Gianni Vattimo diz que Bergoglio
surge para livrar a Igreja do suicídio. O espírito provocador do Papa suscita
revoluções, embora ainda tenha muito a trilhar.
Na perspectiva de Gianni Vattimo,
a Igreja Católica caminhava dura e firmemente para um abismo. De lá,
provavelmente se jogaria, presa às suas convicções. Isso, até que surge
Bergoglio e começa a mudar esse curso da história. “Os dois primeiros anos do
pontificado de Francisco me parecem um grande milagre do Espírito Santo,
especialmente porque eles salvaram a Igreja do suicídio que parecia próximo dos
Papas anteriores”, diz em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. O
filósofo ainda destaca o espírito revolucionário de Francisco. “O Papa diz aos
jovens para hacer lio, criar confusão. Ou seja, ter um pouco de espírito
anárquico, em um mundo cada vez mais integrado e controlado pelo poder
econômico e militar”, destaca.
No entanto, Vattimo reconhece que
um dos grandes desafios do Papa é uma revolução de fato. Isso porque a primeira
batalha se dá “dentro de casa”. “Francisco pode ajudar na transformação da
sociedade, para que ela se torne mais humana. Isso se o Papa for capaz de
revolucionar, antes de tudo, a Igreja”, pondera. Ele também aponta questões que
precisam evoluir na gestão bergogliana de uma entidade conservadora e
patriarcal. “Em termos de relações de gênero ainda falta um passo decisivo, a
admissão das mulheres ao sacerdócio. E também a questão do celibato clerical.
Um ponto muito delicado para a vida dos padres.”
Gianni Vattimo é filósofo e
político italiano, considerado como um dos expoentes do pós-modernismo europeu.
Discípulo de Luigi Pareyson, graduou-se em Filosofia, na cidade de Turim, em
1959. Especializou-se em Heidelberg, Alemanha, com Karl Löwith e Hans-Georg
Gadamer, cujo pensamento introduziu na Itália. Em 1964, tornou-se professor de
Estética na Universidade de Turim e, a partir de 1982, de Filosofia Teorética.
De sua produção intelectual, destacamos, Acreditar em acreditar (Lisboa:
Relógio D’Água, 1998); Depois da cristandade. Por um cristianismo não religioso
(São Paulo: Record, 2004); e O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na
cultura pós-moderna (São Paulo: Martins Fontes, 1996).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em termos gerais,
como avalia os dois primeiros anos do pontificado de Francisco?
Gianni Vattimo - Os dois
primeiros anos do pontificado de Francisco me parecem um grande milagre do
Espírito Santo, especialmente porque, em certo sentido, eles salvaram a Igreja
do suicídio que parecia próximo aos Papas anteriores. Suicida, me parecia,
então, a pretensão de impor uma moral fóbica sexual, tanto pelo interesse em
atividades econômicas conhecidas, quanto pelos escândalos do banco do Vaticano.
Em ambas as questões, Francisco mostrou sinais de mudança radical.
IHU On-Line - Quais são seus
avanços e limites?
Gianni Vattimo - Os progressos
são os que eu citei acima, embora até agora não tenha visto resultados em
termos de dogma e disciplina eclesiástica. É verdade que o Papa parou de falar
constantemente de contracepção, preservativos, etc. Mas em termos de relações
de gênero ainda falta um passo decisivo, a admissão das mulheres ao sacerdócio.
E também a questão do celibato clerical. Um ponto muito delicado para a vida
dos sacerdotes.
IHU On-Line - Ao falar de
indiferença e ternura, o Papa Francisco invoca, respectiva mas indiretamente, a
Gramsci e Che Guevara. Como essas referências permeiam os dois
primeiros anos de seu Papado?
Gianni Vattimo - Não me parece
exagerado aproximar o Papa a Gramsci e a Che Guevara. Na verdade, um ato que
não parece exagerado seria a beatificação, além de Dom Romero, do próprio Che
Guevara. Mas eu percebo que seria esperar muito. Eu vejo poucas razões para
aproximar Gramsci ao Papa, na verdade, eu nunca havia pensado sobre isso,
embora a ideia gramsciana de hegemonia pode se aproximar à noção de uma transformação
espiritual da vida social que o Papa também quer promover.
IHU On-Line - Em que medida o
“pensiero debole” se apresenta agora
como uma dobra do pensamento sacramental?
Gianni Vattimo - Certamente
insistir na caridade e na misericórdia, a atenção aos necessitados, a rejeição
à guerra, são elementos que aproximam o pensamento fraco à pregação Papal. Eu
diria mais: o pensamento fraco é acima de tudo um pensamento que rejeita a
metafísica absoluta, e até mesmo os religiosos absolutistas. Eu não vejo
Francisco dizendo, por exemplo, que "fora da Igreja não há salvação",
condenando ao inferno pessoas como o Dalai Lama, por exemplo. Não que Francisco seja um homem
de pouca fé, eu acho, mas a caridade nele se sobrepõe à verdade, e isto,
guardadas as devidas proporções, sustenta o pensamento fraco.
IHU On-Line - Ao falar sobre a
globalização da indiferença, em que medida Francisco evoca a categoria da
solidariedade, importante na filosofia que o senhor desenvolve?
Gianni Vattimo - Insistindo na
solidariedade, Francisco simplesmente faz o seu trabalho, retoma e enfatiza os
valores centrais da tradição cristã, embora muitas vezes sejam obscurecidos
pela prática da Igreja. Estes são os valores cristãos que alimentam o
pensamento fraco, que eu sempre concebi como uma "aplicação" ou uma
tradução filosófica do Evangelho.
IHU On-Line - Em que sentido
essas características refletem um viés revolucionário no trono de Pedro?
Gianni Vattimo - Certamente, em
muitos aspectos Francisco parece um Papa "revolucionário". Alguns até
mesmo o acusam de ser simplesmente um comunista. Eu não sei se é, mas deveria
ser, especialmente agora que o ideal comunista foi arruinado pelas práticas de
"comunismo real", o stalinismo e o totalitarismo soviético. Também
gosto de falar que os horrores dos regimes comunistas foram produzidos
principalmente pela pretensão de imitar de forma acelerada a sociedade
capitalista e a sua estrutura industrial. Quanto à revolução, Francisco pode
ajudar na transformação da sociedade, para que ela se torne mais humana. Isso
se o Papa for capaz de revolucionar, antes de tudo, a Igreja. A Igreja
"franciscana" é o primeiro passo no sentido de uma presença política
dos cristãos, capaz de levar a cabo o fim da alienação.
IHU On-Line - Para além de seu
impacto eclesiástico, qual é a importância política de Francisco?
Gianni Vattimo - Eu não sei
quantas divisões tem o exército do Papa, como Stalin perguntava ironicamente. O
seu peso político no "concerto das nações" é difícil de avaliar. Ele
pode produzir nos cristãos ao redor do mundo uma transformação espiritual e
cultural que lhes tire a ideia de serem defensores da ordem existente. O Papa
diz aos jovens para hacer lio, criar confusão. Ou seja, ter um pouco de
espírito anárquico, em um mundo cada vez mais integrado e controlado pelo poder
econômico e militar. Anarquia com o único limite da caridade.
IHU On-Line - Vindo do “fim do
mundo”, em que medida Francisco traz uma nova perspectiva e um ethos
característico do Terceiro Mundo à Igreja?
Gianni Vattimo - Francisco é de
qualquer forma um Papa — então podemos esperar muito dele, mas não tudo (uma
frase de Claudel : "a nós sacerdotes supremos um passo maior não é
permitido"). Não só a doutrina mas também a Cúria colocam limites difíceis
de ultrapassar. A santificação de Che Guevara ainda está longe. Mas o fato de
vir de muito longe é importante, no fundo é o Papa mais próximo da Teologia da
Libertação.
IHU On-Line - Hoje, qual é o
sentido e o desafio de ser cristão e católico?
Gianni Vattimo - Eu repetiria o
que disse acima: no mundo de hoje é importante criar confusão, não permitir que
esqueçamos o ser, como diria Heidegger.
Isto é, que tudo esteja raso no funcionamento da grande máquina do
capitalismo. Hacer lio também significa sentir que se pode ir para outro mundo,
tanto para o futuro revolucionário quanto, se houver, para a vida eterna.
IHU On-Line - Como analisa os
esforços de Francisco em promover o diálogo inter-religioso e a fraternidade
entre diferentes confissões?
Gianni Vattimo - O diálogo
inter-religioso sempre me deixa muito intrigado: não acho que exista uma única
verdade na base das várias doutrinas religiosas, também não sei se vale a pena
pensar sobre a conversão dos povos — que, afinal, até agora têm seguido os seus
soberanos, começando por Constantino. Mas esses diálogos servem para limitar o
fanatismo, para diminuir um pouco o peso da fé em favor da caridade.
Fonte: Ihu
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