Educação. Ana Pedroso tenta
ensinar a filha, de 3 anos, a não diferenciar coisas de menino e de menina
Lavar a louça, pagar as contas de
casa e ajudar nas tarefas da escola são, para a maioria das crianças e de
adolescentes, atividades que homens e mulheres podem fazer. Enquete realizada
por O TEMPO com 50 estudantes da capital, de 10 e 14 anos, mostra que essa nova
geração não faz distinção de gênero nos afazeres domésticos, situação que pode,
no futuro, diminuir a cultura do machismo.
O levantamento foi feito com
alunos de uma escola pública e outra privada da região Centro-Sul de Belo
Horizonte. Foram feitas seis perguntas sobre as responsabilidades do dia a dia
de uma casa e com três respostas: homem, mulher e qualquer um dos dois. A
maioria respondeu que ambos devem assumir as atividades rotineiras do lar, em
todos os casos (veja abaixo).
Ciente de que o combate ao
machismo começa em casa, a estudante Lina Maria Mendes, 23, aproveita as
situações em que o filho Ravi, 3, fala sobre diferenças entre meninos e meninas
para explicar a igualdade de gênero. “Apesar de ele ser pequeno, dá para
detectar coisas que aprende na escola ou em outros locais sobre as quais não
tenho controle. Ele fala, por exemplo, que brinquedo cor de rosa ou de princesa
é de menina, e eu explico que pode ser de quem quiser. O machismo começa no
achar que um pode fazer uma coisa e outro não”, pondera.
Lina tem um irmão mais novo e
percebe que o tratamento destinado ao menino sempre foi diferente. “Desde cedo,
minha mãe fazia questão de que eu e minha irmã aprendêssemos a arrumar a casa,
e meu irmão não. Coisas que ele pode fazer hoje, com 17 anos, como dormir na
casa da namorada, eu não podia fazer na idade dele”, lembra. Ela faz parte de
um grupo de mulheres que busca desconstruir a cultura do machismo na criação
dos filhos. Nas redes sociais, centenas de mães se reúnem para trocar
experiências.
A estudante Ana Clara Pedroso,
23, mãe de Sofia, 3, vê que a filha também diferencia coisas de menino e
menina, apesar de ela sempre ensinar que não há diferença. “Tento conversar com
ela sobre isso, mas a criança traz muita coisa da escola, e o papel dos professores
na questão da igualdade é essencial”. Ela mudou a versão da música infantil que
a filha gosta, que diz: “Minhoca, minhoca, me dá uma beijoca/ não dou, não dou/
então eu vou roubar”. “Eu expliquei que se o ‘minhoco’ quer beijar, e a minhoca
não, ele deve respeitar”.
Mudança. Segundo o coordenador do
curso de psicologia do Uni-BH, Júlio Fernandes, é possível construir uma nova
cultura que valorize a igualdade de gênero a partir das crianças. “Essa
padronização do que é feminino e masculino é inventada pelas relações e
transmitida quando os pais dão boneca para a menina e caminhãozinho para o
menino, mas é possível, mesmo em uma sociedade machista, uma família construir
concepções não machistas”, pontua.
A representante da ONU Mulheres
no Brasil Nadine Gasman acredita que a escola também deve debater o assunto.
“Deve haver o reconhecimento da igualdade, uma educação que fale de gênero sem
preconceitos”, diz.
Em tramitação
Discussão de gênero. O PL 3.235/2015, do Pastor Marco Feliciano
(PSC/SP), prevê detenção e multa para quem divulgar termos como “identidade de
gênero” em atos normativos, planos e programas do governo.
Contexto reforça machismo
Alguns poucos estudantes
apontaram a mulher como resposta para as tarefas domésticas, enquanto nas
atividades fora de casa, os homens ficaram no segundo lugar da enquete.
Para nove crianças, por exemplo,
é a mulher quem deve cozinhar, e apenas uma acredita que o homem deve ser o
responsável pela tarefa. As justificativas são diversas: “Porque a comida da
mulher é mais gostosa”, disse uma delas. “Homem não sabe cozinhar”, completou
outra.
Arrumar a casa e fazer compras no
supermercado também são atividades mais femininas, para parte dos
entrevistados. “O homem não leva jeito” e “precisa trabalhar” ou “mulher é mais
responsável”, argumentaram.
Por outro lado, dirigir é tarefa
masculina: enquanto 15 crianças responderam que o homem deve guiar o carro,
nenhuma citou a mulher. “O homem tem mais facilidade no volante”, foi uma das
justificativas apresentadas. Além disso, cinco entrevistados responderam que o
homem é quem deve levar dinheiro para casa; apenas uma disse que deve ser a
mulher.
Origem. Segundo o coordenador do curso de psicologia do Uni-BH,
Júlio Fernandes, o machismo pode começar em casa porque a família está inserida
na cultura predominante que desvaloriza as mulheres.
“Os pais têm uma história, uma
herança que dita que mulher é isso e o homem é aquilo. Os pais não precisam
sentar e dizer ao filho, o conjunto de relações estabelecidas possibilita que a
criança interprete assim”, explica Fernandes. (RM)
Fonte: O Tempo
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