terça-feira, 14 de junho de 2016

Nova geração valoriza igualdade

Educação. Ana Pedroso tenta ensinar a filha, de 3 anos, a não diferenciar coisas de menino e de menina
Lavar a louça, pagar as contas de casa e ajudar nas tarefas da escola são, para a maioria das crianças e de adolescentes, atividades que homens e mulheres podem fazer. Enquete realizada por O TEMPO com 50 estudantes da capital, de 10 e 14 anos, mostra que essa nova geração não faz distinção de gênero nos afazeres domésticos, situação que pode, no futuro, diminuir a cultura do machismo.


O levantamento foi feito com alunos de uma escola pública e outra privada da região Centro-Sul de Belo Horizonte. Foram feitas seis perguntas sobre as responsabilidades do dia a dia de uma casa e com três respostas: homem, mulher e qualquer um dos dois. A maioria respondeu que ambos devem assumir as atividades rotineiras do lar, em todos os casos (veja abaixo).



Ciente de que o combate ao machismo começa em casa, a estudante Lina Maria Mendes, 23, aproveita as situações em que o filho Ravi, 3, fala sobre diferenças entre meninos e meninas para explicar a igualdade de gênero. “Apesar de ele ser pequeno, dá para detectar coisas que aprende na escola ou em outros locais sobre as quais não tenho controle. Ele fala, por exemplo, que brinquedo cor de rosa ou de princesa é de menina, e eu explico que pode ser de quem quiser. O machismo começa no achar que um pode fazer uma coisa e outro não”, pondera.

Lina tem um irmão mais novo e percebe que o tratamento destinado ao menino sempre foi diferente. “Desde cedo, minha mãe fazia questão de que eu e minha irmã aprendêssemos a arrumar a casa, e meu irmão não. Coisas que ele pode fazer hoje, com 17 anos, como dormir na casa da namorada, eu não podia fazer na idade dele”, lembra. Ela faz parte de um grupo de mulheres que busca desconstruir a cultura do machismo na criação dos filhos. Nas redes sociais, centenas de mães se reúnem para trocar experiências.

A estudante Ana Clara Pedroso, 23, mãe de Sofia, 3, vê que a filha também diferencia coisas de menino e menina, apesar de ela sempre ensinar que não há diferença. “Tento conversar com ela sobre isso, mas a criança traz muita coisa da escola, e o papel dos professores na questão da igualdade é essencial”. Ela mudou a versão da música infantil que a filha gosta, que diz: “Minhoca, minhoca, me dá uma beijoca/ não dou, não dou/ então eu vou roubar”. “Eu expliquei que se o ‘minhoco’ quer beijar, e a minhoca não, ele deve respeitar”.

Mudança. Segundo o coordenador do curso de psicologia do Uni-BH, Júlio Fernandes, é possível construir uma nova cultura que valorize a igualdade de gênero a partir das crianças. “Essa padronização do que é feminino e masculino é inventada pelas relações e transmitida quando os pais dão boneca para a menina e caminhãozinho para o menino, mas é possível, mesmo em uma sociedade machista, uma família construir concepções não machistas”, pontua.

A representante da ONU Mulheres no Brasil Nadine Gasman acredita que a escola também deve debater o assunto. “Deve haver o reconhecimento da igualdade, uma educação que fale de gênero sem preconceitos”, diz.

Em tramitação

Discussão de gênero. O PL 3.235/2015, do Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), prevê detenção e multa para quem divulgar termos como “identidade de gênero” em atos normativos, planos e programas do governo.
Contexto reforça machismo
Alguns poucos estudantes apontaram a mulher como resposta para as tarefas domésticas, enquanto nas atividades fora de casa, os homens ficaram no segundo lugar da enquete.

Para nove crianças, por exemplo, é a mulher quem deve cozinhar, e apenas uma acredita que o homem deve ser o responsável pela tarefa. As justificativas são diversas: “Porque a comida da mulher é mais gostosa”, disse uma delas. “Homem não sabe cozinhar”, completou outra.
Arrumar a casa e fazer compras no supermercado também são atividades mais femininas, para parte dos entrevistados. “O homem não leva jeito” e “precisa trabalhar” ou “mulher é mais responsável”, argumentaram.

Por outro lado, dirigir é tarefa masculina: enquanto 15 crianças responderam que o homem deve guiar o carro, nenhuma citou a mulher. “O homem tem mais facilidade no volante”, foi uma das justificativas apresentadas. Além disso, cinco entrevistados responderam que o homem é quem deve levar dinheiro para casa; apenas uma disse que deve ser a mulher.

Origem. Segundo o coordenador do curso de psicologia do Uni-BH, Júlio Fernandes, o machismo pode começar em casa porque a família está inserida na cultura predominante que desvaloriza as mulheres.

“Os pais têm uma história, uma herança que dita que mulher é isso e o homem é aquilo. Os pais não precisam sentar e dizer ao filho, o conjunto de relações estabelecidas possibilita que a criança interprete assim”, explica Fernandes. (RM)

Fonte: O Tempo

Nenhum comentário: