No primeiro semestre, as delegacias do DF receberam quase 7
mil ocorrências de violência doméstica, o equivalente a 38 casos por dia. Tal
realidade se distancia cada vez mais de 2006, quando entrava em vigor a Lei
Maria da Penha e apenas uma ocorrência do gênero havia sido registrada no
período. Em oito anos de implementação da legislação que protege mulheres desse
tipo de crime, muita coisa mudou no cenário local, principalmente a partir de
tratativas mais sérias sobre a questão e do maior encorajamento delas no
sentido de denunciar os algozes.
Desde então, foram registradas mais de 75 mil queixas na
polícia relacionadas a agressões contra elas. Ameaça, injúria e lesão corporal
estão entre os delitos mais comuns relacionados à violência doméstica em
Brasília e nas demais regiões administrativas. Em 2013, a primeira modalidade
criminosa registrou 62,9% do total de casos. Naquele mesmo ano, Ceilândia
apareceu como a cidade com o maior número de episódios de agressões, com 2.315.
“As pessoas imaginam que a violência física seja a mais recorrente, mas as mulheres
do DF têm tanta segurança com relação aos equipamentos oferecidos pelo Estado
que denunciam também os crimes de injúria”, informou a secretária da mulher do
DF, Valesca Leão.
A chefe da pasta ressalta ser favorável a ações que visem
dar celeridade à proteção da mulher e à criação de unidades especializadas.
“Temos um espaço separado para o atendimento das mulheres nas delegacias, além
de pessoas capacitadas para recebê-las. Além disso, há centros e núcleos de
atendimento à mulher. Esses últimos, frutos de um convênio com o Ministério
Público”, detalhou.
Entre as 13 internas que vivem atualmente na Casa Abrigo
(instituição mantida pelo GDF), a história de Marlene (nome fictício), 32 anos,
revela traços dos tipos mais recorrentes de violência doméstica. Além de
ameaçada, ela sofreu agressão psicológica por parte do marido, com quem foi
casada durante 13 anos e teve uma filha. “Desde o início do casamento, ele se
mostrou agressivo e ignorante. Nunca me deixou trabalhar porque dizia que o
trairia. Ele me xingava e, muita vezes, não me deixava falar. Na última
discussão que tivemos, em março, passamos a madrugada brigando. Até que, em um
momento de fúria, ele ameaçou me chutar e, por um momento, pensei que ele se
vingaria de mim machucando a minha filha. Pedi o divórcio, e ele quebrou toda a
casa”, contou.
Embora o número de registros de violência doméstica tenha
aumentado com o passar dos anos (veja Série histórica), uma pesquisa do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em 2013, sugeriu que
a vigência da Lei Maria da Penha deixou estável o total de mortes de mulheres
no país. De 2001 a 2006, a taxa de mortalidade foi de 5,28 por 100 mil. Após a
norma, entre 2007 e 2011, o índice foi de 5,22 por 100 mil. Os dados do
Distrito Federal ainda não são claros com relação ao homicídio de pessoas do
sexo feminino, mas representantes da Secretaria da mulher informaram ao Correio
haver negociações com a Polícia Civil para que esses números sejam
discriminados.
A professora e pesquisadora de violência de gênero do
Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Brasília Gláucia Diniz
explica que a lei é um avanço e um instrumento importante na luta contra a
violência familiar. Mas, segundo ela, são necessárias melhorias no processo,
para que asmulheres que registram ocorrências tenham apoio psicológico e
proteção. “Se por um lado a lei ajuda, do outro, ela fragiliza, no sentido de
que, ao denunciar, a mulher passa a ser mais coagida e ameaçada”, afirmou.
A mestre em psicologia na área de violência de gênero e
advogada Nayara Teixeira Magalhães elogia a estrutura oferecida na capital
federal, mas alerta para a pequena quantidade de servidores nas defensorias. “É
comum as mulheres ficarem desassistidas em audiências, por exemplo, mesmo a lei
falando que devem estar acompanhadas de um advogado. Não adianta ter uma
instituição com o nome de especializada, se os profissionais não forem
capacitados, se eles não souberem atender. Quanto às mortes, acredito que a
questão é que, após a lei, evidenciou-se mais esses episódios.”
Medo
Foram 11 dias em coma e algumas semanas deitada numa cama de
hospital. Quando acordou, Bianca (nome fictício), 26 anos, pouco se lembrava da
surra que havia levado da pessoa com que conviveu durante 1 ano e meio. O rosto
estava cortado, a cabeça doía e os olhos estavam roxos. Ao relembrar o
episódio, ela chora e faz um apelo para que as vítimas não esperem uma segunda
vez para denunciar o agressor.
Bianca também é uma das abrigadas na instituição do governo.
“Ele já tinha me dado um murro no rosto uma vez. Sangrou bastante, e eu o
denunciei. Depois de um tempo, fomos morar em casas separadas, e ele apareceu.
Perguntou se eu tinha certeza da separação, e eu disse que sim. Foi quando ele
me deu um golpe na cabeça. Fiquei desacordada”, detalhou. “O medo fica, mas vou
tentar tocar a minha vida sem olhar para trás.”
Programe-se
Comemoração de oito anos da Lei Maria da Penha:
» 7 de agosto (hoje), no Centro Especializado de Atendimento
à mulher (Ceam), na galeria da Estação 102 Sul do metrô
» 10h – Abertura solene com a presença da secretária da
mulher do DF, Valesca Leão, além de representantes da Promotoria de Gênero do
Ministério Púbico do DF e Territórios, da Delegacia da mulher e das Varas de
Gênero do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios, entre outras
autoridades.
» 10h30 – Oficina Ceam: desafios atuais do enfrentamento à
violência contra as mulheres, com a participação de profissionais da rede de
atendimento às mulheres em situação de violência do DF.
» 13h – Apresentação da banda Maria Vai Casoutras
» 14h – Oficinas de encorajamento e autoproteção (defesa
pessoal com base na técnica krav-magá); de turbante; e de penteado afro e
artesanato
Série histórica
Confira a quantidade de ocorrências da Lei Maria da Penha
nas delegacias do DF
Ano Registros
2006 1
2007 881
2008 7.228
2009 9.736
2010 10.870
2011 11.721
2012 13.211
2013 14.654
2014* 6.938
Total 75.240
* Primeiros seis meses
Fonte: (Mariana Laboissière0 Correio Braziliense
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