Cerca de 95% dos bolivianos entram em Corumbá alegando que
vão fazer turismo. Porém, 90% desse total vão, na verdade, em busca de trabalho.
As mulheres já começam a ser enganadas assim que chegam às casas noturnas. Elas
recebem uma comissão para vender a maior quantidade de bebida possível para o
cliente.
Pesca, carnaval, turismo e festas típicas. Peculiaridades
que atraem milhares de visitantes a Corumbá, a 419 quilômetros de Campo Grande.
Mas, conhecida também por ser uma das 'rotas' para a passagem de drogas, armas
e outros ilícitos, o município é 'porta de entrada' para o tráfico
internacional de pessoas.
Estatísticas da Polícia Federal (PF) obtidas pelo G1 mostram
que 24.795 ocorrências da entrada de bolivianos pela fronteira foram
registradas de 1° de janeiro até 11 de julho de 2014. Em 2013, conforme os
dados, 38.089 bolivianos também chegaram à cidade com a mesma finalidade. O
trabalho realizado por eles, no entanto, é análogo à condição de escravo,
segundo a PF.
“Cerca de 95% dos bolivianos entram em Corumbá alegando que
vão fazer turismo. Porém, 90% desse total vão, na verdade, em busca de trabalho
nos ateliês de costura em São Paulo. Outra parte também atua neste ramo, mas
tem visto temporário ou permanência no Brasil como estrangeiro residente. Nós
realizamos mais de 50 flagrantes desde 2013 até o início deste mês, apreendendo
também o documento falso dos bolivianos”, afirmou o delegado Alexandre do
Nascimento, titular da delegacia de PF do município.
Serviço clandestino
Sem a documentação correta, os estrangeiros não têm os
direitos garantidos. “A maioria dos bolivianos extrapola o visto de turista,
que é no máximo de 90 dias, então eles realizam o trabalho de maneira
clandestina e análogo à condição de escravo. Quando retornam, recebem uma
multa, porém muitas vezes para eles ainda é melhor do que a situação em que
eles estavam no seu país de origem”, explicou o delegado.
Por conta disso, as forças policiais da cidade realizam
investigações contínuas. A Polícia Civil, por exemplo, busca acabar com o
comércio do sexo fácil, onde mulheres são aliciadas e trazidas de outras
cidades e países para se tornarem 'acompanhantes'. Há décadas, conforme
investigadores de Corumbá, elas atuam em boates e para pessoas que tiram
proveito de tal exploração.
Em abril de 2014, uma vistoria culminou em uma grande
operação em Corumbá, com a participação da Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher (DAM), Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e
Juventude (DAIJ), além do reforço de policiais de outras cidades que se
passaram por clientes, na intenção de colher provas testemunhais. Ao final,
oito mulheres confirmaram ser garotas de programa, entre elas uma boliviana, e
a dona do local foi presa por rufianismo (tirar proveito da prostituição
alheia).
O G1 entrevistou uma jovem de 28 anos, que trabalhou por
seis meses no local. “Fiz programa por seis meses na boate em Corumbá e conheci
muitas meninas, não só da cidade como de outros locais. A movimentação era
muito grande e com isso ganhávamos muito bem, até R$ 250 por pessoa”, disse a
garota.
A princípio, a polícia investigava apenas o contrabando de
bebidas oriundas da fronteira, mas o testemunho das jovens revelou o esquema
que inclui até um dono de hotel. Este, segundo um dos investigadores do caso,
cobra R$ 100 por cliente que sobe em seu quarto com uma prostituta. Inclusive,
o valor é incluso na comanda. A mulher que comandava uma das boates chegou a
ser presa, mas não passou nem 24 horas na cadeia e responde o processo em
liberdade.
Falsas promessas
Porém, esta é a 'fase final' da quadrilha. O policial diz
que as mulheres já começam a ser enganadas assim que chegam às casas noturnas.
Elas recebem uma comissão para vender a maior quantidade de bebida possível
para o cliente. Ele ingere de cerveja a uísque falsificado. Já embriagado, o
homem é atraído para ir ao motel ou outro local pertencente à quadrilha.
Em pouco mais de uma hora, a mulher precisa estar pronta
para atender um novo cliente. Não é isso que é prometido a ela quando recebe a
proposta de trabalhar na boate, mas quando chega em suas novas instalações é
que descobre a sua nova realidade. Ela precisa, conforme policiais que atuam
nas investigações, pagar a sua estadia, alimentações e outros gastos, portanto
já chega cheia de dívidas e grande parte do lucro é entregue aos donos.
“Ainda estamos com o inquérito em andamento, mas temos
inúmeras testemunhas e estamos trabalhando na coleta de outras provas. E desde
outubro de 2013, estamos com a suspeita dos crimes em novos locais. Soubemos
até que uma das jovens foi obrigada a fazer programa com a perna quebrada e se
aproveitou de uma saída para comunicar a polícia”, afirmou a delegada Ana Paula
dos Santos Oruê, responsável pelas investigações.
Pouco efetivo
O combate de tais problemas, de acordo com o superintendente
regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso do Sul (SRTE-MS), Anízio Pereira
Thiago, seria mais efetivo caso não houvesse uma defasagem tão grande no número
de auditores no estado.
“Nós temos apenas 38 auditores atuando, enquanto que o ideal
seriam 260, segundo as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Esse número provavelmente resolveria todas as adequações de registros na área
urbana, principalmente com uma fiscalização direta e rigorosa”, avaliou o
superintendente.
Na área rural, ao contrário, o Ministério Público do
Trabalho (MPT) atua com parcerias. “Nós somos muitas vezes alertados por
policiais civis e agentes comunitários de saúde, entre outras pessoas. Nós
ainda contamos com dados de satélite, onde o georreferenciamento nos ajuda a
constatar anormalidades. É o caso das carvoarias, por exemplo, que embora não
sejam os mesmos escândalos do passado, há casos de migração do Paraguai,
Bolívia e ainda pessoas que vêm do Haiti para trabalhar em projetos de
reflorestamento, portanto a denúncia é fundamental para acelerar o processo de
regularização dessas pessoas”, explicou Thiago.
Fonte G1 Globo
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