“Tem muito mais do que os 12 casos. Há muitas meninas amedrontadas por essas pessoas, meninas que se calam diante de ameaças”, diz o bispo Edson Taschetto Damian, que afirma que freiras da congregação que recebeu as vítimas vêm sofrendo ameaças e perseguição.
O caso de exploração de crianças e adolescentes indígenas em
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, passou à esfera federal. Além da
investigação aberta há cerca de um mês a pedido do Ministério Público Federal,
agora a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República e os
deputados federais da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico de
Pessoas passaram a acompanhar o caso. Na semana passada, a ministra Maria do
Rosário visitou o centro de acolhida Kunhantãi Uka suri (Casa da Menina Feliz),
onde vítimas de abusos receberam apoio de freiras salesianas. Os deputados, por
sua vez, não só aprovaram requerimento para uma diligência na cidade, como
também a realização de uma audiência pública para debater o problema.
As primeiras denúncias da exploração foram feitas em 2008,
mas nem o Ministério Público Estadual, nem Polícia Civil, conseguiram
desmantelar a rede de pedofilia local. As violências cometidas ganharam
repercussão nacional neste mês, após notícias de que a virgindade de uma menina
havia sido vendida por R$ 20.
As autoridades ouviram depoimentos de 12 garotas e listaram
nove suspeitos. Quem acompanha a questão na região alerta, no entanto, que a
rede é bem maior. “Tem muito mais do que os 12 casos. Há muitas meninas
amedrontadas por essas pessoas, meninas que se calam diante de ameaças”, diz o
bispo Edson Taschetto Damian, que afirma que freiras da congregação que recebeu
as vítimas vêm sofrendo ameaças e perseguição.
“Elas estão em contato com essas meninas mais pobres e
exploradas. Acabam ouvindo e descobrindo os casos, que não são poucos. Os
órgãos judiciários locais estão pouco presentes. Embora tenha Tribunal de
Justiça e Procuradoria do Estado [em São Gabriel da Cachoeira], os responsáveis
vivem em Manaus e permanecem poucos dias na cidade”, completa. De acordo com o
religioso, a participação do procurador Júlio José Araújo Junior, do Ministério
Público Federal, foi fundamental para que a investigação passasse ao âmbito
federal.
Objeto sexual
“Por que existe essa exploração? Porque para alguns brancos
o índio é objeto, não conta, não tem dignidade ou valor. Eles fazem o que bem
entendem”, diz o bispo Edson. O crescimento populacional acelerado no município
é apontado como um dos fatores que agravaram a vulnerabilidade das meninas
indígenas. O número de moradores do município encravado na floresta, na
fronteira do Brasil com Venezuela e Colômbia, quase dobrou em duas décadas. De
23.140 pessoas em 1991, passou para 37.896 em 2010, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais de 90% dos moradores são
indígenas.
Em 2008, a eleição do prefeito Pedro Garcia (PT) e seu vice
André Baniwa (PV), primeiros índios a assumirem o poder municipal, acelerou a
urbanização. Muitas famílias trocaram aldeias pela cidade, esperançosas em
relação a acesso a mais políticas e serviços públicos. A desigualdade social,
no entanto, não mudou. Segundo os dados mais recentes do IBGE, enquanto a renda
média mensal dos indígenas é de R$ 601, a da população de cor branca é de R$
2.387.
Diante da exposição das crianças indígenas ao risco de
exploração sexual, os integrantes apontaram a necessidade de estratégias
prioritárias para lidar com o problema.
Fonte: Reporter Brasil
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