Na última segunda-feira, o UOL
Esporte publicou a reportagem "Driblando na Vila Madalena: quando o xaveco
é quase uma agressão sexual", relatando os assédios que sofriam as
mulheres em meio às multidões que se formavam para ver os jogos e festejar na
Vila Madalena, em São Paulo.
Driblando na Vila Madalena: quando o xaveco é quase uma agressão sexual
A Copa do Brasil foi a Copa das
Copas? Goleadas, zebras, hinos a capela e confraternização generalizada dizem
que sim. Mas esse clima de festa irrestrita, regada a álcool e, muitas vezes,
com pessoas falando línguas diferentes, teve um aspecto condenável que só as
mulheres viveram: o xaveco transformado em assédio sexual.
Em alguns casos, a agressão é
real. Mas acabava mascarada pelo clima de carnaval, de micareta, de ninguém é
de ninguém. Se no início da noite as torcedoras brasileiras mais exaltadas perguntavam
aos rapazes se eram "gringos" antes de se atirar aos braços daqueles
que respondiam "Yes", "Si" ou "Oui", com o nível
alcoólico subindo, o jogo mudava.
Qualquer mulher, estivesse ela
pronta para a balada, de vestidinho curto e decote, ou uniformizada como
repórter, de tênis, calça jeans e camiseta, virava um alvo. É preciso não só
desviar de homens embriagados, que tentam fechar a passagem com o próprio corpo
e roubar um beijo à força. Mas também ignorar provocações e xingamentos.
Ao desviar de um deles, ouvi uma
bronca: "O que foi? Está com medo de mim?" Estava: primeiro, porque
tentou me puxar à força. Segundo, porque gritou comigo, como se eu não tivesse
o direito de recusar a abordagem.
Toda mulher tem esse direito.
Além do mais, eu estava trabalhando. E a função exige olhos atentos, escaneando
a movimentação de torcedores, vendedores ambulantes, estrangeiros, varredores
de rua e policiais. E os olhares que, frequentemente, acabavam se cruzando,
para alguns frequentadores, eram sinal de disponibilidade. Mais de uma vez,
agarraram meus braços, puxaram meus cabelos: "Ô repórter!", "Ô
fotógrafa". Ao serem ignorados, os homens atiravam: "Sua
escrota".
Muitas mulheres cedem. Talvez por
vontade. Talvez para não levar esse tipo de repreensão. Conversei com uma moça,
cadeirante, que recebeu um beijo e carinhos de um desconhecido. "Preferia
que ele não me abordasse assim, né? É bem melhor quando o cara chega
conversando em vez de colocando a mão". Na esquina seguinte, menos de
cinco minutos depois, o mesmo rapaz estava aos beijos com uma loira vistosa.
A cena se repetia a cada
quarteirão, todos os dias: homens se aproximam de mulheres, forçam o contato,
tentam passar a mão no corpo e lutam para arrancar um beijo à força. Muitas
cedem e vão se desvencilhando aos poucos. Nem sempre conseguem se livrar do
contato forçado. Não dá para saber o quanto é consentimento e qual a parcela de
medo de uma retaliação em cada abordagem bem sucedida. Nesse ambiente, homens
rejeitados muitas vezes são agressivos. Aconteceu comigo.
A imprensa publicou reclamações
de mulheres contra estrangeiros agressivos na abordagem. No jogo da Argentina
contra a Suíça, a Vila Madalena estava salpicada de camisetas brancas e
celestes. Um hermanito, de 6 ou 7 anos, começou a jogar charme. Se escondia
atrás do irmão quando eu olhava e fazia manha quando apontava a câmera para
tirar foto. Menos sutis, outros argentinos, mais velhos, terminavam as
entrevistas com elogios e abraços um pouco além da cortesia. Forçavam beijos no
rosto e insistiam para pegar dados de contato.
No mesmo dia, flagrei uma briga
entre duas brasileiras e uma dupla, formada por um brasileiro e um argentino
radicado no Brasil. Os quatro estavam no mesmo bar, em mesas diferentes. Elas
alegavam que os dois homens teriam se aproveitando de uma adolescente
alcoolizada, tocando-a e tentando levantar sua blusa. Quando cheguei, a menina
em questão não estava mais lá. As mulheres estavam revoltadas com a atitude e
quase foram agredidas pelos dois homens. Garçons e o gerente entraram no meio.
Eles foram expulsos, mas continuaram cercando o bar aos gritos de
"vagabundas", "vai arrumar macho" e "você é
lixo". Nenhum dos dois quis dar entrevista.
Duaney Santos disse que estava
difícil frequentar a Vila Madalena nos dias de jogos. "Estamos em festa,
estrangeiros são bem vindos. A Copa é pública, mas nosso corpo não. Eles
assediam mulheres na rua, passam a mão, ameaçam agredir se você reclama".
Câmera, crachá e bloquinho não
serviam muito como salvo conduto nas baladas de rua da Copa. Apertões, puxões
de cabelo e encoxadas eram difíceis de defender. Frequentadores que cobravam
uma foto e atenção especial, xingando quando eu só acenava ou passava batido,
eram parecidos com aqueles zagueiros violentos, que até mesmo pontas
habilidosos têm dificuldade para driblar. Nessa Copa, jogo de corpo e jogo de
cintura, definitivamente, não são habilidades necessárias apenas dentro das
quatro linhas.
Nos dias subsequentes, o portal
passou a receber relatos de internautas que também tinham sofrido assédio nas
festas da Copa.
Assim, a reportagem voltou às
ruas em festa pela Copa para flagrar casos em que o flerte e a paquera se
convertem em puxões de cabelo e beijos forçados, e também para ouvir o que
tinham a dizer as torcedoras que frequentam as fan fests, a Vila Madalena e
outros bairros boêmios das cidades-sede do Mundial. O resultado está no vídeo e
nos depoimentos desta reportagem.
Beijo forçado
"Fui à Vila Madalena na
noite do dia 30 de junho, véspera do jogo da Argentina contra a Suíça, no
Itaquerão. Estava lotado de argentinos, e eu estava com um amigo brasileiro.
Estamos no meio da rua e um argentino chegou e, sem falar absolutamente nada,
tentou me dar um beijo, segurando minha cabeça. Eu segurei de volta no rosto
dele e disse que, daquele jeito, ele não tinha a menor chance comigo nem com
nenhuma brasileira. Os próprios amigos que estavam com ele começaram a rir, e
eu fui embora feliz". Letícia Bahia Diniz, 30 anos, psicóloga
Puxões e xingamentos
"Fui à Fan Fest em São Paulo
no dia do jogo do Brasil contra Camarões (26/6). O jogo acabou e começou a
festa. Em menos de duas horas, foram três abordagens em clima de fim de
Carnaval, pegando no cabelo, puxando pelo braço, não ouvindo eu falar
"Não!". Eram todos brasileiros. Saí de lá e fui para um bar na Vila
Madalena. Lá, recebi cantadas grosseiras de chilenos, colombianos e argentinos.
Quando eram rejeitados, xingavam". M.K., 26 anos, arquiteta
Ataque dentro do carro
"Na madrugada do dia 12 de
junho, noite anterior ao primeiro jogo da Copa, fui para a Vila Madalena.
Passamos de carro por este cruzamento que está sempre lotado [um dos
cruzamentos da rua Aspicuelta]. As janelas estavam abertas, um croata enfiou a
cabeça para tentar me beijar. Ele estava com um amigo brasileiro que ficava
incentivando a 'brincadeira'. Eu comecei a xingar, empurrar a cabeça dele para
longe, mas ele era mais forte e colocou quase metade do corpo para dentro.
Então, comecei a forçar o vidro e consegui fechá-lo. Não contentes, eles
abriram minha porta e começaram a me puxar pelo braço enquanto falavam na
língua deles, e os brasileiros traduzindo as palavras nojentas que diziam:
beijar, sentir 'isso e aquilo' de um europeu. Então, comecei a chutá-los, mas
eles tentavam me puxar pela perna. Finalmente consegui fechar a porta e saímos
dali." W. B. G.
De brasileiros e estrangeiros
"Tudo o que foi mencionado na
matéria, tenho vivido todos os dias, mesmo antes de começar a Copa. Levei uma
encoxada de croatas, puxão de cabelo, recebi elogios, fui xavecada, esnobada e
também xingada. Tentei levar na esportiva. Resumindo a ópera, achei brasileiros
até mais atirados (e matando cachorro a grito) do que gringos." M. L. S.
Sem medo da polícia
"Estive na Vila Madalena no
dia de Brasil e Chile. Depois do jogo, falei para minha prima: 'Vamos passar
ali no meio do povo pra ver o movimento'. Como fui inocente! Nem imaginei que a
gente pudesse ser assediada de forma tão agressiva. Um homem segurou meu braço
e tentou me beijar a força, puxei meu braço e saí. Depois, a gente continuou
andando depressa e sem olhar pros lados. Vieram uns quatro e nos cercaram. Um
deles levantava a camiseta para mostrar que era malhado. Oi? Como se isso fosse
fazer diferença. Falei: 'Sai da frente que vou começar a gritar, a polícia está
bem ali'. Continuamos andando enquanto eles nos xingavam." S. A. A.
Nem cheguei a ir
"Toda semana, vou para algum
bar com amigas e amigos, mas já comecei a ouvir os relatos de conhecidas desde
o primeiro dia [da Copa do Mundo]. Na vida, já passei por situações muito ruins
com homens que me forçaram a fazer coisas que eu não queria, mas fiz para poder
me livrar daquilo. Então, mesmo gostando muito da Vila Madalena e sabendo que
deixar de ir é me privar da minha liberdade, me senti acuada e acabei não indo
nem curtindo a festa." R. J.
Não é só na Vila Madalena
"Fui à Lapa, bairro boêmio
do Rio de Janeiro, no dia 4 de julho. Em razão da Copa, a cidade estava lotada
de gringos e a região mais cheia do que de costume. Sexta à noite, gente jovem
e bonita, clima de paquera, um ambiente legal, certo? Errado. Pras mulheres,
estava especialmente hostil. Alguns estrangeiros tinham uma abordagem bem
agressiva. Chegavam pegando na gente, abraçando, um tipo de contato bem íntimo
e que eu não tinha permitido. Dentre as coisas que mais me incomodaram estavam
os olhares ameaçadores, umas perseguições pela rua, os esfregões e as
encoxadas. Mas o que mais me deixou assustada foi um cara que me agarrou
enquanto eu passava perto dele. Ele era mais forte que eu, então, não teve
dificuldade para me puxar pelo cabelo, me prender entre os braços e tentar
forçar um beijo. Não adiantava dizer que eu não queria, ele continuava me
elogiando e me apertando. Até perguntou o porquê de eu não querer beijá-lo,
falando 'você sabe que eu sou lindo, sou gostoso, todo mundo quer me pegar
hoje'. Quando eu consegui me soltar, ele me chamou de 'branquinha escrota'.
Ninguém ao redor sequer esboçou uma reação." M. B.
Metrô não é seguro
"Na abertura da Copa,
precisei pegar o metrô antes do jogo. O empurra-empurra era esperado, havia
centenas de pessoas formando um corredor em que era impossível evitar o contato
físico, mas senti claramente um apertão na bunda. Olhei para trás para
identificar o agressor, que ficou com medo de ser pego e acabou se entregando,
ao me olhar de volta e perguntar 'o que foi?" na defensiva. Ou seja,
realmente houve uma má intenção e uma violência. Na semi-final, voltando do
Itaquerão, enquanto esperava o fluxo de torcedores diminuir para voltar, três
brasileiros fecharam uma rodinha ao meu redor e um tentou roubar o beijo,
segurando meu rosto. O nojo numa situação dessas é indescritível, por mais que
o homem tente ser educado nas palavras para se aproximar. É revoltante. Quando
o metrô esvaziou, embarquei e um animado grupo de argentinos fazia festa e
interagia com todo mundo no vagão. Sobrou pedidos de "beijinhos",
"selinhos" e "biquinhos" para as meninas, que foram
cercadas, para entrar na brincadeira de dançar no meio da festa deles no vagão.
Não passou disso, mas é desagradável lidar com essa noção de que toda mulher
está disponível e ter que 'provar' que tem um namorado para ser deixada em
paz". D. V.
Fonte: copadomundo.uol.com.br
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