo a Polícia Militar do
estado, nos últimos três anos nenhuma denúncia formal de assédio foi
registrada.
“A gente tem que tomar cuidado
porque as próprias policiais têm sido vítimas de um crime, e que precisa ser
investigado, que precisa ser explicitado”, afirma o pesquisador do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública Renato Sergio de Lima.
Uma Policial Civil diz que foi assediada
durante meses. Ela é da Região Metropolitana de Belo Horizonte e foi trabalhar
no interior de Minas logo no começo da carreira. Era a única policial feminina
do lugar e passou a ser alvo do delegado da cidade.
“Perguntava se eu queria carona.
Se eu queria que ele me levasse pra casa. Eu dizia que não e ele vinha me
acompanhando o tempo todo. Até chegar perto de casa. Até no dia em que ele
tentou me agarrar”, conta.
A partir daí, o assediador mudou
de estratégia.
“Primeiro, eles tentam alguma coisa
com você. Quando você fala que não ai eles passam para o assédio moral. Ai você
não presta no serviço, você não serve para nada”, conta a vítima.
As marcas do assédio moral para
ela é mais grave; ai vem a depressão. Vem até um fenômeno maior que é o suicídio”,
conta o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil/MG, Denilson
Martins.
Você se sente um nada. Você se
sente menos que um grão. Você não se sente nada”, lamenta a mulher.
Em nota, a Polícia Civil de Minas
Gerais afirma que tem um conselho de ética ligado à Corregedoria-geral para
acolher qualquer tipo de denúncia, inclusive as de assédio.
“Eu recorri dentro da própria
instituição. Foi um erro porque a instituição não fez nada, só colocou panos
quentes”, diz a mulher.
“Esse é o grande problema: a quem
reclamar. Eu acho que nesta condição a mulher deveria buscar o controle externo
das policias que é o Ministério Público”, afirma a secretaria nacional de
Segurança Pública Regina Miki.
“Se a gente abaixar a cabeça,
coisas como essas podem acontecer com mais gente”, afirma Katya Flávia de
Queiros, soldado da Polícia Militar.
Fonte: Fantástico – Globo
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