Post na página oficial do Luciano Huck no Facebook, antes de ser tirado do ar
Luciano Huck, apresentador da TV Globo conhecido pelos
quadros de "caridade", fez um convite desconcertante a mulheres nos
seus perfis no Facebook e no Twitter. Ele pede a mulheres cariocas e solteiras que se inscrevam para conseguir o "seu gringo dos sonhos" que está no Brasil para a Copa do Mundo.
Por Gabriela Loureiro
Sim, há muitos gringos interessados nas brasileiras e, sim,
também há muitas brasileiras interessadas nos gringos. A festa na Vila
Madalena, em São Paulo, mostra isso. Mas também ouvi relatos de amigas que
testemunharam lá a violência contra a mulher, com homens cercando brasileiras,
puxando braço, obrigando a beijar, xingando e às vezes até agredindo em caso de
recusa.
Como jornalista, eu acredito na responsabilidade social dos
meios de comunicação de interpretar os fatos e difundir conhecimento, prestando
um serviço ao leitor ou telespectador. Há quem diga que o jornalismo
"constroi a realidade", dada sua influência na sociedade. Eu mantenho
viva minha crença universitária de que é possível fazer do mundo um lugar um
pouquinho melhor, mesmo por alguns minutos, com o jornalismo. O programa do
Hulk é de entretenimento, não jornalismo, mas é marcado por
"responsabilidade social" também.
Só que são poucos os que pensam que desconstruir estereótipos
é prestar um serviço, claro. É mais fácil pegar onda no senso comum e ter
audiência em cima disso do que lucrar contrariando estereótipos. Bem mais
fácil.
O problema é que o estereótipo da brasileira interessada no
gringo está ligado a uma realidade bem obscura. Tem a ver com prostituição,
sim, e tem a ver com as desigualdades sociais do Brasil. As brasileiras não
foram apenas eleitas como as maiores beldades mundiais, elas também figuram em
um triste "top 3", das três nacionalidades mais frequentemente alvo
de tráfico de pessoas. "Perdemos" apenas para as nigerianas e as
chinesas, segundo o primeiro levantamento publicado pela União Europeia sobre o
tráfico de seres humanos em todo o continente, este ano. Segundo os dados da
UE, mais de 2 mil mulheres estrangeiras são identificadas por ano como vítimas
de tráfico, muitas delas trabalhando como escravas modernas.
Muitas vezes o tráfico é realizado através da prostituição,
outro "produto de exportação" famoso do Brasil. A prostituição em si
não é o problema, visto que não é crime e deveria ser uma profissão
regulamentada, mas sim a exploração sexual. Dois terços das vítimas de tráfico
para fins de exploração sexual do mundo são mulheres, e a maioria dessas
mulheres vêm de classes populares e vão parar na escravidão com a ilusão de que
um namorado gringo vai tirá-las da miséria e tratá-las bem como em "Uma
linda mulher". O que me lembra de uma frase de um "namorado
gringo" citado em uma reportagem da Agência Pública sobre exploração sexual
durante a Copa. Ele disse para as autoridades brasileiras ao ser preso:
"Eu não tô traficando ninguém. Tenho o documento da mãe da menina. Olha
aqui onde ela morava, olha como está a casa dela agora depois que eu ajudei.
Onde vocês estavam?" Ou seja, tem tudo a ver com vulnerabilidade
socioeconômica e tem tudo a ver, também, com questões de gênero.
A exploração sexual diz respeito sim à objetificação da
mulher, do olhar tão disseminado de que a mulher existe para a satisfação do
homem, que ela precisa ser bonita para ser "admirada", precisa ser
sexualizada para dar prazer ao homem, para citar apenas dois estereótipos que
as brasileiras carregam.
Como disse Simone de Beauvoir no volume um do livro "O
Segundo Sexo", a mulher "não é senão o que o homem decida que
seja". "Para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A
mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a
ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o
Absoluto; ela é o Outro."
Se está decidido que a brasileira é bonita, sexualizada e
interessada em um gringo, assim o é. E haverá mulheres que vão confirmar o
estereótipo, mesmo que sejam assediadas em festas de rua, mesmo que se sintam
obrigadas a fazer sexo com ares de consensual, mesmo que, no fundo, não se
sintam assim tão confortáveis com isso. "O homem que constitui a mulher
como um Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades. Assim, a mulher não se
reivindica como sujeito, porque não possui os meios concretos para tanto,
porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a
reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu papel de
Outro", já dizia Beauvoir. É simples acreditar que um gringo é a solução
dos seus problemas. É fácil crer e propagar estereótipos. Mas é também uma
armadilha cruel.
Fonte: http://www.brasilpost.com.br/
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