Luísa*, de 27 anos, nunca imaginou ter de passar por esta
situação. Ela precisou comprovar, por meio de um atestado médico, que “não
houve ruptura himenal” [ou seja, que não teve seu hímen rompido] para preencher
um dos requisitos do concurso público da Secretaria de Estado da Educação de
São Paulo (SEE-SP). Ela é candidata a uma das quase 10 mil vagas para o cargo
de Agente de Organização Escolar da seleção pública da SEE-SP.
“Achei um absurdo. Fiquei mais de uma semana decidindo se
deveria fazer isso ou não. Na hora em que fui a um consultório para me submeter
à análise ginecológica, entrei em pânico. Foi constrangedor explicar para a
médica que precisava de um atestado de virgindade para poder assumir uma vaga
em um concurso”, diz.
A seleção pública à qual Luísa se refere foi aberta em 2012.
Depois de passar pelas provas regulares, ela ficou aguardando sua convocação, o
que se deu apenas neste ano. Chamada para a realização dos exames médicos de
admissão, Luísa foi surpreendida com um comunicado recente da organização do
concurso, onde constavam mais detalhes sobre os exames médicos de admissão
solicitados pelo certame.
Publicado em junho, o comunicado, emitido pela Coordenadoria
de Gestão de Recursos Humanos da SEE e pelo Departamento de Perícias Médicas do
Estado (DPME), traz detalhes sobre testes ginecológicos requeridos às
candidatas mulheres.
No documento, há mais informações sobre os exames de
colposcopia e o de colpocitologia oncótica, o Papanicolau, exigidos às
candidatas. O comunicado informa que mulheres que “não possuem vida sexual
ativa, deverão apresentar declaração de seu médico ginecologista assistente”.
Dessa forma, com a comprovação de virgindade, estariam isentas da realização
dos exames ginecológicos intrusivos, de acordo com confirmação do próprio DPME.
“Só fiquei sabendo disso quando fui convocada para realizar
os exames médicos. Antes, não era pedido esse atestado [de virgindade]. O pior
de tudo é que todos esses exames são caros e são bancados pelo próprio
candidato. Teve gente que pagou mais de R$ 500 pelos exames”, fala Luísa.
Segundo a ginecologista Marcia Terra Cardial, da Associação
de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, os exames ginecológicos
solicitados pela SEE servem, por exemplo, para “rastrear mulheres com lesões
precursoras do câncer de colo de útero, separando as mulheres normais, daquelas
com necessidade de prosseguir a investigação”. No entanto, segundo ela,
“dependendo do tratamento, os casos de lesão precursoras de câncer não
inviabilizam o trabalho”.
Solicitados para atestar a saúde dos futuros funcionários
públicos, tanto o atestado de virgindade quanto os exames ginecológicos para
candidatas com mais de 25 anos ou vida sexual ativa são vistos como uma
“violação” da dignidade da mulher, segundo Maria Izabel Noronha, presidente do
Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).
“Atestado de virgindade? Por favor! Estamos em pleno século
XXI. Querem evitar candidatas doentes? A verdade é que elas entram com saúde e
é a falta de condições da rede que as deixam doentes”, diz Maria Izabel, que
também é vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CNE), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC).
A crítica de Maria Izabel se refere a uma das razões
defendidas pelo DPME, quando da exigência de tais exames. Segundo o comunicado,
a avaliação médica oficial tem por objetivo identificar patologias que possam
vir a provocar “permanência precária no trabalho, com licenciamentos frequentes
e aposentadorias precoces”.
Atualmente, a SEE enfrenta o desafio de atenuar as faltas
com afastamentos e licenças, por motivos de saúde de professores e técnicos da
educação. Só os professores, chegam a faltar, em média, 27 dias por ano.
“Esses exames que pedem não têm nada a ver com a função.
Aferir a pressão, apresentar um exame cardiológico pode até ter a ver, mas
exames ginecológicos ou atestado de virgindade?”, questiona Luísa.
Como Agente de Organização Escolar, o trabalho de Luísa será
dar suporte às atividades pedagógicas e ajudar na supervisão de estudantes na
entrada, saída e durante o intervalo escolar. O salário é de cerca de R$ 900
para uma jornada de oito horas diárias.
Se já foi complicado para Luísa tomar a decisão de ir
adiante com o atestado de virgindade, a apresentação do documento para a
perícia foi ainda mais constrangedor.
“Quando apresentei ao médico perito do Estado, acho que ele
pensou que fosse mentira. A sua assistente olhava de lado como um ar de deboche
quando eu disse que ainda era virgem. Não conseguiria passar por isso mais uma
vez”, fala Luísa.
Mesmo tendo apresentado o atestado de virgindade, a
candidata ainda aguarda resposta definitiva do DPME sobre sua aprovação. A
expectativa e que até o dia 14 deste mês o órgão se posicione sobre o seu caso.
“Eu apresentei tudo que deveria apresentar, mas me
consideraram inapta. Disseram que não havia apresentado o atestado de
virgindade. Entrei com um pedido de reconsideração para que eles analisem a
minha situação”, diz.
Em nota, o movimento Católicas pelo Direito de Decidir
considerou a medida aviltante e que no Estado mais rico e desenvolvido da
Federação “vivemos em plena Idade Média”
Governo de São Paulo
Questionada sobre a exigência de tais exames para o cargo em
questão e se eventuais candidatas com problemas ginecológicos estariam inaptas
ao cargo, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) informou que
as determinações atinentes aos exames médicos são de responsabilidade do
Departamento de Perícia Médica do Estado (DPME).
O DPME, ligado à Secretaria de Gestão Pública, disse que é
“absolutamente errado afirmar que é exigido à candidata a cargo público
qualquer laudo, ou suposto ´comprovante de virgindade´ – termo sequer
considerado na literatura médica”.
Em nota, o órgão afirmou que “àquelas que ainda não tenham
iniciado atividade sexual, é oferecida como alternativa a apresentação de um
relatório de seu médico pessoal; e com isso não há a necessidade da realização
dos exames”.
O órgão também afirma que os testes solicitados aos
candidatos funcionam como medida preventiva. Por fim, segundo o DPME, “todos os
candidatos aprovados em concurso, sejam homens ou mulheres, devem passar por
uma série de exames, todos previstos em edital, para que comprovem, além de sua
capacidade técnica, a capacidade física e mental para exercer o cargo por
aproximadamente 25 anos – tempo médio de permanência no Estado”.
No entanto, segundo o próprio comunicado emitido pelo órgão,
o teste para detecção de câncer de próstata é exigido apenas para homens com
mais de 40 anos. Para as mulheres mais velhas, a partir de 40 anos, também é
solicitado um exame específico: a mamografia, para identificação de câncer de
mama. Para os homens jovens, na mesma faixa etária de Luísa, por exemplo, não
são solicitados exames específicos extras.
Secretaria das
Mulheres
Consultada, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM)
da Presidência da República afirma que é “contra qualquer exigência que envolva
a privacidade da mulher e reverta em preconceito e discriminação. A mulher tem
o direito de escolher se quer fazer um exame que em nada interferirá em sua
vida profissional”.
A SPM ainda considera que “a exigência de exames
ginecológicos em seleções e concursos é abusiva, pois viola o princípio da
dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição Federal de 1988, bem
como o artigo que dispõe sobre o Princípio da Igualdade e o Direito a
Intimidade, Vida Privada, Honra e Imagem, que proíbe a exigência de atestados
de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho”.
No ano passado, caso parecido ocorreu na Bahia. No concurso
para Polícia Civil, também era exigido às candidatas mulheres comprovação de “hímen
íntegro”. Contudo, depois da repercussão do caso em todo o País, o governador
Jaques Wagner suspendeu tal exigência presente de forma explícita no edital. Há
concursos públicos, no entanto, que seguem com tais requisitos de seleção,
tidos como padronizados pelas empresas que realizam as seleções públicas.
Fonte: Agência Patrícia Galvão
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