A cada tento, Bergoglio aumenta o número de inimigos. Nem os
clérigos conservadores argentinos o poupam de críticas pelas inovações e
destacam sua suposta teimosia (“um cabeça-dura”).
Por Wálter Maierovitch
O papa Francisco, sem se intrometer em questões geopolíticas,
acaba de marcar internacionalmente um novo tento. O convite feito durante sua
visita em 25 de abril à Palestina e a Israel produziu no primeiro domingo de
junho um desarmado encontro, para orações pela paz, com Shimon Peres,
presidente de Israel, e Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina. Não
faltou a oração de São Francisco e uma oliveira plantada nos jardins do
Vaticano.
Jorge Bergoglio fez os dois líderes esquecerem as ofensas do
antecessor, Joseph Ratzinger, um trapalhão que ofendeu os islâmicos ao atacar,
em citação proferida em aula magna, o profeta Maomé e, logo depois,
reintroduzir a antiga missa tridentina, onde se pede a Deus a conversão dos
judeus ao cristianismo.
Com o objetivo de colocar uma pá de cal na Igreja imperial,
Francisco começou, logo após sua nomeação, em 2013, uma revolução. E para usar
o título do livro do mais célebre vaticanista Marco Politi, passou a conviver
tra i lupi (entre os lobos).
No livro lançado pela Editori Laterza, Politi lembra o fato
de o eleito Bergoglio ter recusado, no vestuário destinado à troca de roupas, a
mozzetta (o colete púrpura bordado em ouro), os sapatos vermelhos e o anel de
ouro. E teria dito: “O carnaval terminou”.
O nome escolhido por Bergoglio foi uma homenagem ao pobre de
Assis. E, alertou, seria só Francisco, pois numerações “eram coisas de reis”.
Na sua primeira missa como papa, na qual usou a desgastada mitra de cardeal de
Buenos Aires, recusou a genuflexão dos votantes. Usou ainda o seu antigo
crucifixo prateado e o velho par de sapatos ortopédicos deformados pelo uso
cotidiano. Mais ainda: permaneceu afastado do trono e abraçou a todos, como
iguais. Em resumo, nada de hábitos imperiais, a se incluírem automóveis de luxo
e o amplo e requintado apartamento papal. Preferiu um modesto quarto no hotel
de trânsito de Santa Marta.
O papa utiliza o refeitório comunitário de Santa Marta e, ao
perceber o torcer de narizes das “viúvas” do tempo deRatzinger, costuma brincar
ao dizer ser mais difícil envenená-lo em um almoço de vários comensais. No
palácio apostólico de despachos, onde trabalha a partir das 10 da manhã, é
comum sair da sala e, depois de catar moedas nos bolsos do traje branco, tomar
café de máquina.
Esses gestos representam um escândalo para os conservadores
e defenestrados da até então ingovernável Cúria. Também escandalizados ficam a
turma apeada da lavanderia conhecida por Banco do Vaticano (IOR) e muitos
daqueles que desfrutavam de uma carreira administrativa, com moradia grátis e
remunerações agregadas, ou seja, penduricalhos pela acumulação de sinecuras. No
momento, e depois de defenestrar, em outubro, Tarcisio Bertone, então chefe de
Estado, poderoso mandachuva da Cúria e do IOR, padrinho da candidatura
derrotada do cardeal brasileiro Odilo Scherer, Francisco determinou, por meio
de uma comissão, a preparação de uma minuta de estatuto da Cúria.
Em sintonia com o estabelecido no Concílio Vaticano II, o
papa pretende abandonar a forma piramidal de governo e implantar, na busca do
equilíbrio do poder papal, a regra do colegiado, da horizontalidade e da
responsabilidade compartilhada com o alto clero. Propostas, aliás, que
empolgaram quando Bergoglio se pronunciou no conclave e venceu a eleição com mais
de 90 votos. Fez o prometido até agora: trocou o comando do IOR, defendido por
Schererno conclave.
A cada tento, Bergoglio aumenta o número de inimigos. Nem os
clérigos conservadores argentinos o poupam de críticas pelas inovações e
destacam sua suposta teimosia (“um cabeça-dura”). A sua postura desagrada a
Ratzinger, que de papa do serviço ativo virou um comodatário vitalício de
imóvel no jardim vaticano, depois de alteração na sua destinação original para
abrigar uma clausura de freiras de oração. E o jovem ex-secretário de
Ratzinger, o atual arcebispo Georg Gänswein, teria dito que a forma de agir de
Francisco expõe e desmoraliza os papas anteriores. Fora isso, Bergoglio, entre
os conservadores e oportunistas, é visto como “um padre de aldeia”, sem bagagem
cultural para ascender à condição de teólogo.
Ao demonstrar disposição para mudar a Igreja, o papa começa
por não fugir, em entrevistas, a temas delicados para os católicos, do respeito
aos gays à comunhão por divorciados. Tudo sem deixar de criticar políticos
corruptos por ocasião de uma missa que contou com a presença de 492
parlamentares italianos.
Não demorou para o papa, entre aqueles que o criticam pelas
costas, ganhar fama de demagogo. Como se avolumaram, as críticas preocuparam
Dario Fo, ateu e Prêmio Nobel de Literatura em 1997. Em apresentação teatral na
deslumbrante Arena de Verona, Fo louvou o papa Francisco com fervor. E condenou
quem “pretende linchá-lo” por se posicionar contra um mundo preocupado apenas
com os grandes negócios.
Na abertura do livro Francesco Tra i Lupi: Il segreto di una
rivoluzione, Politi lista os inimigos de Francisco. E menciona a posição do
procurador antimáfia calabresa, Nicola Gratteri: “A máfia financeira está sendo
perturbada nos seus percursos por um pontífice que rema contra a corrente,
contra o luxo, é coerente e tem credibilidade. E lança sinais contra o crime
organizado que se nutre do poder e da riqueza”. Gratteri alerta: “Não sei se a
criminalidade organizada fará algo em reação, mas, certamente, está refletindo,
e isso tudo é muito perigoso”.
Fonte: Carta Capital
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