Pesquisador da UFPA diz que obra da hidrelétrica gerou
mercado de sexo em Altamira, que está relacionado com tráfico humano, violência
sexual e exploração, como as jovens que foram libertadas em 2013 no município.
Pesquisa aponta que operários pagam prostitutas com
vale-refeição. Norte Energia diz que monitora dados e que casos diminuíram.
A
construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, iniciada em 2011 em Vitória do
Xingu, sudoeste do Pará, acabou gerando um "mercado do sexo" com
estabelecimento de uma rede de exploração sexual na região. Especialmente no
município de Altamira, cidade vizinha do empreendimento que tem recebido o
maior contingente populacional desde o início da obra. A conclusão é do
pesquisador Assis da Costa Oliveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA). De
acordo a pesquisa feita sob encomenda da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República em 2012, e complementada com dados coletados até 2014,
os aliciadores que exploram mulheres, adolescentes, travestis e índios aceitam
até vale-alimentação como forma de pagamento pelos serviços sexuais.
O coordenador do estudo diz que foram relatadas situações na
qual o cartão do benefício foi entregue diretamente aos agenciadores da
exploração sexual. “Como o valor é carregado mensalmente, é um pagamento
continuado pelos serviços. Essa é uma situação específica dentro de uma
dinâmica maior”, diz Oliveira.
A pesquisa mapeou 46 locais em que ocorre ou há suspeita de
exploração sexual de crianças e adolescentes, mas também levou em consideração
pessoas de outras faixas etárias em um segundo relatório - iniciado em 2013 e
finalizado em abril deste ano. Os valores pagos variam de acordo com o local e
com a classe social de quem procura este tipo de serviço. O professor explica
que a procura por sexo pago acontece principalmente nos primeiros dias de cada
mês, quando é feito o pagamento dos operários da usina.
“A relação que nossos informantes nos passam é que a maior
demanda [pelos serviços sexuais] ocorre quando há pagamento. São homens
solteiros, sem família no local. Eles vão até a cidade para fazer compras, para
lazer, e também para acessar essa rede de exploração, que foi criada por conta
da obra e segue a lógica de mercado. Isso envolve pessoas traficadas e esta
situação está bem detalhada no relatório, a relação entre a obra e as demandas
do mercado da exploração sexual”, diz o coordenador da pesquisa.
Exploração sexual
A pesquisa relata a manutenção de uma “onde de crescimento”
de crimes sexuais ligados ao tráfico humano e prostituição em Altamira, entre
os anos de 1957 a 2013, com picos entre 1992 e 1994; 2005 a 2007; e 2010 a
2013, de acordo com Oliveira. Embora não existam dados estatísticos que
sustentem um aumento da exploração sexual, o pesquisador diz que grande parte
dos entrevistados durante a elaboração da pesquisa disse perceber um aumento
deste tipo de ocorrência.
“O caso mais emblemático é da boate Xingu, que funcionava
perto do Sítio Canais e Diques", cita Oliveira, fazendo referência ao
episódio registrado em fevereiro de 2013, quando uma adolescente de 16 anos
conseguiu fugir de uma boate na região e denunciou que vivia sob cárcere
privado, em uma boate de exploração sexual. Após operação policial, 18 pessoas
que viviam em regime semelhante à escravidão foram libertas. Três suspeitos de
envolvimento com os crimes de tráfico de pessoas e cárcere privado foram
detidos.
"Das pessoas libertas com a operação, nove assinaram um
termo dizendo que assumiam que estavam em situação de risco, mas que preferiam
voltar para a prostituição. Então, é necessário ainda que o estado forneça
alternativas, crie políticas públicas para essas pessoas, para que elas não
continuem nesse ciclo, além de cobrar ações mais efetivas da Norte Energia e do
Consórcio Construtor Belo Monte, para coibir isso', adverte o pesquisador.
A exploração tem conexão com as barragens. As pessoas presas
no Pará já tinham participação em outros locais semelhantes, não só na
Amazônia. Eles aproveitam o 'boom' de migrações e criam essas casas de
prostituição"
"A exploração tem conexão com as barragens. As pessoas
presas no Pará já tinham participação em outros locais semelhantes, não só na
Amazônia. Eles aproveitam o 'boom' de migrações e criam essas casas de
prostituição”, explica.
O professor revela ainda que até índios estão sendo
explorados sexualmente, fato considerado novo pelos pesquisadores. Para o
professore coordenador da pesquisa, falta responsabilidade do estado e das
grandes empresas para o enfrentamento do crime na região sudoeste do Pará. A
pesquisa sugere o fortalecimento do setor de inteligência da polícia para a
prevenção de novas situações, para "desmascarar" a dinâmica.
Sobre a pesquisa
O estudo “Enfrentamento da violência sexual contra crianças
e adolescentes no município de Altamira” foi feito sob encomenda da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República. A primeira pesquisa foi
realizada entre fevereiro e agosto de 2012; outro estudo complementar foi feito
de maio a outubro de 2013, com o relato de 17 pessoas, consideradas como informantes,
entre comerciantes, taxistas, mototaxistas, agentes de saúde e moradores da
cidade.
“Por conta de haver potencial de casos que não se tornaram
públicos ou não foram denunciados, fizemos essa segunda pesquisa para entrar em
contato com informantes que interagem com o mercado do sexo”, explica Assis da
Costa Oliveira.
A pesquisa teve ainda como base um levantamento de processos
judiciais de abuso ou exploração sexual no Fórum da cidade, além de estudos de
caso da operação policial na boate Xingu, em 2013, dados estatísticos das
Polícia Civil e Militar e do Conselho Tutelar. Os resultados e o relatório
final foram concluídos em abril deste ano e divulgados este mês.
A Norte Energia, empresa responsável por Belo Monte,
informou que acompanha o fenômeno desde 2012, monitorando dados fornecidos por
instituições como Ministério da Saúde, IBGE, Funai, Secretaria Estadual de
Segurança Pública, Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente e dos centros
de Referência de Assistência Social (CRAS) e Especializados de Assistência
Social (CREAS) nos municípios da região do empreendimento.
Ainda de acordo com a empresa, dados do Conselho Tutelar
mostram que o número de registros de casos de “prostituição, estupro e abuso
sexual contra crianças e adolescentes” não aumentou nos dois últimos anos, ao
contrário do que sugere a pesquisa da UFPA. Em 2012, foram registrados, em média,
15 casos por mês em Altamira. Em 2013, este número foi de 10, o que representa
uma redução de 33%.
Segundo o pesquisador, existe um plano de combate à exploração sexual feito por
órgãos de segurança pública e o consório construtor Belo Monte. "Este é o primeiro
pacto nacional feito com uma empresa para a criação de uma rede de proteção e
enfrentamento da violência sexual", aponta Assis.
Fonte: O Globo
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