Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
“A lei em relação ao trabalho sexual não visa proteger a trabalhadora
dos exploradores, visa nos obrigar a trabalhar sozinhas e de maneira insegura e
inconstante. Por isso precisa ser mudada.”
Prostituta faz vaquinha para bancar Putadei em Porto Alegre
A pesar do nome parecer algo
escrachado para celebrar o Dia Nacional das Prostitutas, a vaquinha tem o
objetivo de financiar a vinda de palestrantes para a “Plenária Livre: Dia
Internacional da Trabalhadora Sexual”, que será realizada na Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul, no dia 9 de junho. Trata-se de um espaço para
discutir de forma concreta a regulamentação do trabalho sexual no Brasil.
Uma das principais organizadoras
desse evento, que deve acontecer pela primeira vez no Estado com a participação
prostitutas que estão na ativa é a garota de programa Monique Prada, que há
seis anos ganha a vida com sexo, mas que sempre teve contato com profissionais
do sexo e com a política durante sua vida.
Para bancar a vinda de
palestrantes Monique criou a vaquinha para arrecadar dinheiro para o transporte
das palestrantes, orçado em R$ 1,5 mil, e cuja meta está quase alcançada.
De acordo com ela a ideia do
encontro é debater “sobre a regulamentação sobre a questão do preconceito, do
estigma”, vencendo o temor de vir à público para debater sobre uma profissão
que é empurrada para a clandestinidade e invisibilidade.
“Ainda é bem difícil de mobilizar
porque a gente costuma trabalhar às escondidas. Tem gente que esconde de mãe a
pai, muito pelo estigma, mas temos nos organizado bastante em termos de Brasil,
América Latina e é um movimento que está crescendo muito rapidamente”, afirma
Monique.
A regulamentação da profissão é discutida
no Congresso por meio do Projeto de Lei 4211/2012, de autoria do deputado
federal Jean Willys (Psol-RJ). Atualmente a proposta está na fila
(http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/recebendo-indicacoes)
para a criação de uma comissão especial para debater o tema.
Leia a entrevista com Monique:
Monique Prada começou a trabalhar como garota de programa
aos 19 anos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Terra: Qual é o objetivo da
vaquinha?
Monique Prada: A vaquinha cobre
as passagens das debatedoras, o resto a gente tá atrás ainda.
Terra: Como vai ser esse
encontro?
Monique Prada: Nós vamos fazer um
debate sobre a regulamentação sobre a questão do preconceito, do estigma.
Terra: Como é para mobilizar as
prostitutas para uma discussão como essas?
Monique Prada: Ainda é bem difícil
de mobilizar, porque a gente costuma trabalhar às escondidas. Tem gente que
esconde de mãe a pai, muito pelo estigma, mas temos nos organizado bastante em
termos de Brasil, América Latina e é um movimento que está crescendo muito
rapidamente.
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
Prostituta faz vaquinha para
bancar Putadei em Porto Alegre
Foto: Arquivo Pessoal /
Divulgação
Terra: Quem trabalha na rua ou
por agência desempenha sua atividade sozinha ou tem aquela história de que tem
um cafetão por trás?
Monique Prada: A legislação sobre
o trabalho sexual é toda voltada para nos obrigar a trabalhar sozinhas. A
Constituição de 88 prevê que todos os trabalhadores podem atuar por meio de
cooperativa e atuar desse modo, exceto as trabalhadoras sexuais. Porque o trabalho
sexual ainda faz parte do código penal. E precisa sair de lá para que as
pessoas possam trabalhar em paz. As casas todas funcionam dia e noite, mesmo
ilegalmente, e isso precisa ser regulamentado...
A lei em relação ao trabalho
sexual não visa proteger a trabalhadora dos exploradores, visa nos obrigar a
trabalhar sozinhas e de maneira insegura e inconstante. Por isso precisa ser
mudada.
Por exemplo, se eu alugasse um
apartamento e trabalhasse com uma amiga, uma colega, mesmo não recebendo
nenhuma parcela do lucro dela, ambas estaríamos incorrendo em crime porque
aquilo seria visto como associação para prostituição.
A lei só aceita o teu trabalho
individual. E a ideia da lei é óbvia, é desestimular o trabalho sexual. A lei
mais moderna sobre o trabalho sexual é de 1942, então ela já pode ser mudada.
Mas também não pode ser mudada para pior, como alguns grupos feministas
pretendem. Adotando o modelo sueco (que visa criminalizar a prostituição) e
outras maneiras de repressão do trabalho sexual.
É difícil fazer as pessoas
entenderem que a prostituição é um trabalho por conta da questão moral que vem
junto?
Eu não gosto de dizer que é um
trabalho como qualquer outro porque todo o trabalho tem suas particularidades.
Mas é um trabalho. É muito difícil fazer com que as pessoas compreendam que
você usa sexualidade para ganhar a vida, e que você goste disso, não goste, ou
que essa seja sua melhor opção.
E é uma posição estranha quando
você defende a regulamentação de direitos para a trabalhadora doméstica, que
merece, e ao mesmo tempo procura invisibilizar a trabalhadora sexual, que tem
um grau de vulnerabilidade tão grande quanto. Então é uma questão de moralismo.
Terra: De onde saiu esse teu
engajamento?
Monique Prada: Foi quando eu
comecei a ler sobre o assunto, há uns quatro, cinco anos. Mas na verdade eu
sofri uma chantagem em um antigo relacionamento, caso eu não tomasse uma
determinada atitude. E a partir daí decidi que eu iria me expor. E passei a me
expor e estudar a questão, além de ser muito desconfortável você viver
escondida, e a partir dai começou a militância.
Eu fui militante (política)
durante a adolescência toda até começar com o trabalho sexual, dai comecei a me
envolver com questões do meu trabalho e me afastei. Me reaproximei da militância
faz uns 3 anos, mas sempre foi difícil de impor as minhas pautas.
Terra: Há quanto tempo tu
trabalha como prostituta?
Monique Prada: Há muito tempo...
com regularidade há seis anos. Mas eu sempre tive proximidade com o tema e com
o meio. Minha tia era prostituta. Trabalhei por um tempo, casei, voltei,
enfim...
Terra: É a primeira vez que se
realiza um evento assim?
Monique Prada: Não. É a primeira
vez que isso acontece no Rio Grande do Sul. Mas participei de eventos
organizados pelo governo passado para debater, mas não com prostitutas. O
evento pelo Dia Nacional das Prostitutas é a segunda vez que acontece, o
primeiro foi organizado pelo Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção da Aids) em 2004.
Terra: Como é o engajamento das
prostitutas para um evento como esses?
Monique Prada: Depende. A gente
já fez trabalhos de rua e teve uma receptividade boa. Mas o fato é que está
todo mundo envolvido com o seu trabalho, procura não se expor e acaba se
afastando um pouco.
Mas a gente tem apoio, tem local,
tem um canto para debater, e com certeza existe interesse. A gente teve muita
atuação durante a Copa, divulgando o PL Gabriela Leite (projeto de lei do
deputado federal Jean Willys que visa regulamentar a atividade das
profissionais do sexo) e parece que a recepção foi excelente.
Terra: Você acredita que possa
surgir um movimento que venha a lutar pela regulamentação da profissão de
prostituta?
Monique Prada: Com certeza, são
muitas trabalhadoras no mundo, no País. Internacionalmente tem o Strass, que é
o nosso sindicato na França, e nada impede que se faça o mesmo aqui no Brasil.
Aqui no País temos a Rede Brasileira de Prostitutas, mas ela tem um alcance
ainda limitado. Mas também tem a articulação Norte e Nordeste e elas ajudam
muito. O Brasil é um lugar muito grande, então é uma questão de entrosamento.
Para que tu possa ter uma ideia,
tem a AMMAR, que é a Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina, e elas
lançam candidata na eleição, que é a Georgina Orellano, candidata ao parlamento
e com bastante chance de ser eleita.
Então, não é um movimento fraco, é um movimento um pouco invisibilizado,
mas não é fraco.
Fonte: Terra
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