segunda-feira, 9 de março de 2015

Mulheres de diferentes gerações mostram determinação de batalhar por direitos iguais

Carolina Nunes, Clarisse Goulart, Dehonara de Almeida Silveira e Maria Isabel de Siqueira: Dos 18 aos 70 anos, diferentes faces de uma causa que se renova.
Muitas mulheres preferem ser chamadas de femininas em vez de feministas. No entanto, depois de um período em que se pensou que elas já haviam conquistado todos os direitos, o movimento que reivindica a igualdade entre homens e mulheres toma força novamente e ganha adeptas, principalmente mais jovens.

Termos como empoderamento, emancipação, patriarcado (leia ao lado) passaram a ser discutidos por muitas delas, que fazem um combate diário ao machismo e se orgulham de serem chamadas de feministas. Esses conceitos passam a ser mais bem compreendidos à medida em que elas, e também eles, percebem a importância da igualdade entre os gêneros. Neste domingo em que o mundo celebra o universo feminino, o Estado de Minas conversou com quatro gerações de mulheres para descobrir o que cada uma entende por feminismo e quais as causas defendidas em diferentes momentos históricos.

Carolina Nunes, de 18 anos, acaba de ingressar no curso de ciências sociais da UFMG. Clarisse Goulart, de 27, é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da mesma universidade e pesquisa como o movimento se articula no Brasil e na América Latina. A assistente social Dehonara de Almeida Silveira, de 49, é chefe de família e cria sozinha os três filhos. Maria Isabel Ramos de Siqueira vai completar 70 anos e pelo menos 40 deles dedicou às causas feministas. Quatro gerações, quatro trajetórias diferentes, mas um só desejo: plenos direitos civis e políticos para todas elas, o fim de qualquer tipo de violência e liberdade para que possam viver plenamente sua sexualidade.

Em comum, elas têm também a percepção de que o despertar para a igualdade ocorre quando percebem que o gênero as impede de fazer algo. Foi o que ocorreu com Maria Isabel, Bebela, como é conhecida uma das militantes mais antigas de Minas, quando tinha 17 anos e foi impedida de fazer concurso para o Banco do Brasil. “Morava em Diamantina. Tentei fazer o concurso, mas o gerente disse que eu não podia. Que era apenas para homens”, lembra. Naquele momento, o sinal de alerta se acendeu. Tempos depois, ela ingressou no Movimento Popular da Mulher, no qual atua já há 30 anos.
Foi uma das ativistas que iniciaram o programa SOS Corpo, em Belo Horizonte, desdobrado na campanha Quem ama não mata. Também integrou o Movimento Feminista pela Anistia. Comunista, sempre esteve à frente de mobilizações que clamavam por maior participação feminina na política. Entre as ações do Dia Internacional da Mulher deste ano, ela acompanhará o debate sobre a reforma política, discussão que terá a participação das deputadas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Prestes a completar sete décadas de vida, Bebela continua não abrindo mão de ir para a rua e denunciar que, ainda hoje, muitas são assassinadas pelos companheiros e que outras tantas não recebem o mesmo salário que os homens, mesmo exercendo função igual. “Não dou conta de ficar em casa no dia 8 de março. Vamos para a Praça Sete todos os anos.”

Dehonara despertou para o feminismo quando entrou para o curso de serviço social na PUC Minas, em 1982. Ao se engajar no movimento estudantil, percebeu a diferença de oportunidades entre homens e mulheres. Desde então, passou a participar de ações para a igualdade de poder político e econômico entre os gêneros. Dedica atenção especial à necessidade de divisão dos cuidados com a família e com a casa. “A tarefa de cuidar de crianças e idosos recai sobre as mulheres”, diz ela, que cria sozinha os filhos de 16, 14 e 11 anos.

Carolina gosta de lembrar que vem de uma família tradicional. “Minha mãe é dona de casa e por muito tempo não trabalhou fora. Meu pai estudou e trabalhava.” O primeiro contato com o feminismo foi aos 15 anos, quando acompanhou a irmã mais velha em mobilizações que tratavam dos direitos femininos. O debutar ocorreu na Marcha Mundial das Mulheres, em 2012, quando ela conheceu ativistas de todo o mundo. “É difícil definir o feminismo. Para mim, é uma ideologia que é capaz de mudar a vida das mulheres”, resume. E, apesar da pouca idade, a jovem garante que o movimento foi um divisor de águas em sua vida. “Meus horizontes se ampliaram. Percebi que ser mulher não é uma restrição ou algo negativo. Sei que posso fazer o que eu quiser, seguir a profissão que desejar e fazer tudo sem que ninguém me desrespeite”, diz.

O feminismo também possibilitou que ela cultivasse a autoestima. Desde que se entende como ativista, Carolina assumiu a textura natural do cabelo e não usa mais tratamentos químicos. Para ela, é uma maneira de valorização de sua etnia e de combater a imposição de padrões estéticos. “A mulher negra é vítima de dupla opressão: o machismo e o racismo”, diz.

Conquistas

A pílula anticoncepcional é apontada como uma das grandes conquistas das mulheres, na opinião de Bebela e Dehonara. “Tirou a mulher da obrigação do sexo apenas para reprodução. Deu liberdade para que pudesse vivenciar a sexualidade”, avalia Dehonara. Mas, apesar dos avanços, o 8 de março não é considerado por ativistas como elas um dia para ser comemorado. É momento de mobilização, para alcançar outros direitos. Por muitos anos, a data foi associada a um incêndio que matou tecelãs em uma fábrica em Nova York. Essas mulheres estariam tingindo tecidos de lilás, que virou a cor símbolo do feminismo.

Mas Clarisse Goulart lembra: historiadoras descobriram que, embora o evento tenha de fato ocorrido, não foi em 8 de março. Segundo ela,  pesquisadoras acreditam que a data faz referência a uma conferência de mulheres socialistas realizada na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1910. No entanto, ela pontua que há registros da organização de mulheres para reivindicar maior participação na sociedade desde o século 19. “Elas não tinham direito ao voto, à herança e não podiam estudar”, lembra.

A mobilização para conquistar direitos civis e políticos parte de mulheres operárias. Muitas delas sofriam violência e assédio nas fábricas, além de terem extenuantes jornadas de trabalho. “Naquela época, os sindicatos eram contra o trabalho de mulheres. Achavam que elas roubavam os empregos dos homens”, diz Clarisse.
No Brasil, a primeira onda de reivindicações ocorreu no início do século 20. As mulheres queriam votar e participar da decisão dos rumos políticos do país, direito conquistado em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas. “As sufragistas seriam mulheres letradas, de classe média. Mas é importante ressaltar que também houve a participação de mulheres trabalhadoras”, pontua Clarisse.


A segunda onda ocorreu entre os anos 1960 e 1970. Foi um período de muita efervescência, quando elas lutavam por democracia na política e nas relações entre homens e mulheres. “Momento de politização do mundo privado, da tematização da violência sofrida por elas”, pontua a estudiosa. Não há muito consenso entre as feministas, mas estaríamos na terceira onda de reivindicações. No Brasil, uma das lutas desta fase foi pelo direito às creches. Também se caracteriza pela formação de diversos grupos feministas, que defendem as especificidades das mulheres negras, das transgêneros e das indígenas.

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