Os filósofos do direito costumam utilizar 3 premissas para saber se determinada conduta é verdadeiramente ética: eu quero, eu posso, eu devo. Transpondo o teste para o caso dos anúncios, respondo aos dois primeiros e deixo o terceiro para a consciência de cada um. O empresário de imprensa ”quer vender o anúncio”. Ele ”pode vender”. Mas ele deve?
Extraído da página da juíza federal Jaíza Fraxe, no
Facebook.
A cidade amanheceu fervendo no mundo acadêmico jurídico com
o seguinte debate de ideias: a publicidade de prostituição revela algum de tipo
de ilícito? Caso positivo, qual?
Participarei do debate publicamente, porém exclusivamente no
plano impessoal e da ideia acadêmica, sem comentar pessoas físicas ou jurídicas
envolvidas em disputas ou conflitos interpessoais. Também não comentarei
processos ou
inquéritos em
tramitação, porque quem deve satisfação à sociedade e às partes envolvidas são,
respectivamente, as autoridades públicas (Delegado, Juiz e Promotor) e os
Advogados da causa. Os suspeitos? Devem satisfação à própria consciência
(quando houver), à família, à sociedade, aos Órgãos Persecutórios e ao
Estado-Juiz; e quando possuem alguma religião, ao Deus que cultuam.
Importante esclarecer mais dois pontos. Um: seja para o
Direito, seja para a Filosofia ou Sociologia (ciências que realizam ‘interface’
nesse tipo de debate), não podemos e nem devemos utilizar no argumento qualquer
tipo de eufemismo que disfarce pudores desnecessários à compreensão de
institutos jurídicos ou categoriais sociais. Dois: os ilícitos no Brasil são
múltiplos e não se restringem às infrações penais. As práticas irregulares
podem ter amplo alcance, atingindo a esfera da moral, da ética, da norma civil
e administrativa. Para cada uma pode haver algum tipo de sanção, não
necessariamente oferecida pelo Direito.
Vejamos, portanto, o tema central do debate
teórico-jurídico. A divulgação de anúncios sexuais é atividade que diversos
jornais e páginas da ‘web’ praticam todos os dias. Há crime ou algum tipo de
ilicitude na conduta?
Diz o princípio da legalidade em matéria penal que não há
crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal. Em
outras palavras, só é crime aquilo que a lei penal diz expressamente que é. Às
vezes, juramos que determinado ilícito é crime, mas infelizmente nunca o legislador
se preocupou em colocar aquela conduta na lei e atribuir uma pena a quem a
comete. Em se tratando de Amazônia, o exemplo mais cruel é a subtração de seu
patrimônio genético (animal, vegetal e microorganismos) e seu transporte para
outra localidade, inclusive no exterior. A prática é conhecida entre os
cientista da Biotecnologia como biopirataria, que até hoje não foi definida
como crime pelo legislador (Congresso Nacional).
Esclarecida a questão, importante deixar claro que o Código
Penal Brasileiro não proíbe expressamente a prática da prostituição. Da mesma
forma, nenhuma legislação especial faz tal previsão.
Damásio já disse – e eu reproduzo aqui – que a prostituição,
em si mesma, não atinge nenhum bem jurídico que o legislador entendeu de
tutelar sob a sanção da pena e não constitui delito por si mesma. Assim, posso
afirmar que a propaganda dos serviços sexuais não encontra no Código Penal
Brasileiro qualquer tipificação penal, não havendo penalidade privativa de
liberdade, restritiva de direitos ou qualquer outra de natureza penal para os
proprietários de jornais que praticam essa conduta.
Ainda sob o ponto de vista penal, embora não seja crime
vender esse tipo de anúncio, nem por isso o legislador penal deixou de reprimir
aqueles que contribuem diretamente para a prostituição. Explico. A lei penal
incrimina APENAS aquele que participa dos lucros da prostituição. A essa
prática o legislador chamou de rufianismo. E segundo a doutrina majoritária e a
jurisprudência, quem faz publicidade não participa dos lucros da prostituição;
recebe pagamento pelo serviço de publicidade, que é não é considerado pela lei
como forma de participação nos lucros.
Segundo o Código Penal em vigor, rufianismo, que é o tipo
penal previsto no art. 230, consiste no fato de “tirar proveito da prostituição
alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no
todo ou em parte, por quem a exerça”. A pena é de reclusão que vai de um a
quatro anos cumulada com pena de multa. Interessante é que a população nunca convencionou
chamar o autor desse delito de rufião ou rufiã, mas sim de cafetão ou cafetina.
O senso comum é sabedor disso.
Todavia, como disse acima, os ilícitos no Brasil são
múltiplos e não se restringem às infrações penais. As práticas irrgeluares
podem ter amplo alcance, atingindo a esfera da moral, da ética, da norma civil
(geral ou especial) e administrativa, sem esquecer aquelas decorrentes das
relações de trabalho.
Claro que a profundidade do tema merece seja pesquisado no
mínimo o dever de cuidado com a ordem pública que todos devemos possuir, de
modo que vender anúncio indiscriminadamente, sem verificar minimamente a
licitude do produto, pode geral amplas consequências.
Certa feita, um jornal expôs no caderno de classificados a
”venda de filhotes de Yanomami, de 1 ano e 6 meses, por mil reais cada um”. A
bem da verdade, é muito difícil qualificar essa atitude de desvaloração com o
ser humano. Mesmo que eu procurasse no dicionário brasileiro ou em todos os
lexicos, ainda assim teria dificuldade.
O resultado foi uma denúncia, pelo Ministério Público
Federal, por crime de racismo (a vítima era o Povo Yanomami) contra o autor do
anúncio. O jornal, por sua vez, defendeu-se alegando que o serviço oferecido à
sociedade era gratuito, sendo recebidos por dia, em média de mil anúncios sem
qualquer remuneração. Tese interessante e incomum.
No caso central que aqui se comenta, se houver colheita de
dados da realidade, não creio que algum jornal brasileiro consiga provar que
publica gratuitamente venda de serviços por profissionais do sexo. Impossível
estabelecer alguma conexão entre sexo e caridade.
Então permanece a verdadeira indagação. O empresário de
imprensa, o jornalista e o publicitário possuem algum dever em relação aos
anúncios de prostituição?Na minha visão acadêmica, voltada para o pensamento
humanista, para a dignidade da pessoa humana e para a ética, sim.Como saber se
as pessoas que praticam esses serviços anunciados são maiores de idade e estão
no exercício pleno dos atributos de sua personalidade? Se seu filho, sua filha
ou alguma criança de seu meio forem sequestrados por uma rede de prostituição
que está por trás de um desses anúncios, você gostaria que o jornal os
publicasse? Esse é o limite ético.Os filósofos do direito costumam utilizar 3
premissas para saber se determinada conduta é verdadeiramente ética: eu quero,
eu posso, eu devo. Transpondo o teste para o caso dos anúncios, respondo aos
dois primeiros e deixo o terceiro para a consciência de cada um. O empresário
de imprensa ”quer vender o anúncio”. Ele ”pode vender”. Mas ele deve?
Fonte: www.folhaamazonica.com
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