IMPROVISO – Mesmo com o frio intenso dos últimos dias, alguns moradores de rua evitam albergues e se acomodam como podem nas calçadas da cidade
Para alguns, apenas trapos
surrados e rasgados, além de caixas de papelão improvisando uma cabana. Outros,
se embrulham em cobertores e também arriscam montar casinhas com as mantas. Há
ainda os que lançam mão de barracas de camping que lhes foram doadas e aqueles
que apelam para fogueiras e boas doses de cachaça.
Enfrentar as baixas temperaturas
das noites e madrugadas, com os termômetros registrando mínima de até 10°C nos
últimos dias, é uma verdadeira questão de sobrevivência para os sem-teto. Em
São Paulo, pelo menos cinco moradores de rua já morreram. Em Belo Horizonte,
para se abrigar do frio intenso, eles recorrem a várias estratégias.
Desconfiados e até um pouco
arredios, muitos não gostam de falar da jornada em via pública. Na hora de se
apresentar, dão apenas o primeiro nome e evitam detalhar como foram morar nas
atuais condições. A maioria opta pela proteção de marquises e estende os pertences
pelas calçadas cobertas, como Fred, de 35 anos, faz.
Ele conta que há um ano veio para
a Região Hospitalar, Leste de BH. Antes, ficava nas imediações da Praça Raul
Soares. O rapaz anda com um carrinho de supermercado abarrotado. São
cobertores, duas mochilas, roupas, tênis e até alguns utensílios domésticos,
como panelas.
Diariamente, por volta das 20h,
ele monta uma cabana utilizando os cobertores e um barbante. “Tem que montar
isso tudo aqui e ainda enrolar na coberta. Esses dias tá osso. Frio tá matando
a gente”, conta o morador de rua.
Próximo dali, nas avenidas
Carandaí e Bernardo Monteiro, dá para perceber restos de fogueiras perto de
árvores. “Fogo só em último caso. Se a polícia vê, manda apagar na hora. Mas
tem vez que não tem jeito. Ou faz uma fogueira ou a gente congela”, conta outro
sem-teto de BH.
Calor humano
Muitos aproximam-se uns dos
outros na hora de dormir para manter os corpos aquecidos. Com os cobertores
estendidos lado a lado, no passeio da rua Conselheiro Rocha, no bairro Floresta,
região Leste, seis amigos tentavam driblar as baixas temperaturas. O curioso é
que todos estavam a poucos metros do albergue Tia Branca, um abrigo municipal
que oferece estadia gratuita.
Aos 54 anos, tendo vivido os
últimos 40 na rua, Geraldo conta que é “impossível” ficar no espaço público.
Segundo ele e os colegas que estavam deitados no chão, as condições são
precárias. “Tem percevejo nas acomodações. Você acorda todo picado. Nós
preferimos ficar na rua do que lá dentro”, diz.
Já Maurício chama a atenção para
outro problema. De acordo com o homem, que não tem casa para morar há cerca de
um ano, há poucos chuveiros no abrigo e apenas um com água quente. “Como que
você toma banho gelado num frio desse? Como? Isso é um desrespeito. Fora que
existem várias outras regras totalmente desnecessárias”.
No local, que só pode receber
homens, as entradas são permitidas das 17h às 20h30. É preciso fazer um
cadastro e ter um cartão de acesso. Um funcionário, acompanhado de guardas
municipais, faz a triagem na porta do prédio. Quem estiver com sinais de
embriaguez é impedido de se acomodar.
O atendente do albergue conta que
nos últimos dias a procura aumentou consideravelmente. Há 400 vagas e 350 camas
foram ocupadas na noite da última segunda-feira (13).
Segundo a assessoria da
Secretaria Municipal de Políticas Sociais, os chuveiros do albergue passam por
manutenção constante. Porém, conforme o órgão, “eventualmente, há queima de
resistência devido à grande utilização”. Sobre os percevejos, a pasta disse que
desenvolve, em parceria com a Fiocruz e o Centro de Controle de Zoonoses,
serviço permanente de combate a pragas.
Dois abrigos da Prefeitura de BH
oferecem pernoite: São Paulo (para famílias) e Albergue Tia Branca (para
homens). As entradas são permitidas das 17h às 20h30. Nos espaços estão
disponíveis hospedagem, banho e alimentação
ALTERNATIVA – Cachaça é opção dos
sem-teto para espantar o frio
Solidariedade fica mais evidente
nesta época do ano
Em meio à luta contra o frio e as
precárias condições de se morar na rua, muitas pessoas contam com ajudas
indispensáveis para sobreviver. Todos os dias é possível ver entidades
religiosas ou grupos de amigos levando alimentos para os sem-teto da capital.
Solidariedade essa que fica ainda mais evidente nesta época de baixas
temperaturas.
A corrente do bem em prol dos
moradores de rua acontece em vários pontos da cidade, como na Região Hospitalar
e no bairro Lagoinha. Porém, é mais frequente nas imediações do Elevado Castelo
Branco, na região Central da metrópole. Seja debaixo do viaduto ou nas ruas
Mato Grosso e dos Tamoios, carros de passeio, kombis e vans desembarcam nas
vias com voluntários oferecendo ajuda.
Nos veículos, pães, chocolate
quente, água e o tradicional sopão. Há oito anos, o pastor Marcelo Silva e
outros homens da igreja dele ajudam essas pessoas.
Ele conta que, em média, são
distribuídas 300 refeições todas as terças-feira, mas que na última (14) foram
400 marmitex com sopa de macarrão. “Com a chegada do frio, a procura é muito
maior”, diz ele, que após a distribuição conversa com as pessoas em busca da
evangelização das mesmas.
A cada automóvel que estaciona
para entregar comida, filas enormes se formam. Dona Maria Perpétua, de 45 anos,
faz questão de agradecer. “Nós não temos casa, não temos nada. Não temos
dinheiro para comprar uma bala. Sem essas comidas morreríamos de fome”. Além de
alimento quente, outros não abrem mão de uma cachaça. “Esquenta o corpo e a
alma”, disse um senhor que estava com uma garrafa PET cheia de pinga.
VOLUNTÁRIOS – Procura pelo
tradicional sopão aumentou nos últimos dias
As baixas temperaturas dos
últimos dias neste outono são resultado de duas massas de ar frio vindas do Sul
do país. Hoje, a mínima prevista na capital mineira é de 9°C e deve ser
registrada por volta das 6h, conforme informou o TempoClima PUC Minas. O pior,
no entanto, ainda está por vir. Na próxima segunda-feira, começa o inverno e os
serviços de meteorologia indicam uma estação mais gelada que a média histórica.
Tendência de temperaturas mais baixas
Segundo meteorologista Claudemir
Félix, a média registrada em Belo Horizonte nos últimos anos, durante o
inverno, é de 13°C e a tendência é de temperaturas mais baixas nos próximos
meses. O tempo permanecerá seco e não há previsão de chuva. Bairros mais elevados
da região Centro-Sul, como o Mangabeiras, devem sentir mais os impactos do
frio.
Fonte: Hoje em dia
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