Neste século XXI, o ideal de vida
de Santa Clara de Assis parece loucura frente aos ditames do capitalismo. Seu
despojamento, seu pauperismo, sua bondade gratuita..., enfim, tudo nela é
denúncia gritante. Em um mundo povoado por ideias, coisas e sucatas, Clara
segue atual ao nos lembrar que o seguimento de Cristo passa pelo
desprendimento, pelo desapego e pelo esvaziamento capaz de nos aproximar do Reino
pregado por um tal Nazareno, nosso verdadeiro irmão.
O que tem a nos dizer, neste
século XXI, no contexto de uma sociedade que prima pelo bem-estar acima de
tudo, até mesmo acima da dignidade dos pobres e famintos da terra, a pobreza
evangélica de Clara de Assis? Este, possivelmente, foi um dos grandes
questionamentos que penetrou o coração de cada um dos participantes que se
reuniram no último sábado, 04 de junho, na Casa do Trabalhador, em mais uma
etapa do Rezar com os Místicos, promovido pelo CJCIAS/CEPAT, com o apoio do
IHU. Frei Marcos Roberto Rocha de Carvalho, OFMCap., do Centro Franciscano de
Espiritualidade, de Piracicaba-SP, apresentou os principais momentos da vida de
Santa Clara de Assis, enfatizando a sua determinação em ser fiel ao seguimento
radical do Cristo Pobre.
O relato é de Jonas Jorge da
Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
Foto: Ana Paula Abranoski
Em toda a sua vida, Santa Clara
(1193- 1253) jamais esmoreceu, demonstrando uma coerência implacável no
seguimento de Jesus, ao qual se entregou plenamente. Sem titubear, fez valer a
sua generosa decisão em abandonar os prestígios e seguranças da vida nobre,
para viver de forma humilde e pobre a radicalidade evangélica.
Clara nasceu em Assis, na região
da Úmbria (Itália), em uma família nobre, que residia próxima à Catedral de São
Rufino. Neste núcleo familiar recebeu uma ótima formação, importantíssima e
singular em tempos tão duros para as mulheres. Da mãe, Hortolana, obteve
condições para dar os primeiros passos na vida espiritual. Desde aí, Clara já
demonstrava ser uma mulher de grande coração, aberto e solidário aos mais
pobres.
Contudo, é a partir da escuta das
pregações de São Francisco e do início de uma amizade espiritual profunda e
frutífera com o mesmo, que Santa Clara toma a decisão definitiva de jamais
trair os anseios de seu coração, fortemente tocado pelo Espírito de Deus, que a
impeliu a viver para sempre ao lado de Seu Amado, o Cristo Pobre. O Domingo de
Ramos, do dia 18 de março de 1212, é considerado fundamental na vida de Clara,
quando foge de casa, ultrapassando os muros de Assis e é acolhida por Francisco
e seus frades na Porciúncula, onde se consagra a Deus.
Segundo Frei Marcos Roberto, com
esta decisão, Santa Clara inova ao se tornar a primeira mulher “frade” junto
aos irmãos de Francisco, apresentando uma situação inédita, o ponta pé inicial
para a criação das condições necessárias para que as mulheres também pudessem
abraçar este carisma: a vida de fraternidade, sem hierarquias, nutrida pelo
desejo de viver na radicalidade o Evangelho de Jesus Cristo, ao lado dos
pobres.
Frei Marcos Roberto também
ressaltou que é errônea qualquer leitura histórica que coloque Clara à sombra
de Francisco, pois ambos tiveram papéis fundamentais para que o carisma
fundante de sua fraternidade não se perdesse. Aliás, pelo fato de viver 27 anos
a mais que Francisco, Clara foi fundamental para a manutenção das origens da
chama evangélica que sustentou todo o vigor apostólico do Santo de Assis.
Um olhar atento à Clara de Assis
faz perceber que a sua insistência na vivência da pobreza evangélica é, até os
dias atuais, um incômodo para aqueles que negam a necessidade de “uma Igreja
pobre e para os pobres”, tão desejada, hoje, não por acaso, pelo Papa que se
chama Francisco. Neste sentido, Frei Marcos Roberto ressaltou que Clara jamais
aceitou deixar de ser pobre, mesmo diante das advertências de membros da
hierarquia católica, quando, em determinados momentos, procurou impedir esta
vivência. É o caso, por exemplo, do Papa Gregório IX que, em 1228, propõe lhe
dar propriedades e dispensá-la do voto de pobreza, em dissonância com o
“Privilégio da Pobreza” que sua comunidade havia obtido do Papa Inocência III,
em 1216. Diante de tal proposta, Clara simplesmente expressou que não aceitava
ser dispensada de seguir Jesus Cristo.
A relação de Clara de Assis com a
hierarquia católica sempre foi permeada por essas disputas de interpretação
acerca de qual seria o caminho oportuno para a sua comunidade de mulheres.
Felizmente, a história demonstra que prevaleceu a firmeza de decisão, a
humildade e o testemunho de vida de Santa Clara de Assis. Não por acaso, apesar
de todos os revides, a Pobre de Assis se tornou pioneira ao ser a primeira
mulher da história da Igreja a estabelecer uma ‘Forma de Vida’ escrita e
aprovada pela Hierarquia. Como mulher, marcou sua época, demonstrando grande
habilidade política no trato com os homens da Igreja e fazendo valer sua
inspiração inicial no seguimento de Jesus Cristo.
Frei Marcos Roberto destacou que
a pobreza evangélica vivida por Clara de Assis deve ser compreendida para além
das categorias sociológicas. Trata-se de um esvaziar-se, tendo como modelo o
próprio Filho de Deus que se encarnou e se fez um de nós. Cristo é o seu
espelho, daí o desenvolvimento de uma espiritualidade dos esponsais, que
compreende a Igreja como esposa de Cristo, aquele a quem Santa Clara amou com
espírito de piedade e penitência, a partir de uma vida religiosa marcada pela
autenticidade.
Clara enxerga o mundo com os
olhos da fé, por isso sua pobreza é fecunda. É muito mais do que ausência de
bens materiais, é vazio acolhedor, condição necessária para que se possa
receber a graça de Deus. A dimensão contemplativa em Clara de Assis é fogo que
não se apaga, que torna visível a presença de Deus em todos e em tudo. Clara
torna sua própria vida um louvor agradável a Deus.
Neste século XXI, o ideal de vida
de Santa Clara de Assis parece loucura frente aos ditames do capitalismo. Seu
despojamento, seu pauperismo, sua bondade gratuita..., enfim, tudo nela é
denúncia gritante. Em um mundo povoado por ideias, coisas e sucatas, Clara
segue atual ao nos lembrar que o seguimento de Cristo passa pelo
desprendimento, pelo desapego e pelo esvaziamento capaz de nos aproximar do
Reino pregado por um tal Nazareno, nosso verdadeiro irmão.
Fonte: Ihu
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