terça-feira, 15 de julho de 2014

Mulheres relatam como foram assediadas nas festas da Copa

 
Na última segunda-feira, o UOL Esporte publicou a reportagem "Driblando na Vila Madalena: quando o xaveco é quase uma agressão sexual", relatando os assédios que sofriam as mulheres em meio às multidões que se formavam para ver os jogos e festejar na Vila Madalena, em São Paulo.


Driblando na Vila Madalena: quando o xaveco é quase uma agressão sexual

A Copa do Brasil foi a Copa das Copas? Goleadas, zebras, hinos a capela e confraternização generalizada dizem que sim. Mas esse clima de festa irrestrita, regada a álcool e, muitas vezes, com pessoas falando línguas diferentes, teve um aspecto condenável que só as mulheres viveram: o xaveco transformado em assédio sexual.
Em alguns casos, a agressão é real. Mas acabava mascarada pelo clima de carnaval, de micareta, de ninguém é de ninguém. Se no início da noite as torcedoras brasileiras mais exaltadas perguntavam aos rapazes se eram "gringos" antes de se atirar aos braços daqueles que respondiam "Yes", "Si" ou "Oui", com o nível alcoólico subindo, o jogo mudava.
Qualquer mulher, estivesse ela pronta para a balada, de vestidinho curto e decote, ou uniformizada como repórter, de tênis, calça jeans e camiseta, virava um alvo. É preciso não só desviar de homens embriagados, que tentam fechar a passagem com o próprio corpo e roubar um beijo à força. Mas também ignorar provocações e xingamentos.
Ao desviar de um deles, ouvi uma bronca: "O que foi? Está com medo de mim?" Estava: primeiro, porque tentou me puxar à força. Segundo, porque gritou comigo, como se eu não tivesse o direito de recusar a abordagem.
Toda mulher tem esse direito. Além do mais, eu estava trabalhando. E a função exige olhos atentos, escaneando a movimentação de torcedores, vendedores ambulantes, estrangeiros, varredores de rua e policiais. E os olhares que, frequentemente, acabavam se cruzando, para alguns frequentadores, eram sinal de disponibilidade. Mais de uma vez, agarraram meus braços, puxaram meus cabelos: "Ô repórter!", "Ô fotógrafa". Ao serem ignorados, os homens atiravam: "Sua escrota".
Muitas mulheres cedem. Talvez por vontade. Talvez para não levar esse tipo de repreensão. Conversei com uma moça, cadeirante, que recebeu um beijo e carinhos de um desconhecido. "Preferia que ele não me abordasse assim, né? É bem melhor quando o cara chega conversando em vez de colocando a mão". Na esquina seguinte, menos de cinco minutos depois, o mesmo rapaz estava aos beijos com uma loira vistosa.

A cena se repetia a cada quarteirão, todos os dias: homens se aproximam de mulheres, forçam o contato, tentam passar a mão no corpo e lutam para arrancar um beijo à força. Muitas cedem e vão se desvencilhando aos poucos. Nem sempre conseguem se livrar do contato forçado. Não dá para saber o quanto é consentimento e qual a parcela de medo de uma retaliação em cada abordagem bem sucedida. Nesse ambiente, homens rejeitados muitas vezes são agressivos. Aconteceu comigo.
A imprensa publicou reclamações de mulheres contra estrangeiros agressivos na abordagem. No jogo da Argentina contra a Suíça, a Vila Madalena estava salpicada de camisetas brancas e celestes. Um hermanito, de 6 ou 7 anos, começou a jogar charme. Se escondia atrás do irmão quando eu olhava e fazia manha quando apontava a câmera para tirar foto. Menos sutis, outros argentinos, mais velhos, terminavam as entrevistas com elogios e abraços um pouco além da cortesia. Forçavam beijos no rosto e insistiam para pegar dados de contato.
No mesmo dia, flagrei uma briga entre duas brasileiras e uma dupla, formada por um brasileiro e um argentino radicado no Brasil. Os quatro estavam no mesmo bar, em mesas diferentes. Elas alegavam que os dois homens teriam se aproveitando de uma adolescente alcoolizada, tocando-a e tentando levantar sua blusa. Quando cheguei, a menina em questão não estava mais lá. As mulheres estavam revoltadas com a atitude e quase foram agredidas pelos dois homens. Garçons e o gerente entraram no meio. Eles foram expulsos, mas continuaram cercando o bar aos gritos de "vagabundas", "vai arrumar macho" e "você é lixo". Nenhum dos dois quis dar entrevista.
Duaney Santos disse que estava difícil frequentar a Vila Madalena nos dias de jogos. "Estamos em festa, estrangeiros são bem vindos. A Copa é pública, mas nosso corpo não. Eles assediam mulheres na rua, passam a mão, ameaçam agredir se você reclama".
Câmera, crachá e bloquinho não serviam muito como salvo conduto nas baladas de rua da Copa. Apertões, puxões de cabelo e encoxadas eram difíceis de defender. Frequentadores que cobravam uma foto e atenção especial, xingando quando eu só acenava ou passava batido, eram parecidos com aqueles zagueiros violentos, que até mesmo pontas habilidosos têm dificuldade para driblar. Nessa Copa, jogo de corpo e jogo de cintura, definitivamente, não são habilidades necessárias apenas dentro das quatro linhas. 


 Nos dias subsequentes, o portal passou a receber relatos de internautas que também tinham sofrido assédio nas festas da Copa.

Assim, a reportagem voltou às ruas em festa pela Copa para flagrar casos em que o flerte e a paquera se convertem em puxões de cabelo e beijos forçados, e também para ouvir o que tinham a dizer as torcedoras que frequentam as fan fests, a Vila Madalena e outros bairros boêmios das cidades-sede do Mundial. O resultado está no vídeo e nos depoimentos desta reportagem.

Beijo forçado
"Fui à Vila Madalena na noite do dia 30 de junho, véspera do jogo da Argentina contra a Suíça, no Itaquerão. Estava lotado de argentinos, e eu estava com um amigo brasileiro. Estamos no meio da rua e um argentino chegou e, sem falar absolutamente nada, tentou me dar um beijo, segurando minha cabeça. Eu segurei de volta no rosto dele e disse que, daquele jeito, ele não tinha a menor chance comigo nem com nenhuma brasileira. Os próprios amigos que estavam com ele começaram a rir, e eu fui embora feliz". Letícia Bahia Diniz, 30 anos, psicóloga

Puxões e xingamentos
"Fui à Fan Fest em São Paulo no dia do jogo do Brasil contra Camarões (26/6). O jogo acabou e começou a festa. Em menos de duas horas, foram três abordagens em clima de fim de Carnaval, pegando no cabelo, puxando pelo braço, não ouvindo eu falar "Não!". Eram todos brasileiros. Saí de lá e fui para um bar na Vila Madalena. Lá, recebi cantadas grosseiras de chilenos, colombianos e argentinos. Quando eram rejeitados, xingavam". M.K., 26 anos, arquiteta

Ataque dentro do carro
"Na madrugada do dia 12 de junho, noite anterior ao primeiro jogo da Copa, fui para a Vila Madalena. Passamos de carro por este cruzamento que está sempre lotado [um dos cruzamentos da rua Aspicuelta]. As janelas estavam abertas, um croata enfiou a cabeça para tentar me beijar. Ele estava com um amigo brasileiro que ficava incentivando a 'brincadeira'. Eu comecei a xingar, empurrar a cabeça dele para longe, mas ele era mais forte e colocou quase metade do corpo para dentro. Então, comecei a forçar o vidro e consegui fechá-lo. Não contentes, eles abriram minha porta e começaram a me puxar pelo braço enquanto falavam na língua deles, e os brasileiros traduzindo as palavras nojentas que diziam: beijar, sentir 'isso e aquilo' de um europeu. Então, comecei a chutá-los, mas eles tentavam me puxar pela perna. Finalmente consegui fechar a porta e saímos dali." W. B. G.

De brasileiros e estrangeiros
"Tudo o que foi mencionado na matéria, tenho vivido todos os dias, mesmo antes de começar a Copa. Levei uma encoxada de croatas, puxão de cabelo, recebi elogios, fui xavecada, esnobada e também xingada. Tentei levar na esportiva. Resumindo a ópera, achei brasileiros até mais atirados (e matando cachorro a grito) do que gringos." M. L. S.
Sem medo da polícia
"Estive na Vila Madalena no dia de Brasil e Chile. Depois do jogo, falei para minha prima: 'Vamos passar ali no meio do povo pra ver o movimento'. Como fui inocente! Nem imaginei que a gente pudesse ser assediada de forma tão agressiva. Um homem segurou meu braço e tentou me beijar a força, puxei meu braço e saí. Depois, a gente continuou andando depressa e sem olhar pros lados. Vieram uns quatro e nos cercaram. Um deles levantava a camiseta para mostrar que era malhado. Oi? Como se isso fosse fazer diferença. Falei: 'Sai da frente que vou começar a gritar, a polícia está bem ali'. Continuamos andando enquanto eles nos xingavam." S. A. A.

Nem cheguei a ir
"Toda semana, vou para algum bar com amigas e amigos, mas já comecei a ouvir os relatos de conhecidas desde o primeiro dia [da Copa do Mundo]. Na vida, já passei por situações muito ruins com homens que me forçaram a fazer coisas que eu não queria, mas fiz para poder me livrar daquilo. Então, mesmo gostando muito da Vila Madalena e sabendo que deixar de ir é me privar da minha liberdade, me senti acuada e acabei não indo nem curtindo a festa." R. J.

Não é só na Vila Madalena
"Fui à Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro, no dia 4 de julho. Em razão da Copa, a cidade estava lotada de gringos e a região mais cheia do que de costume. Sexta à noite, gente jovem e bonita, clima de paquera, um ambiente legal, certo? Errado. Pras mulheres, estava especialmente hostil. Alguns estrangeiros tinham uma abordagem bem agressiva. Chegavam pegando na gente, abraçando, um tipo de contato bem íntimo e que eu não tinha permitido. Dentre as coisas que mais me incomodaram estavam os olhares ameaçadores, umas perseguições pela rua, os esfregões e as encoxadas. Mas o que mais me deixou assustada foi um cara que me agarrou enquanto eu passava perto dele. Ele era mais forte que eu, então, não teve dificuldade para me puxar pelo cabelo, me prender entre os braços e tentar forçar um beijo. Não adiantava dizer que eu não queria, ele continuava me elogiando e me apertando. Até perguntou o porquê de eu não querer beijá-lo, falando 'você sabe que eu sou lindo, sou gostoso, todo mundo quer me pegar hoje'. Quando eu consegui me soltar, ele me chamou de 'branquinha escrota'. Ninguém ao redor sequer esboçou uma reação." M. B.

Metrô não é seguro
"Na abertura da Copa, precisei pegar o metrô antes do jogo. O empurra-empurra era esperado, havia centenas de pessoas formando um corredor em que era impossível evitar o contato físico, mas senti claramente um apertão na bunda. Olhei para trás para identificar o agressor, que ficou com medo de ser pego e acabou se entregando, ao me olhar de volta e perguntar 'o que foi?" na defensiva. Ou seja, realmente houve uma má intenção e uma violência. Na semi-final, voltando do Itaquerão, enquanto esperava o fluxo de torcedores diminuir para voltar, três brasileiros fecharam uma rodinha ao meu redor e um tentou roubar o beijo, segurando meu rosto. O nojo numa situação dessas é indescritível, por mais que o homem tente ser educado nas palavras para se aproximar. É revoltante. Quando o metrô esvaziou, embarquei e um animado grupo de argentinos fazia festa e interagia com todo mundo no vagão. Sobrou pedidos de "beijinhos", "selinhos" e "biquinhos" para as meninas, que foram cercadas, para entrar na brincadeira de dançar no meio da festa deles no vagão. Não passou disso, mas é desagradável lidar com essa noção de que toda mulher está disponível e ter que 'provar' que tem um namorado para ser deixada em paz". D. V. 


Fonte: copadomundo.uol.com.br

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