A Igreja precisava regulamentar,
controlar desde o namoro às relações conjugais. Gestos miúdos de afeto, como o
beijo, eram controlados por sua “deleitação natural e sensitiva”, sendo
considerado “pecado grave porque é tão indecente e perigoso”. Além de evitar
beijos, – os temidos “ósculos” -, devia-se estar em guarda contra as sutilezas
das menores expressões de interesse sexual que não conduzissem ao que era
chamado de “coito ordenado para a geração”. Dentro destas relações, quase não
havia espaço para o amor erotizado e as mulheres se entregavam aos maridos por
amor a Deus.
Por MARY DEL PRIORE, do História
de Hoje
Tudo indica que ao final do
século XVIII, alguns casais já tivessem incorporado as ideias da Igreja. E
sobre o assunto, não foram poucos os depoimentos. Em 1731, por exemplo, certa
Inácia Maria Botelho, paulista, parecia sensível ao discurso da Igreja sobre a
importância da castidade, pois se negava a pagar o débito conjugal ao marido.
Alegando ter feito votos quando morava com sua mãe e inspirada do exemplo das
freiras recolhidas em Santa Teresa, se viu estimulada por esta virtude. Sobre o
seu dever conjugal, contava o marido, Antônio Francisco de Oliveira ao juiz
eclesiástico que na primeira noite em que se acharam na cama, lhe rogara a
esposa que “a deixasse casta daquela execução por uns dias”, pois tinha feito
votos de castidade.
Casos de desajustes conjugais
devido à pouca idade da esposa não foram raros e revelam os riscos por que
passavam as mulheres que concebiam ainda adolescentes. Há casos de meninas que,
casadas aos 12 anos, manifestavam repugnância em consumar o matrimônio. Num
deles, o marido, em respeito às lágrimas e queixumes, resolvera deixar passar o
tempo para não violentá-la. Escolástica Garcia, outra jovem casada aos nove
anos, declarava em seu processo de divórcio que nunca houvera “cópula ou
ajuntamento algum” entre ela e seu marido, pelos maus-tratos e sevícias com que
sempre tivera que conviver. E esclarecia ao juiz episcopal que “ela, autora do
processo de divórcio em questão, casou contra sua vontade, e só por temor de
seus parentes”. Confessou também que, sendo tão “tenra […] não estava em tempo
de casar e ter coabitação com varão por ser de muito menor idade”.
Os casos de casamentos contraídos
por interesse, ou na infância, somados a outros em que idiossincrasias da
mulher ou do marido revelam o mau estado do matrimônio, comprovam que as
relações sexuais dentro do sacramento eram breves, desprovidas de calor ou
refinamento. Cada vez mais se evidencia o elo entre sexualidade conjugal e
mecanismos puros e simples de reprodução. Maria Jacinta Vieira, por exemplo,
bem ilustra a valorização da sexualidade sem desejo. Ela se recusava a copular
com seu marido “como animal”. Bem longe já se estava dos excessos eróticos
cometidos quando das primeiras visitas do Santo Ofício à Colônia. Na Bahia do
século XVI, Inês Posadas não parecia então muito preocupada em ter sido
denunciada pelo fato de seu amante, durante o coito, retirar o membro de sua
vagina para sujar-lhe a boca. O comportamento de Maria Jacinta ilustrava um
consenso do Antigo Regime, verbalizado por Montaigne. A esposa devia ignorar as
febres perversas do jogo erótico.
E como funcionava o matrimônio?
Os casados desenvolviam, de maneira geral, tarefas específicas. Cada qual tinha
um papel a desempenhar frente ao outro. Os maridos deviam se mostrar
dominadores, voluntariosos no exercício da vontade patriarcal, insensíveis e
egoístas. As mulheres por sua vez, apresentavam-se como fiéis, submissas,
recolhidas. Sua tarefa mais importante era a procriação. É provável que os
homens tratassem suas mulheres como máquinas de fazer filhos, submetidas às
relações sexuais mecânicas e despidas de expressões de afeto. Basta pensar na
facilidade com que eram infectadas por doenças venéreas, nos múltiplos partos,
na vida arriscada de reprodutoras. A obediência da esposa era lei.
Mary del Priore. “Histórias da
Gente Brasileira: Colônia”. Editora LeYa, 2016.
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