quinta-feira, 12 de março de 2015

Mulher, objeto descartável

Em todo o país, o machismo com frequência arvora-se em carrasco, ceifando vidas de mulheres. A propagação do feminino como mero objeto de consumo não suscita no homem respeito e alteridade. Uma coisa é uma coisa. Manipula-se, usa-se, descarta-se.

Por Frei Betto

A propaganda vende quimeras. Não se compra apenas xampu ou roupa. Compra-se, sobretudo, o sonho de ser uma entre dez atrizes que lavam os cabelos com aquele produto ou a fantasia de tornar-se tão sedutora quanto a jovem que entra fácil no jeans.

Destituída de mente e espírito, a mulher é reduzida a formas e trejeitos. Não apenas os homens fazem da mulher objeto do desejo. Basta observar capas de revistas femininas. Mulher se compara à mulher na busca de melhor performance social, sexual e estética.

Se além da roupa, a moda dita um corpo esquálido, a anorexia impõe-se como salário da vaidade. A medicina cria um novo ramo para atender ao luxo da ditadura estética, como se o corpo que foge ao modelo imperante portasse doenças e anomalias.

Essa cultura da glamourização move a lucrativa indústria de cosméticos, publicações, esportes e academias de ginástica. Sua isca é a mulher confinada à aparência e destituída de direitos, subjetividade, ideias e valores. Dócil aos caprichos do mercado, o corpo vai à leilão na feira de amostras das revistas maculinas.

Como estranhar que, na esfera da realidade, as relações sejam conflitivas? Em todo o país, o machismo com frequência arvora-se em carrasco, ceifando vidas de mulheres. A propagação do feminino como mero objeto de consumo não suscita no homem respeito e alteridade. Uma coisa é uma coisa. Manipula-se, usa-se, descarta-se.

Enquanto a mulher aceitar esse jogo de marketing, movida pela quimera de ser tão bela quanto a fera, será difícil cegar os olhos do machismo – tanto o masculino, que a submete; quanto o feminino, de quem aceita ser submetida.

A exposição erótica da mulher é uma humilhação do feminino, pois torna a beleza resultado da soma de meros atributos físicos.

Marcello Mastroianni, que entendia de mulheres, e quem encontrei em Moscou em 1986, considerava o mais fascinante numa mulher a coerência de sua história de vida.

Mas isto não está à venda. É uma conquista.

Fonte: Adital

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