Muçulmanas rezam diante da Grande
Mesquita de Meca, em 2009 / Mahmud Hams (AFP)
A aventura das mulheres europeias
que trabalham num dos países mais misóginos do mundo.
“Neste país você necessita de um
homem”, resume Vega Gutiérrez, uma das engenheiras espanholas que trabalham na
construção do metrô de Riad. “Este país” é a Arábia Saudita, onde as mulheres
são proibidas de dirigir e não podem estudar, viajar ou submeter-se a uma
intervenção médica sem a permissão do homem que detenha sua tutela, e ainda
devem ocultar seus corpos sob túnicas negras chamadas abayas. Mas nem essas
restrições, nem a má imagem do Reino do Deserto desanimaram essas pioneiras
frente a um desafio profissional tão importante para elas quanto para seus
anfitriões.
Gutiérrez se refere aos problemas
de mobilidade, como não poder pegar um carro para visitar outros pontos da
obra, fazer a compra semanal ou chegar a um restaurante. Essa engenheira de
estradas de Salamanca é a responsável pela linha 5 e representante de uma das
três construtoras do consórcio internacional liderado pela espanhola FCC. Com a
experiência de 15 meses em Riad, ela admite que tem sorte por seu marido
trabalhar no mesmo projeto. Isso lhe dá maior independência fora do ambiente de
trabalho.
“O motorista se tornou minha sombra”, comenta,
por sua vez, Berta Tapia, chefa do departamento de Topografia da mesma linha,
cujos marido e filhos ficaram em Barcelona. “Mas o problema não é só de
mobilidade; se você não tem marido, não pode se relacionar socialmente com
outros homens e colegas de trabalho”, acrescenta.
As dificuldades são às vezes
sutis e, para mulheres acostumadas a liderar equipes, tornam-se difíceis de
suportar. Contam que os colegas sauditas resistem a se dirigirem a elas e,
quando o fazem, não as olham diretamente. “Não têm o costume porque eles
[mulheres e homens] não se falam entre si, mas pouco a pouco estão se
habituando. E você também aprende a não dar a mão se eles não oferecerem as
deles primeiro”, observa Almudena Álvarez, engenheira de estradas que dirige o
departamento de projetos. “Em sua mentalidade, nós não existimos. Eles ainda
estão aprendendo.”
Isso tudo supera o anedótico.
Também afeta a organização do trabalho. “Não há a liberdade que temos em outros
países de convocar uma reunião, mas isso se pode resolver, fazendo o pedido por
meio de um colega, por exemplo”, reconhece Gutiérrez. “É preciso adotar uma
atitude diferente. Isso seria o fim do mundo em Madri, mas aqui tenho
consciência do lugar em que estou.”
Elas não foram pegas de surpresa.
Sabiam que vinham ao país mais conservador e misógino do Oriente Médio. Já
previam que as condições seriam difíceis, mas a oportunidade profissional falou
mais alto. “É um projeto muito ambicioso, e na Espanha atualmente não há muitas
obras de engenharia civil”, concordam.
Mais complicado é dar ordens ou
repreender alguém quando seu trabalho não está à altura do esperado. “Há um
fator cultural”, admite Álvarez. Essa nativa da cidade espanhola de Vigo, que
chegou há 10 meses, vinda do Panamá, já tinha notado a necessidade de ter mais
delicadeza ao fazer as críticas. “Os espanhóis são muito diretos, e isso é mal
interpretado”, afirma. “Quando cheguei, não podia sair para a obra, mas eu
preciso vê-la para fazer meu trabalho”, recorda Tapia, a topógrafa. “Não fico
fisicamente atrás da máquina [o teodolito ou estação total, com que são feitas
as medições], embora de vez em quando me esconda atrás da tuneladora para
conseguir uma vista com discrição”, confidencia antes de lembrar,
divertindo-se, que no primeiro dia rasgou a abaya porque se enganchou na
máquina.
Entretanto, elas estão
convencidas de que os sauditas não se revoltam com as ocidentais, contanto que
andem cobertas e sejam discretas. “Nós provocamos mais curiosidade do que outra
coisa”, afirma Vega.
Elas também notam certo esforço
para entender o fenômeno de mulheres presentes a uma obra. Na Arábia Saudita,
elas nem sequer podem estudar engenharia. Umas poucas corajosas estudaram fora,
mas ou trabalham na Aramco (a companhia nacional de petróleo) ou em tarefas de
escritório. Só em 2005 foi aberta a primeira faculdade de arquitetura numa
universidade feminina.
Essa segregação absoluta
defendida pelos sauditas mais puritanos também cria oportunidades para as estrangeiras.
É o caso de Sandra Yagüez, jovem topógrafa de outra empresa de engenharia que
está reformando e ampliando um campus universitário. “Durante o período das
obras, as mulheres, que serão as usuárias, não podem se comunicar com os homens
que estão trabalhando; por isso, quem cuida desse trabalho sou eu”, explica.
“É uma contradição: não deixam
entrar mulheres, mas precisam delas”, constata Yagüez, que teve que se casar
antes de instalar-se em Riad para poder morar com seu até então namorado. Na
obra ela tem um escritório separado de seus colegas e de início alguns desviavam
do caminho quando ela se aproximava. “Eu trabalho na sombra”, admite. Mas isso
não lhe tira o entusiasmo. “Pintaram um retrato tão feio antes de eu vir que,
estando aqui, nem parece tanto”, ressalta.
A mesma impressão tiveram suas
colegas da FCC. “No fim, usar a abaya é um mal menor; é como um uniforme”,
conclui Álvarez.
Fonte: El Pais
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