As mulheres negras foram e
continuam a ser as principais vítimas da violência contra a mulher
As mulheres negras foram violadas
sistematicamente no período colonial. E, atualmente, ainda são o grupo o mais
violentado.
Em um país em que a cada 11
minutos uma mulher é estuprada não se pode tratar essa questão como um tema
pontual. O fato de essa violência ser sistemática comprova que existe uma
cultura de violência contra a mulher, porque também vivemos em um país em que,
a cada cinco minutos, uma mulher é agredida.
Porém, é importante dizer que
essa cultura do estupro existe desde o período da escravidão. Mulheres negras
escravizadas eram violentadas pelos senhores de escravos e forçadas às mais
variadas formas de violências. A filósofa Angela Davis, em Mulher, raça e
classe, aborda o fato das mulheres negras não serem tratadas como frágeis e
castas, ao contrário, tiveram de realizar trabalhos forçados que precisavam do
uso da força.
Davis inicia o livro com o
capítulo “Legado da escravatura: bases para uma nova natureza feminina” falando
sobre o modo pelo qual a mulher negra escravizada era tratada de modo a ofuscar
uma “natureza feminina”, uma vez que elas eram forçadas a desempenhar o mesmo
trabalho dos homens negros escravizados.
O que as diferenciavam dos
homens, e essa se torna uma diferença crucial, era o fato de terem seus corpos
violados pelo estupro. Essa outra construção de feminino irá contrastar
diretamente com a qual as mulheres brancas lutarão para derrubar: a da mulher
frágil, submissa e dependente do homem. A mulher negra ter sido submetida a
esse tipo de violência evidencia uma relação direta entre a colonização e a
cultura do estupro.
No Brasil, as mulheres negras
tiveram a mesma experiência. Importante ressaltar que a miscigenação tão
louvada no País também foi fruto de estupros sistemáticos cometidos contra
mulheres negras. Essa tentativa de romantização da miscigenação serve para
escamotear a violência.
Mulheres negras escravizadas
foram violadas sistematicamente no período colonial. E, atualmente, ainda é
esse o grupo o mais violentado, também em caso de violência doméstica. Segundo
dados da Unicef na pesquisa Violência Sexual, o perfil das mulheres e meninas
exploradas sexualmente aponta para a exclusão social desse grupo.
A maioria é de afrodescendentes,
vem de classes populares, tem baixa escolaridade, habita em espaços urbanos
periféricos ou em municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico. Muitas
dessas adolescentes já sofreram inclusive algum tipo de violência (intrafamiliar
ou extrafamiliar).
Por mais que todas as mulheres
estejam sujeitas a esse tipo de violência, já que é sistemática, se faz
importante observar o grupo que está mais suscetível a ela já que seus corpos
vêm sendo desumanizados historicamente, ultrassexualizados, vistos como objeto
sexual. Esses estereótipos racistas contribuem para a cultura de violência
contra essas mulheres, pois elas são vistas como lascivas, “fáceis”, as que não
merecem ser tratadas com respeito.
Um exemplo dos estigmas que estão
colocados sobre os corpos das mulheres negras é o caso de Vênus Hotentote. Seu
nome original é Sarah Baartman. Nascida em 1789 na região da África do Sul, no
início do século 19 foi levada para a Europa e exposta em espetáculos públicos,
circenses e científicos devido aos seus traços corporais.
Segundo Damasceno (2008), Sarah
Baartman deu um corpo à teoria racista. Não importa aonde vamos, a marca é
carregada. Mesmo após sua morte, seu corpo seguiu sendo explorado. Partes de
seu corpo, incluindo as íntimas, ficaram à exposição do público no Museu do
Homem, na França, até 1975. Apenas em 2002, seus restos mortais foram
devolvidos à África do Sul a pedido de Nelson Mandela.
Com base nesses fatos históricos
podemos dizer que no Brasil há uma relação direta entre colonização e cultura
do estupro. E nós precisamos falar sobre isso.
Fonte: Carta Capital
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