Todas as pessoas, mas em especial
pais e mães criando meninos e meninas, podem tomar ações concretas para que os
adultos de amanhã cresçam livres de estereótipos, possam desenvolver seu
potencial e não se vejam limitados por seu gênero. Os primeiros anos de vida
são críticos para alimentar o desenvolvimento cognitivo e socioemocional de
meninos e meninas.
Por Clara Alemann
É nesse período que eles
constroem sua identidade através dos laços que estabelecem com os adultos e os
modelos de relacionamento que observam. Também aprendem, através das pautas da
criação, quais comportamentos, gostos e habilidades são esperados em função de
seu gênero.
Há seis ações que podem
contribuir para a redefinição dos papéis de gênero e transformar gradualmente
as normas sociais que sustentam as desigualdades, desde a primeira infância. Se
cada um de nós se comprometer com ao menos uma dessas normas, entre todos
poderemos fazer a diferença.
1. Dar o exemplo como pais e
mães, compartilhando as responsabilidades de cuidado e as tarefas domésticas,
tratando-se com respeito e valorizando o trabalho não remunerado
independentemente de quem o realize, já que, como mostra esta efetiva campanha
na Índia, os padrões de gênero são transmitidos de geração em geração. As
crianças que crescem em lares onde os progenitores dividem as responsabilidades
laborais e familiares, respeitando-se mutuamente, têm maiores chances de
reproduzir relações equitativas na vida adulta.
2. Incentivar jogos, brinquedos e
livros não sexistas, que não segreguem e categorizem espaços, temas, atividades
e papéis para meninos e meninas. A existência de seções divididas em livrarias
e lojas de brinquedo para meninos e meninas pode parecer inofensiva, mas seu
impacto não termina ali. Desestimular uma menina a ler um livro sobre
dinossauros ou espaço porque está rotulado para garotos pode fazer com que, no
futuro, essa menina não escolha uma carreira porque é para homens.
Um estudo recente do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) que analisa textos escolares no Chile
conclui que ainda há muito a fazer para os materiais que reflitam um tratamento
equitativo de personagens femininos e masculinos. Também mostra que ainda
persiste a divisão sexual do trabalho, maior protagonismo e presença de
personagens masculinos e papéis de gênero estereotipados. Os personagens
masculinos são autossuficientes e ambiciosos, lideram e assumem riscos,
enquanto os personagens femininos se destacam por sua emotividade, funções de
cuidado e proteção dentro da esfera privada e são excluídos dos campos político
e científico.
Como sugere um manual para a
inclusão de gênero nas etapas iniciais do ensino, elaborado pelo Instituto
Nacional das Mulheres do Uruguai, também podemos revisar canções e jogos
tradicionais, que frequentemente têm um forte conteúdo sexista, e reinventá-los
para promover a igualdade. Por exemplo, há uma canção popular que diz: “Arroz
com leite, quero me casar com uma senhorita... que saiba cozinhar, que saiba
passar...” Em vez disso, podemos cantar: “Arroz com leite, quero me encontrar,
com amigos e amigas para brincar, que saibam correr, que saibam pular, que
cantem e dancem para desfrutar.”
3. Assegurar que tanto meninos
como meninas aprendam e gradualmente assumam responsabilidades relativas ao
cuidado, à organização e à limpeza, além de tomar decisões, liderar
iniciativas, expressar opiniões e resolver problemas apropriados para a sua idade.
4. Opor-se a qualquer piada
sexista, comentário pejorativo ou que reforce papéis estereotipados de gênero.
Isso inclui, por exemplo, perguntar a um menino de quatro anos quantas
namoradas ele tem. Rir dele porque tem medo. Ou criticar uma menina porque se
mostra dominante, expressa suas opiniões energicamente ou não se preocupa com a
aparência.
5. Incentivar as meninas a
aprender matemática e a enfrentar os preconceitos inconscientes de que a
matemática não é para elas. Em muitos países, o desempenho das garotas em
matemática é pior que o dos garotos; elas costumam pensar que não são boas e
perdem o interesse pela matéria. Isso é reforçado pelos adultos (na casa e na
escola), o que repercute mais tarde no baixíssimo número de mulheres que
escolhem carreiras nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Em vez disso, elas seguem carreiras de humanas com remunerações mais baixas.
Tikichuela, um programa inovador
de matemática para crianças da pré-escola implementado pelo Ministério de Educação
do Paraguai, conseguiu eliminar a brecha inicial de gênero no aprendizado
assegurando que os docentes incluíssem obrigatoriamente as meninas para
participar do curso. Adaptar os processos de aprendizagem em sala de aula,
criando grupos de trabalho só de meninas e só de meninos, reconhecendo que
meninos e meninas aprendem de maneiras diferentes, também são iniciativas que
dão bons resultados.
6. Oferecer oportunidades para
que as meninas assumam riscos e realizem atividades físicas (trepar, rastejar,
fazer equilíbrio), embora possam estar fora de sua zona de conforto, pois essas
atividades ajudam no desenvolvimento de destrezas físicas, confiança e
autoeficácia para enfrentar desafios e novas situações. Superproteger as
meninas e insistir que tenham cuidado – em vez de incentivá-las a superar o
temor e desenvolver coragem, como é feito com os meninos –, pois existe a ideia
de que são frágeis, faz com que evitem atividades fora de sua área de
comodidade e não se preparem para ser protagonistas de sua vida.
Começa em casa a construção de
sociedades igualitárias onde as meninas não cresçam em desvantagem e tenham as
mesmas oportunidades que os meninos. Cada um de nós pode fazer algo concreto
para apoiar as meninas, que logo serão mulheres, a ampliar suas aspirações e
desenvolver aptidões e habilidades para alcançar suas ambições.
Clara Alemann é especialista em
elaboração e gestão de programas de desenvolvimento social com uma perspectiva
de gênero na Divisão de Proteção Social e Saúde do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
Fonte: El Pais
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