Nós conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto de
trabalho. O grande sociólogo explica como os laços foram substituídos por
"conexões". E acrescenta: "Toda relação permanece única: não se
pode aprender a querer bem". Desconectar-se é apenas um jogo. Fazer amigos
online requer empenho.
A reportagem é de Raffaella De Santis, publicada no jornal
La Repubblica, 20-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Amar-se e permanecer juntos por toda a vida. Tempos atrás,
há algumas gerações, não só era possível, mas também era a norma. Hoje, ao invés,
tornou-se uma raridade, uma escolha invejável ou louca, dependendo dos pontos
de vista. Sobre esse assunto, Zygmunt Bauman já voltou várias vezes (e também o
faz em seu último livro, Cose che abbiamo in comune [Coisas que temos em
comum], publicado pela editora Laterza).
Os seus trabalhos são ricos em considerações sobre o modo de
viver as relações: hoje estamos expostos a milhares de tentações, e permanecer
fiel certamente não é nada óbvio, mas se torna uma maneira para subtrair ao
menos os sentimentos da dissipação rápida do consumo. “Amor líquido”, lançado
em 2003, partia justamente daí, da nossa dilaceração entre a vontade de provar
novas emoções e a necessidade de um amor autêntico.
Eis a entrevista.
O que é que nos leva a procurar sempre novas histórias?
A necessidade de amar e ser amados, em uma contínua busca de
satisfação, sem nunca estarmos certos de estarmos suficientemente satisfeitos.
O amor líquido é justamente isso: um amor dividido entre o desejo de emoções e
o medo do vínculo.
Portanto, estamos condenados a viver relações breves ou à
infidelidade...
Ninguém está "condenado". Diante das diversas
possibilidades, cabe a nós escolher. Algumas escolhas são mais fáceis e outras
mais arriscadas. As escolhas aparentemente menos comprometedoras são mais
simples do que as que requerem esforço e sacrifício.
Mas o senhor viveu um amor duradouro, com a sua esposa Janina, que
morreu há dois anos.
O amor não é um objeto pré-confeccionado e pronto para o
uso. É confiado aos nossos cuidados, precisa de um compromisso constante, ser
regenerado, recriado e ressuscitado todo dia. Acredite, o amor satisfaz essa
atenção maravilhosamente. Quanto a mim (e espero que também tenha sido assim
para Janina), eu posso lhe dizer: assim como o vinho, o sabor do nosso amor
melhorou ao longo dos anos.
Hoje, vivemos mais relações ao longo de uma vida. Somos mais livres ou
apenas estamos mais amedrontados?
Liberdade e segurança são ambos valores necessários, mas
estão em conflito entre si. O preço a pagar por uma maior segurança é uma menor
liberdade, e o preço de uma maior liberdade é uma menor segurança. A maior
parte das pessoas tenta encontrar um equilíbrio, quase sempre em vão.
Porém, o senhor envelheceu junto com a sua esposa: como vocês
enfrentaram o tédio da cotidianidade? Envelhecer juntos está fora de moda?
É a perspectiva do envelhecimento que já está fora de moda,
identificada com uma diminuição das possibilidades de escolha e com a ausência
de "novidade". Aquela "novidade" que, em uma sociedade de
consumidores, foi elevada ao mais alto grau da hierarquia dos valores e
considerada como a chave da felicidade. Tendemos a não tolerar a rotina,
porque, desde a infância, fomos acostumados a correr atrás de objetos descartáveis,
a serem substituídos velozmente. Não conhecemos mais a alegria das coisas
duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso.
Acabamos transformando os sentimentos em mercadorias. Como podemos
novamente dar ao outro a sua unicidade?
O mercado farejou na nossa necessidade desesperada de amor a
oportunidade de enormes lucros. E nos seduz com a promessa de poder ter tudo
sem esforço: satisfação sem trabalho, ganho sem sacrifício, resultados sem
esforço, conhecimento sem um processo de aprendizagem. O amor requer tempo e
energia. Mas hoje ouvir aqueles que amamos, dedicar o nosso tempo para ajudar o
outro nos momentos difíceis, ir ao encontro das suas necessidades e desejos
mais do que os nossos tornou-se supérfluo: comprar presentes em uma loja é mais
do que suficiente para recompensar a nossa falta de compaixão, amizade,
atenção. Mas podemos comprar tudo, menos o amor. Não encontraremos o amor em
uma loja. O amor é uma fábrica que trabalha sem descanso, 24 horas por dia e
sete dias por semana.
Talvez acumulemos relações para evitar os riscos do amor, como se a
"quantidade" nos tornasse imunes à exclusividade dolorosa das
relações.
É isso. Quando o que nos circunda se torna incerto, a ilusão
de ter muitas "segundas escolhas", que nos recompensem do sofrimento
da precariedade, é convidativa. Mover-se de um lugar ao outro (mais promissor,
porque ainda não ter sido experimentado) parece mais fácil e atraente do que se
comprometer em um longo esforço de reparação das imperfeições da habitação atual,
para transformá-la em uma verdadeira casa, e não só em um lugar para viver. O
"amor exclusivo" quase nunca é isento de dores e problemas – mas a
alegria está no esforço comum para superá-los.
Em um mundo cheio de tentações, podemos resistir? E por quê?
Requer-se uma vontade muito forte para resistir. Emmanuel
Lévinas falou da "tentação da tentação". É o estado do "ser
tentado" que, na realidade, desejamos, não o objeto que a tentação promete
nos entregar. Desejamos esse estado, porque é uma abertura na rotina No momento
em que somos tentados, parece que que somos livres: já estamos olhando para
além da rotina, mas ainda não cedemos à tentação, ainda atingimos o ponto de
não retorno. Um instante depois, se cedermos, a liberdade desaparece e é
substituída por uma nova rotina. A tentação é uma emboscada em que tendemos a
cair alegremente e de bom grado.
Mas o senhor escreve: "Ninguém pode experimentar duas vezes o
mesmo amor e a mesma morte". Apaixonamo-nos apenas uma vez na vida?
Não existe uma regra. A questão é que todo amor individual,
assim como toda morte, é único. Por essa razão, ninguém pode "aprender a
amar", assim como ninguém pode "aprender a morrer". Embora
muitos de nós sonhemos em fazer isso e não falte quem tente ensinar cobrando
por isso.
Em 1968, se dizia: "Queremos tudo e já". O nosso desejo de
satisfação imediata também é filho dessa época?
O ano de 1968 poderia ter sido um ponto de início, mas a
nossa dedicação à gratificação instantânea e sem vínculos é o produto do
mercado, que soube capitalizar a nossa tendência a viver o presente.
Os "laços humanos" em um mundo que consome tudo são um
obstáculo?
Eles foram substituídos pelas "conexões". Enquanto
os laços requerem compromisso, "conectar" e "desconectar" é
uma brincadeira de criança. No Facebook, podemos ter centenas de amigos movendo
um dedo. Fazer amigos offline é mais complicado. O que se ganha em quantidade
se perde em qualidade. O que se ganha em facilidade (confundida com liberdade)
se perde em segurança.
O senhor e Janina nunca passaram por uma crise?
Como poderia ser de outra forma? Mas, desde o início,
decidimos que estar juntos, embora difícil, é incomparavelmente melhor do que a
sua alternativa. Uma vez tomada essa decisão, também se olha para a crise
conjugal mais terrível como para um desafio a ser enfrentado. O exato oposto da
declaração menos arriscada: "Vivamos juntos e vejamos como vai
ser...". Nesse caso, mesmo uma incompreensão assume a dimensão de uma catástrofe
seguida pela tentação de pôr fim à história, abandonar o objeto defeituoso,
buscar satisfação em outro lugar.
O amor de vocês foi à primeira vista?
Sim, eu lhe fiz uma proposta de casamento e, nove dias
depois do nosso primeiro encontro, ela aceitou. Mas foi necessário muito mais
para fazer com que o nosso amor durasse e para fazê-lo crescer por 62 anos.
Fonte: Ihu
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