O Dia Internacional da mulher é
tempo adequado para se voltar a pensar, refletir e – por que não? –escrever
sobre esta metade da humanidade da qual faço parte e que parece ter-se decidido
a “sair do armário” e mostrar a que veio em nossos conturbados tempos
cambiantes, líquidos e movediços.
Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Na verdade, devo confessar que
nos tempos em que vivemos, enquanto todo mundo olha para a mulher com esperança
ou com desprezo, com curiosidade ou com temor, eu olho para mim mesma, para a
mulher que sou, com sentimento de tremenda responsabilidade. E com o mesmo sentimento olho nos olhos de
minhas irmãs de gênero e fardo. Companheiras que somos de destino e vocação, no
mínimo temos que ser verdadeiras entre nós, não acham?
Nasce esse sentimento que ora me
habita de algo que me diz que se o mundo tal como está não parece satisfazer
nem o desejo original e amante do Criador nem as expectativas nossas, pobres
criaturas golpeadas de todo lado, acossadas por uma mortalidade inevitável e um
desejo de perenidade alucinantemente verdadeiro, há que fazer dele algo um
pouco melhor.
Mais: se afirmamos e proclamamos
em alto e bom som, sobre os telhados, em prosa e verso, que os homens fizeram
esse mundo de guerra e violência, agrediram essa pobre terra que agora se volta
contra eles feita terremoto e tsunami enraivecidos, construíram esse sistema
econômico iníquo e excludente; nós, mulheres, saindo do armário, somos
instadas, senão obrigadas a tentar humildemente fazer algo um pouquinho melhor.
Por isso escolho hoje estas duas
palavras: mistério e cuidado para refletir sobre esse ser que somos, que Deus
teve a graciosa inventividade de fazer capaz de gerar outro ser em suas
entranhas e que desde aí povoa o mundo brincando de ser frágil mas na verdade
sendo a única força verdadeira de toda a vida humana. Somos aquelas sem as quais, aí sim,
certamente, mais que qualquer bomba nuclear, mais que qualquer desastre
ecológico, a humanidade acaba e o mundo se extingue e o planeta passa a ser
mais uma claridade morta nos céus de outros universos que desconhecemos.
O que aconteceria se a mulher
fechasse seu ventre com o cadeado da esterilidade? Trememos com o simples fato de pensar nessa
hipótese. E no entanto, não sei se ela
está tão distante assim dessa terrível decisão , com perdão de minhas irmãs e
companheiras. Tanto quisemos sacudir dos
ombros a opressão milenar que sobre nós pesava como chumbo que corremos o risco
de sacudir juntamente com ela o mistério que somos e que carregamos em nossos
corpos: um ventre que carrega a matriz do sonho divino da criação. E, mais
ainda, o infinito potencial de cuidado com o qual Deus sustenta em suas mãos
paterno-maternais a vida que vivemos, sobre a qual o salmista diz com razão que
se trata de um sopro frágil.
Temo um pouco que nosso afã de
libertar-nos muito legitimamente da canga patriarcal nos leve a uma mimetização
da mesma opressão que condenamos . E que
ergamos, ao lado dos escombros do machismo que rejeitamos e que tanto mal fez a
nós e a toda a humanidade, um feminismo que já não será tal pois mulheres já
não seremos e sim híbridos de macho e fêmea terceirizadas em “outra” síntese já
desprovida de nosso mistério feito de cuidado e carinho e vida que gera vida
que nutre vida que pare vida que cuida de vida e ama vida fiel até o fim à vida
que a criou e que por ela foi criada e gerada, vida que foi e vida que é e vida
que será Amém!
Que ninguém pense que depus o
desejo de que a mulher se liberte e ocupe plenamente seu lugar de igual
dignidade com o homem em uma sociedade justa e amorosa. Para isso muito lutei e
seguirei lutando. Sofri e estou disposta
a mais. Disputei, ganhei, perdi, ri e chorei. Como todo ser humano, minha
história foi traçada com risos e lágrimas, com positividades e negatividades,
vitórias e derrotas.
Mas para ser fiel à paternidade
maternal do Deus que me criou, ao desvelo libertador do Filho que instituiu as
mulheres como discípulas queridas de sua Palavra e apóstolas amadas de seu
Reino e do Espírito Santo que sopra onde quer e não faz acepção de pessoas,
desempenhando funções mais que femininas, tais como enxugar lágrimas, assoar
narizes órfãos, alimentar bocas famintas de pão e de transcendência, tenho que
confessar no Dia Internacional da Mulher: amo ser mulher, quero se-lo mais e
mais a cada dia. Isso ensinei a minhas
filhas e pretende transmiti-lo a minhas netas.
Neste Dia Internacional da
Mulher, agradeço a graça de se-lo, proclamo a beleza de vivê-lo e desejo que
juntas entre nós e com os homens que desejamos irmãos e companheiros, não
rivais nem inimigos, possamos construir uma terra mais habitável com uma ética
de cuidado e uma espiritualidade de beleza, ternura e compaixão.
Feliz Dia Internacional da
Mulher!
Fonte: http://amaivos.uol.com.br/
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