Hoje, em um mundo muçulmano que
se sentiu humilhado, o espaço sexual torna-se o único espaço em que o homem
pode exercer o seu domínio. Mas os direitos sexuais não deveriam ser vistos
como secundários. Dispôr do próprio corpo como se quiser, levar uma vida sexual
que seja desprovida de riscos, fonte de prazer e livre de qualquer coerção são
necessidades fundamentais.
O meu sexo não me pertence. Eu
tinha 16 anos quando, pela primeira vez, pensei nisso. Pertencente ao meu pai,
ao meu irmão. Um dia, vai pertencer ao meu marido. E, por toda a minha vida,
Deus, o Estado, a multidão ainda terão um direito sobre ele.
Eu tinha 16 anos e vivia em
Marrocos, onde nasci e cresci. Lá, o Código Penal prevê a prisão para aqueles
que têm relações sexuais fora do casamento. Onde a homossexualidade é punida
por um período que varia de seis meses a três anos de prisão, onde o aborto é
ilegal, e onde uma pessoa casada culpada de adultério corre o risco da
reclusão.
Todos os países muçulmanos não
têm o mesmo corpus legislativo, e existem grandes diferenças entre o regime de
quase apartheid da Arábia Saudita, em que as mulheres são reduzidas a objetos,
e o da Turquia ou da Tunísia, em que elas são reconhecidas como cidadãs para
todos os efeitos.
Mas, em toda a parte, reinam a
mesma moral e a mesma hipocrisia. Em toda a parte, finge-se acreditar que os
jovens não têm relações sexuais clandestinas. Nega-se a existência de concubinas,
homossexuais, prostitutas. A juventude muçulmana e as mulheres, em particular,
vivem a sua sexualidade em um clima de confusão e de angústia. Faz-se amor, mas
secretamente, sem nunca falar a respeito. Algumas jovens aceitam a sodomia por
medo de perder o hímen.
Muitas vezes, eu pensei que não é
por acaso que Adèle, o personagem do meu romance Nel giardino dell’orco [No
jardim do ogro] (Ed. Rizzoli), é uma mulher frustrada, que mente, que leva uma
vida dupla. Do Egito ao Irã, passando pela Argélia, o casamento é o único
espaço de sexualidade aceitável. Se a sociedade se mostra indulgente em relação
ao corpo masculino, que deve poder gozar, à mulher tudo é proibido fora da vida
conjugal. A mulher é objeto do gozo, mas nunca sujeito. Virgem ou esposa. Por
toda a parte, vale o mesmo modelo.
A virgindade é um tema
lancinante, sejam liberais ou não, religiosos ou não. Idealizada, mitificada, é
um instrumento de coerção destinado a manter as mulheres em casa e a exercer
sobre elas uma vigilância contínua. É objeto de uma preocupação coletiva, em
vez de ser uma questão privada. Uma mulher que perde a virgindade fora do
casamento desonra a família, clã, vilarejo; tornar-se uma marginalizada, uma
criminosa.
O Isis, talvez, não empurrou até
o horror essa funesta obsessão, prometendo aos mártires, como recompensa,
jovens eternamente virgens, que nem uma relação sexual conseguiria deflorar?
Sobre a sexualidade das mulheres
muçulmanas, porém, não é necessário pintar um quadro de cores foscas demais e
sem nuances. Pois, se a lei e a moral são rígidas e pesadas, a condição das
mulheres no mundo islâmico evoluiu consideravelmente nos últimos 50 anos.
E uma nova geração de mulheres
tira vantagem da luta que as mais velhas levaram adiante pelo reconhecimento
dos seus direitos, para ter acesso aos anticoncepcionais, aos cuidados médicos,
à educação.
Nos centros urbanos, em
Casablanca, no Cairo, em Beirute, há mulheres que vivem a sua vida com
determinação. Financeiramente independentes, viajam, consomem e têm uma vida
sexual. Claro, para muitas delas, o preço a pagar é alto.
De fato, como escrevia a
socióloga marroquina Fatima Mernissi, em Rêve de femmes: "A ordem e a
harmonia só existem quando cada grupo respeita as hudud, as fronteiras
sagradas. Qualquer transgressão necessariamente provoca anarquia e
desgraça".
As mulheres vivem uma luta
interior dura, dilacerante, entre a vontade de se libertar da tirania do grupo
e o temor de serem punidas por isso. Algumas delas chegam ao ponto de se
reapropriar da religião muçulmana, tomada como refém pelo patriarcado
dominante. As "feministas islâmicas" têm a ambição de voltar aos
textos e demonstrar que o Islã não é mais misógino do que os outros
monoteísmos. Elas repetem continuamente que, nos primeiros tempos do Islã, o
sexo não era um tabu. O próprio Maomé foi um "guia sexual" para os
seus companheiros. Alguns hadith, relatos, falam de contracepção e de orgasmo
como prelúdio aos prazeres prometidos aos habitantes do Paraíso.
Do século IX ao XIII, a
literatura e a arte eróticas se difundiram; o corpo feminino é elogiado,
exaltado, descrito como fonte extrema de prazer. O célebre manual do xeique
al-Nafzawi, O jardim perfumado, escrito no século XIV para um príncipe
necessitado de conselhos eróticos, começa com bismillah, isto é, "em nome
do Deus misericordioso".
Como parecem distantes os tempos
em que o mundo muçulmano era conhecido pela sua sensualidade, e em que os
cristãos achavam inconvenientes que Maomé ostentasse a sua felicidade conjugal
e sexual.
A partir do século XIX, o
declínio intelectual, político e econômico do mundo árabe andou de mãos dadas
com uma visão mais puritana da sexualidade. Para os islamistas, a derrota do
mundo árabe, que caiu sob o jugo ocidental, é em parte imputável à liberdade
sexual que lá reinava.
Nos anos 1950, os nacionalistas,
que se ocupavam da independência do seu país, defendiam a emancipação das
mulheres muçulmanas. Que descobriam a cabeça, trabalhavam, estudavam.
No entanto, os novos líderes
nunca exortaram à liberdade sexual das mulheres. Como se o corpo feminino
permanecesse como uma fortaleza identitária. Atacar esses princípios
fundamentais, a virgindade e o pudor feminino significava correr o risco de
perder a própria identidade dos seus países.
As mulheres seriam traídas, por
sua vez, pelos modernistas, que repetiam que não podiam ir muito rápido ou
muito longe, e pelos islamistas, que consideravam a igualdade dos sexos como um
prelúdio para a anomia.
Desde então, a mulher está trancada
nos fantasmas de homens tornados impotentes pela dominação que sofrem. Para os
salafistas, o Ocidente é um contramodelo: onde a transparência é exagerada,
onde tudo se diz e tudo se vê, onde se faz amor sempre e em todo o lugar, e
onde o corpo das mulheres não é mais objeto de pudor algum. Ceder a esse modelo
significa correr o risco de afundar no caos.
Hoje, em um mundo muçulmano que
se sentiu humilhado, o espaço sexual torna-se o único espaço em que o homem
pode exercer o seu domínio. O corpo da mulher deve estar orgulhoso da
identidade muçulmana. Através do seu corpo, mede-se a honra, a imagem, a
virtude de um povo, de uma família, de um Estado.
As feministas muçulmanas temem –
provavelmente com razão – ser acusadas de querer enganar a sociedade se
militarem por uma libertação da sexualidade feminina. Consequentemente,
concentram-se naquelas que, para elas, são as prioridades: a educação e a
saúde.
Mas os direitos sexuais não
deveriam ser vistos como secundários. Dispôr do próprio corpo como se quiser,
levar uma vida sexual que seja desprovida de riscos, fonte de prazer e livre de
qualquer coerção são necessidades fundamentais.
Estou completamente de acordo com
Kamel Daoud quando ele diz que o mundo árabe vive uma situação de miséria
sexual generalizada, particularmente para as mulheres, cujas exigências
sexuais, se não têm como fim a reprodução, são simplesmente ignoradas. Mulheres
que são submetidas ao imperativo da virgindade antes do casamento e, depois, à
passividade. Mulheres cujo corpo é submetido a tal controle social que não
podem ter plenamente o papel de cidadãs.
Sendo a tal ponto
"sexualizada", exortada ao silêncio ou à expiação, a mulher é negada
como indivíduo. É apenas esposa, filha, irmã, mãe. Resta inventar a mulher que
não pertence a ninguém, que deve responder pelas suas ações apenas como um
cidadão qualquer, e não em função do seu sexo. A mulher que possa se libertar
da qa'ida, isto é, da norma, do costume admitido por todos. Uma mulher cujo
sexo não pertença senão a si mesma.
Fonte: Ihu
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