A prostituição é cor-de-rosa no
Facebook. Com mais de 107 milhões de usuários brasileiros, a rede social criada
por Mark Zuckerberg tem um lado obscuro protegido pela expressão “ficha rosa”.
Uma espécie de 'abre-te-sésamo', que leva o internauta a navegar por timelines
destinadas à seleção de jovens modelos para atuarem como garotas de programa. A
Polícia Civil investiga os páginas, mas avista que enfrenta bastante
dificuldades.
Um universo paralelo,
aparentemente livre dos filtros que já levaram a rede social a bloquear imagens
de nudez, mesmo que o pelado em questão fosse um bebê, como aconteceu em julho
de 2011, quando a rede social censurou a capa do álbum Nevermind, do Nirvana,
há páginas voltadas à promoção de encontros com “clientes nível AAA”, conforme
ressalta a comunidade Ficha Rosa Rio de Janeiro. Criada em setembro passado, a
timeline traz na capa a imagem de uma jovem sob uma chuva de dólares, no
detalhe ao lado, cédulas aparecem em meio ao decote de uma mulher.
Logo abaixo, no espaço destinado
a explicar o objetivo da página, é possível ler: “selecionamos para eventos
ficha rosa. Envie sua foto e telefone para xxxxx@gmail.com. Somos 100%
discretos, clientes cadastrados nível AAA”. Nos bastidores do universo fashion,
a expressão ficha rosa é usada para definir modelos que aceitam fazer
programas. Já os homens são tratados por ficha azul.
Se comparada a outras timelines,
a página Ficha Rosa Rio de Janeiro parece purista. Na Acompanhantes RJ Club, as
imagens de nu são explícitas e trazem ainda detalhes, digamos, anatômicos das
moças, além de telefones de contato.
Bia, de 26 anos, é uma loura de
medidas generosas. A jovem moradora do Flamengo, na Zona Sul, não exibe o rosto
na timeline, mas não esconde o restante do corpo. Apesar da beleza, nunca
pensou em ser modelo. Aos 21 anos, poucos meses após a morte do pai, foi
convidada para trabalhar em um estande promocional numa feira de veículos em
São Paulo:
— Fui levada por uma amiga que já
tinha modelado, mas aderiu aos eventos ficha rosa para conseguir se sustentar
no Rio. Ela, sim, veio de Goiânia acreditando que seria uma modelo famosa. Como
ela, eu não queria passar horas de pé, trabalhando como vendedora de lojas de grife
para ganhar uma merreca — dispara a loura.
Noiva há três anos, Bia leva uma
vida dupla. Em casa, ninguém imagina que a ex-aluna do religioso Colégio Santo
Agostinho ganhe dinheiro como garota de programa e não como representante
comercial. Durante a conversa ora ela se diz Bia, ora Renata, ora Letícia.
Difícil precisar o verdadeiro nome. Bia admite que paga uma espécie de taxa aos
responsáveis pela contração para eventos, feiras e até mesmo para o circuito da
fórmula 1, que tem uma timeline exclusiva no Facebook: “Ficha Rosa GP Brasil”,
ilustrada pela silhueta de uma modelo nua e com uma gravata rosa presa à
cintura.
— A participação em grandes
eventos é apenas a fachada. Assim posso viajar sem despertar a atenção — disse
Bia, que cobra até R$ 1 mil por programa de 2 horas.
A navegação por essas timelines
mostra que o esquema de recrutamento das jovens não se limita ao Rio. Há
páginas semelhantes em vários estados e até no exterior. Caso da
Lupitascortgirl, onde uma jovem brasileira oferece os serviços de escort girl
(acompanhante) para despedidas de solteiro em Paris. Na imagem usada para
ilustrar a página, a jovem aparece fazendo um striptease para um marmanjo de
queixo caído. Há ainda páginas de brasileiras que fazem programas em Portugal.
Confrontados com as imagens das
páginas no Facebook, os delegados Alessandro Thiers e Renata Araújo, da
Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), instauraram uma
investigação para tentar identificar os responsáveis pelas timelines voltadas à
prostituição. A policial ressalta ainda a dificuldade em iniciar esse tipo de
apuração:
— Demora. Pedir a autorização
judicial para descobrir o usuários e depois provar que ele oferece mulheres em
troca de dinheiro — explicam.
O crime nesses casos é de
exploração sexual, que tem pena prevista de um a quatro anos de reclusão, mais
multa. A punição pode aumentar caso fique comprovado que a mulher era obrigada
a se prostituir ou se for menor de 18 anos.
Os delegados acrescentam que os
representantes do Facebook no país não costumam colaborar com a investigações.
No caso da censura à capa do álbum da banda Nirvana, a rede social alegou à
época que proibiu a foto do bebê nu porque ela se enquadrava no aviso: “o
Facebook não permite fotos que ataquem um indivíduo ou grupo, ou que contenham
nudez, uso de drogas, violências ou outras violações dos Termos de Uso”. Em
nota, a agência que representa a rede social informou:
“Trabalhamos ara garantir que
nossa comunidade esteja apta para conectar e engajar mais de 1,3 bilhões de
pessoas com seus amigos e família de maneira respeitosa e segura. A qualquer
hora que as pessoas vejam conteúdos que violem nossas normas, pedimos que
reportem esse conteúdo, assim podemos tomar as medidas apropriadas. Quando o
conteúdo reportado viola nossas normas é removido do Facebook. Disponibilizamos
uma forma fácil de comunicar potenciais violências e temos um time dedicado a
analisar e responder todas as denúncias, diariamente, em mais de 20 línguas”.
CPI NO SENADO
O uso de sites na Internet para o
aliciamento e a exploração da prostituição foi investigado, em 2011, pela
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
no Senado federal. A investigação sobre atividades de recrutamento de modelos
que na verdade acabam atuando na prostituição.
À época, a CPI tinha como
relatora a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), que recebeu a sugestão para
investigar anunciantes e sites do presidente da SaferNet Brasil, Thiago
Tavares, um dos colaboradores da CPI. Na ocasião, ele citou uma lista de cerca
de 700 sites de recrutamento de modelos que, deforma anônima, foram denunciados
à SaferNet. Segundo ele, as falsas agências de modelo não possuem sede nem
endereço fixo e só operam pela internet.
Na ocasião, Thiago Tavares
informou ter uma relação de contas de e-mail suspeitas de serem usadas pelas
supostas agências para aliciar jovens tanto para o tráfico interno quanto
internacional associado à exploração sexual.
O presidente da SaferNet explicou
que os anúncios na internet costumam utilizar o código ficha rosa quando querem
indicar que estão recrutando modelos para participar de eventos (feiras,
congressos e festas fechadas, por exemplo) que, ao mesmo tempo, fiquem
disponíveis para programas sexuais. Parte dessas jovens, segundo ele, não
tinham conhecimento do sentido da expressão e se tornavam vítimas de situações
inesperadas e abusos. A CPI, contudo, foi encerrada sem avançar na apuração.
A SaferNet Brasil é uma
associação civil de direito privado, fundada em 2005 por um grupo de cientistas
da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito, a organização
surgiu para desenvolver pesquisas e projetos sociais voltados para o combate à
pornografia infantil na Internet brasileira.
Fonte: O Globo
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