Para a mulher negra o quadro é ainda mais terrível, na TV nós voltamos a nossos papéis históricos de domésticas e objetos sexuais.
por Isabela Sena
Como feminista, confesso, minha tendência tem sido me
afastar cada vez mais da televisão. Nos últimos anos, a quantidade de tempo que
eu dedico à TV aberta diminuiu consideravelmente, em alguns momentos parei
totalmente. Isso se dá porque, quanto mais consciente eu me torno da posição
social que me é destinada (e resisto a ela), mais os discursos veiculados pela
TV me incomodam ou, para ser mais honesta, me tiram do sério. Desde os papéis
degradantes atribuídos às mulheres nas campanhas publicitárias até a completa
invisibilidade da mulher negra na teledramaturgia, a programação televisiva é
mais um espaço de confirmação e naturalização da opressão.
Entretanto a TV continua sendo o principal meio de
comunicação de massa no Brasil. Para boa parte da população a TV aberta é a
maior fonte de informação e lazer, ocupando um papel essencial na elaboração e
percepção de si mesma e do mundo. Tendo isso em vista, considero a televisão e
– a mídia de um modo geral – um espaço importantíssimo e que deve ser disputado
pelos movimentos sociais.
No Brasil a TV se estrutura a partir de oligopólios de redes
nacionais que afiliam emissoras de TV locais, essas redes seguem uma lógica
comercial que, muitas vezes, é utilizada para justificar a reprodução de
discursos opressores em sua programação – a velha desculpa do “estamos passando
o que o povo quer ver”. Além disso, o capital financeiro das emissoras vem dos
anúncios publicitários e de anunciantes, e, a partir disso, seu discurso fica
atrelado a duas “frentes”: a aprovação do telespectador (que gera os índices de
ibope, chamando mais anunciantes) e a própria lógica capitalista presente na
publicidade, gerando uma produção sistemática de programas que seguem o status
quo e se recusam a promover uma discussão política e social.
É dentro dessa dinâmica capitalista, por si só excludente,
que a televisão busca representar o Brasil para os brasileiros. Um Brasil que
ainda segue o imaginário patriarcal e escravagista, onde a mulher ainda é vista
como uma propriedade (e, no auge da sociedade de espetáculo capitalista – um
produto). Para a mulher negra o quadro é ainda mais terrível, na TV nós
voltamos a nossos papéis históricos de domésticas e objetos sexuais. Se por um
lado somos totalmente invisibilizadas por um padrão estético branco, por outro
somos altamente sexualizadas, nos tornando produtos de consumo e importação. Da
Tia Nastácia à Globeleza, somos bombardeadas com discursos que nos dizem para
sermos passivas, calorosas, submissas, sensuais, mercadorias, enfim, para nos
mantermos nos espaços destinados a nós desde a colonização.
Lutar por uma representação real na TV passa, também, por
lutar para que nossas demandas sejam debatidas nas redes nacionais. Não basta
atribuir papéis importantes e fortes para as mulheres negras (embora isso seja
de extrema importância), é preciso que as produções destinem um espaço para se
problematizar a posição social dessas mulheres. Se pegarmos a história das
novelas, por exemplo, encontraremos personagens de mulheres bem sucedidas –
ainda que seja raro uma atriz negra escalada para esses papéis – porém, quase
nunca há um debate sobre o que é ser mulher no Brasil. Representatividade
também significa ter nossas histórias, lutas e demandas retratadas na mídia.
Existe uma limitação inerente à TV em relação a debates
aprofundados. Por sua natureza imediatista e superficial, parece impossível que
discussões políticas e sociais sejam aprofundadas em sua programação. Quanto a
isso, destaco a novela das seis Lado a Lado, uma produção que, apesar de manter
as estruturas essenciais da teledramaturgia, conseguiu trazer para o universo
televisivo questões super relevantes, como a autonomia sexual feminina, amizade
entre mulheres, a fetichização da mulher negra e a posição da população negra
na sociedade pós-abolição. Infelizmente, foi uma produção de pouco alcance,
devido ao horário, ao público e à própria discussão que se propôs.
A meu ver, a reivindicação por uma televisão de qualidade
implica em questionar sua dinâmica comercial. Questionar o porquê um oligopólio
pode definir como e quais serão os discursos que a população brasileira
consumirá e a quem esses discursos servem, até porque, essa lógica é um dos
principais obstáculos para uma produção alternativa. Também é importante pensar
que a mídia responde às pressões sociais, portanto temos sim que permanecer
atentas aos absurdos veiculados diariamente, temos que fazer barulho, nos
manifestarmos contra e mostrar que esse retrato antisséptico, branco,
masculino, cristão e consumista não atende as nossas demandas de entretenimento
e informação.
Como já disse, é preciso ocupar esse espaço, nem que seja a
força, nos empurrando goela abaixo. A representatividade real na mídia é um dos
muitos direitos que ainda temos que conquistar como cidadãs brasileiras plenas
e, no meu ponto de vista, uma ferramenta importante no empoderamento das
mulheres negras em todo o país.
Fonte: Blogueiras Negras
Nenhum comentário:
Postar um comentário