A prostituição, sem legislação no país, é mais uma fonte de
suborno para a Polícia Nacional.
São duas situações que parecem longe de regularização, a
prostituição e a “gasosa” policial entram agora em conflito. Para quando
medidas de resolução de mais duas situações sociais que parecem não ter lugar
numa agenda nacional? Todos os nomes abaixo são fictícios.
Na zona do Grafanil, na estrada de Catete, as prostitutas
reclamam do comportamento de alguns agentes da Polícia Nacional, que
constantemente têm criado dificuldades ao seu dia-a-dia. Em Angola, ainda não
há qualquer lei que regule a atividade, pelo que as mulheres dizem-se livres de
exercer o negócio onde quiserem, desde que não pratiquem atos sexuais em
lugares públicos. Em declarações ao Rede Angola, queixaram-se dos agentes da
Polícia Nacional frequentemente a dispersarem sob ameaças. Aquelas que
desobedecem, são conduzidas a locais ermos, onde devem pagar a “multa”: uma
“gasosa”.
Há oito anos na prostituição, Paula Mateus contou que, nos últimos
dias, se vê obrigada a regressar a casa sem um tostão por conta da
insensibilidade manifestada pelos agentes da ordem pública. Nas suas
repreensões, revelou a jovem, os agentes usam atitudes e termos grosseiros.
“Não têm o mínimo de respeito. Quando chegam aqui, tratam-nos muito mal, como
se fôssemos marginais. Muitas vezes, para nos deixarem trabalhar à vontade,
somos obrigadas a pagar uma multa de kz 2 mil. É triste ver a nossa polícia a
trabalhar assim tão mal”, atesta a jovem de 24 anos. Apesar do comportamento
intimidatório dos agentes, as prostitutas não denunciam agressões além da
ameaça verbal.
Júlia Sacaita, natural do Bié, fez saber que quando é
abordada pela polícia e não tem dinheiro para pagar a multa, por causa da
pressão, vê-se obrigada a pedir empréstimo às outras colegas. “Agora imagina, a
pessoa faz dívidas e depois não sabe como pagar porque o nosso negócio é esse
que a própria polícia está estragar”.
Entretanto, de acordo com as várias mulheres, cuja média de
idade ronda os 25 anos, a polícia alega que o local não pode ter movimento de
certas atividades, entre elas, a da prostituição, por ser um espaço onde
circulam vários tipos de transeuntes, devido os estabelecimentos comerciais
e zungueiras. As trabalhadoras
consideram isso uma “aberração”, porque supostamente não há nada em papel que
justifique essa medida proibitiva. O Rede Angola tentou ouvir comerciantes e
zungueiras daquela área, mas estes não quiseram pronunciar-se, manifestando
indiferença.
“É uma autêntica aberração quando nos vêm dizer que a gente
passa uma imagem negativa do local. A própria polícia sabe que por aqui
circulam assaltantes, bêbados, violadores, entre outro tipo de pessoas. Porque
só se metem conosco?”, questiona Solange Pedro, 29, prostituta há três anos.
As mulheres explicaram ao Rede Angola que trabalham por
conta própria, sem a interferência de proxenetas. Elas concentram-se à beira da
estrada a partir das 19 h e, após um contato bem-sucedido, entram nas viaturas
dos clientes ou conduzem-nos a um terreno abandonado nas imediações, onde as
construções inacabadas lhes garantem uma certa discrição.
A zona
O local onde as
meninas se prostituem é o espaço adjacente ao conhecido restaurante e pensão
Bela Vista. Ali se regista um intenso movimento de pessoas e viaturas que a
toda a hora circulam. Nas imediações, há ainda uma feira de comes e bebes que,
devido ao ambiente, com música alta e venda desregrada de álcool, atrai muita
gente.
De acordo com as raparigas, as características que o espaço
oferece alicia a clientela para o negócio do sexo. Desta forma não pretendem
arredar pé, nem mesmo com a persuasão insistente da polícia.
“Não pretendemos sair daqui. Sobretudo por causa dos
clientes. Quando saem da feira, já todos embriagados, apetece-lhes estar com
uma de nós, então não temos como abandonar este espaço. Por mais que a polícia
nos siga, continuaremos a fazer aqui o nosso negócio”, desafia Suzeth,
prostituta há seis anos.
Já os clientes, em conversa com o Rede Angola, também
confirmaram que as raparigas, naquele local, em nada atrapalham. “Por acaso já
vi muitas vezes a polícia a prender as meninas por se prostituírem aqui. Não
sei bem se é o mais certo comportamento dos agentes, mas penso que estas jovens
constituem uma ajuda para quem precisa de um sexo eventual”, conta um cliente
que não quis ser identificado.
A visão da sociedade
Para o activista de Direitos Humanos, Simão Faria, da
organização não-governamental Associação de Reintegração de Jovens/Crianças na
Vida Social (Scarjov), na falta de uma legislação que regule o comércio do sexo
no país, estas mulheres podem contar com a Constituição da República para as
proteger. “A Constituição angolana promove e defende os direitos e liberdades
fundamentais de todos os angolanos, quer como indivíduos quer como membro de
grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua
efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial. Não se pode
retirar estas mulheres compulsivamente das ruas sem antes serem criadas
condições de trabalho. Porque elas invocam que só se prostituem por falta de
emprego ou como meio de subsistência. E diante destas necessidades, a
sociedade, a própria polícia, não pode ser repreender sem antes apresentar
alternativas”.
De acordo com o activista, a actuação da polícia deve ser no
sentido mais didáctico. Nunca destratá-las. “Até porque elas exercem a sua
actividade para todo o tipo de pessoas. Então, os agentes da ordem devem actuar
com certos limites, deixá-las à vontade, desde que não atentem contra a
organização e harmonia social”.
Para o sociólogo Adalberto Bento, a cobrança de “gasosa”
constitui má fé dos agentes policiais, até porque são pagos pelo Estado para
manterem a ordem pública sem necessidade de recorrerem a estas fontes indignas
para ganhar dinheiro. “Mas estamos perante acusações e é preciso a boa
avaliação dos factos para não se retirar conclusões erradas”.
O Comando Provincial da Polícia de Luanda, através do seu
Gabinete de Comunicação e Imagem, avançou que vai apurar a situação. A fonte
pediu calma às raparigas e uma atitude cívica perante o comportamento dos
agentes. Questionada uma segunda vez para saber se havia uma evolução da
investigação a respeito do comportamento dos agentes, o Gabinete preferiu não
se pronunciar.
Um só negócio,
histórias diferentes
Apesar de estarem no mesmo negócio, estas mulheres trazem
consigo histórias de vida completamente diferentes. Júlia Sacaita contou que
pratica a actividade devido ao comportamento do marido, que a abandonou com
dois filhos.
“Saímos do Kuíto para Luanda com a intenção de ganharmos a
vida. Mas uma vez cá, ele começou a trabalhar e decidiu abandonar-me com as
crianças, sem apoio. Como não conheço ninguém por cá, a única saída foi mesmo
me prostituir, ou então os meus filhos morreriam de fome”, explicou. Júlia
chegou a trabalhar como babá, mas ganhava apenas kz 20 mil por mês.
A jovem revelou ainda que trabalha todos os dias da semana,
das 20 h à meia-noite. Nos “melhores dias” atende uma média de dez clientes, e
o valor cobrado oscila entre os kz 1,5 mil e os 2 mil. Em meses de maior
movimento, o valor pode chegar a mais de kz 30o mil por mês. “Com os valores
que ganho já consigo sustentar os miúdos e pagar a casa onde vivemos. Tenho
esperança, sim, de um dia vir a largar este negócio, mas preciso de algo que dê
para sustentar a família”.
Por seu turno, Paula Mateus contou que entrou no negócio
depois de perder o emprego. Com o marido desempregado e uma filha para
sustentar, a mesma frisou ter-se sentido esgotada e a única alternativa que lhe
apareceu foi a prostituição. A questão da segurança é outro aspecto que a mesma
revela ter sempre em conta. “O meu marido sabe que me prostituo, mas ele
entende porque faço isso para sobrevivermos. Por isso tento arduamente
cuidar-me, usando o preservativo. Aliás, todas nós o tentamos fazer. E se a
polícia continuar com esta atitude não sei o que será de nós”.
Sem preservativo é
mais caro
O preço do sexo
naquele perímetro ronda os kz 1,5 mil, mas as raparigas foram unânimes em
admitir que se o cliente quiser manter uma relação sem preservativo este valor
pode disparar para até kz 8 mil. Paula Mateus disse que tenta se proteger, mas
há dias nos quais não o faz por conta de ofertas “tentadoras” dos clientes. “Há
clientes que só gostam mesmo de fazer sem preservativo. E devido ao dinheiro
que eles garantem, muitas vezes não temos como negar. Quando eu faço sexo sem
preservativo procuro não contar ao meu marido. Porque perco a coragem e receio
a forma como ele pode vir a reagir”.
De acordo ainda com a comerciante, desde que entrou no
negócio, nunca fez os testes de VIH/SIDA. ”Devido ao risco, prefiro não fazer
os exames, porque os resultados podem ser desastrosos. Se um dia eu estiver
contaminada, vou preferir morrer na inocência”.
Júlia Sacaita disse que sexo sem preservativo não sai a
menos de 10 mil kwanzas. Para ela, o sacrifício de arriscar a saúde deve ser
remunerado com um valor que justifique o risco. “Já fiz muitas vezes sem
preservativo, mas recebi valores altos. Não a menos de dez mil. Porque eu faço
isso para comer, então não posso me entregar de bandeja”.
Por seu turno, Solange Pedro disse que sem preservativo não
faz sexo. “Nem que o cliente me garanta uma fortuna, não aceito. Procuro
cuidar-me, usado o preservativo e fazendo os testes do VIH/SIDA com regularidade”.
Fponte: http://www.redeangola.info/
Nenhum comentário:
Postar um comentário