terça-feira, 24 de junho de 2014

Prostitutas contam como fazem parar faturar em 4 quatro cidades do Mundial

Dificuldades com o idioma, pagamento em moeda estrangeira e até remoções dos pontos tradicionais fazem parte dos relatos de prostitutas.

Na última semana, o Correio acompanhou a rotina da prostituição em quatro das 12 cidades sedes da Copa do Mundo. Em muitas delas, o poder público até tentou disfarçar e retirou as garotas de programa dos pontos habituais, mas o mercado do sexo também tem prosperado nesses dias de Mundial. Mantidos bem longe das suntuosas arenas erguidas para o espetáculo do futebol, homens, mulheres, travestis e transexuais enfrentam as dificuldades do idioma decorando frases e usando mímicas e até sonham em ir embora com visitantes do hemisfério norte. Para alguns, a Copa não alterou a dureza da labuta noturna. “Está a mesma coisa”, foi a resposta mais frequente ouvida pela reportagem em Brasília. Outros tentam tirar proveito: “Tinha quem cobrasse o valor de um ingresso da Copa. Agora, voltamos ao normal”, contou uma travesti de Fortaleza.

As experientes do porto

Manaus — Em hotéis baratos, nos quais o termo pernoite faz muito mais sentido do que diária, se constrói boa parte do cenário da prostituição na capital do Amazonas durante a Copa do Mundo. No centro de Manaus, as mulheres sumiram das ruas vigiadas pelas forças de segurança. Dividiram-se, então, em três grupos. As mais jovens passaram a atender marcando horário pela internet. As mais experientes acabaram exiladas perto do porto local. A maioria delas, porém, se dispersou por ruas mal-iluminadas e bordéis distantes. Tal divisão geográfica se reflete nos rendimentos. Para aquelas que apostam em fotos produzidas para a web, o “cachê” parte de R$ 250 por noite — com adicionais a depender do serviço. O valor, normalmente, fica mais barato quando o Rio Negro se aproxima. A caminho do porto, “half hour is fifty reais”: 30 minutos, R$ 50. O turista leva no pacote “o mais tradicional mesmo”. Com um alerta irredutível. “Half hour plus one minute is hundred reais”, decoram para repetir a cada potencial cliente. Se o tempo não as perdoa, não há motivo para tratá-lo com alguma consideração. Depois das 19h, na região portuária, parece impossível encontrar uma mulher com menos de 30 anos. Quase todas estão longe da melhor forma física, apostam em algum detalhe loiro nos cabelos — “do jeito que o gringo gosta”, dizem — e dispensam a boa educação quando se deparam com turistas brasileiros. Afinal, mesmo ali, alguns sonhos permanecem vivos: ser levada para a Europa ainda é meta da maioria. Na missão de “arrumar um gringo para cuidar” enquanto lutam “pela Copa do 13º (salário) adiantado”, se comunicam como podem. Com mímica, descontos e, dependendo do sorriso e da falta de aliança do outro lado, até apostam no serviço gratuito. “Começa assim a fidelidade”, explica uma amapaense de 32 anos que deixou o marido para colocar todas as fichas no sonho do Velho Continente via Copa do Mundo. E que, hoje, faz planos para julho: arrumar emprego “de garçonete ou alguma coisa assim aqui em Manaus” para não ter de voltar para casa.

O “algo a mais” no Pelourinho

Salvador — Distante não mais que 1km do Pelourinho, elas se amontoam na calçada. De short, saia, vestido e cabelos longos. Mulheres que decepcionam os clientes ao mostrarem que são… mulheres. Ao lado dos policiais, carros param e, antes mesmo de perguntarem o preço, querem saber se elas tem o “algo a mais” tão procurado na orla de Salvador. É lá que as travestis fazem ponto, quando já está escuro e alguns postes de iluminação falham. Salto alto — difícil de encontrar por causa do tamanho — enfeitado com fitas do Senhor do Bonfim para proteção. Verde-amarelo para agradar aos turistas. Os estrangeiros não têm vergonha de mostrar que preferem as travestis. Claro, há os que se confundem e acabam levando o que não queriam. “Não sou de fazer barraco, mas ainda bem que ele entendeu que havia me tirado do meu ponto e, por isso, deveria me pagar”, conta uma mulata de cabelo blond, cheia de curvas. Difícil notar algo de diferente no short justo. Mais difícil ainda se comunicar. “Dinheiro, money. Aceito dólar, sim.” Poucas se arriscam durante o dia. Saem só quando o encontro é marcado na internet e o cliente aceita ir a um motel perto da casa delas. “Brasileiro tem medo da gente”, conta uma, que havia saído com dois italianos na noite anterior. “Eles são românticos, é muito ‘mio amore’. Mas são demorados, a gente acaba perdendo muito tempo”, relata, dizendo que nem sempre o programa mais longo é o que rende mais. Os estrangeiros, dizem, podem até ter mais dinheiro do que os brasileiros, mas também são os que mais choram (alguns literalmente) por desconto. Ou falam, na cara dura: “Só tenho trenta”. Este, elas acham que era francês. O preço de uma esquina acompanha o da outra, para não haver “concorrência”. “Cinquenta, in the car”, ou mais, caso o cliente tenha alguma fantasia. Elas juram que não inflacionaram os preços por causa da Copa do Mundo. O movimento, no fim, compensa. Já apareceu até iraniano e neozelandes, que elas arriscam dizer que não estão no Mundial. Porque no torneio, assim como na rua, nem todo palpite é certeiro.

Trabalho reprimido na orla

Fortaleza — Depois de receber, ontem, o terceiro jogo da Copa do Mundo, a capital do Ceará comemora antecipadamente os ganhos financeiros. A realidade se espelha nas casas noturnas. Donos de boates que exploram o turismo sexual comemoram “o melhor mês da história”. Para as prostitutas nas ruas, porém, as condições não são tão agradáveis. Setecentos agentes públicos se dividem em esquema de plantão para combater a prostituição. Tão logo começou o torneio, o foco se tornou “limpar” a orla da cidade. O desânimo é comum para quem não está nos bordéis à espera de algum dos 400 mil visitantes previstos. Afastadas da Avenida Beira-Mar, onde estão os principais hotéis, a maioria das mulheres reclama de prejuízo. O preço do programa começou inflacionado, mas teve de diminuir. “Tinha quem cobrasse o valor de um ingresso da Copa. Agora, voltamos ao normal”, conta uma travesti de 21 anos e 1,83m que, “por segurança”, tomou para si a luz de um poste da Praia de Iracema. Enquanto o “babado” custa ao menos R$ 200 em Iracema, há quem cobre 10% disso em abordagens longe da orla. Em bairros mais afastados, jovens do interior se oferecem por qualquer preço, muitas delas desesperadas para alimentar a família. Na madrugada, perto de baladas e restaurantes, estão os filhos da classe média e alta. “Tenho um aluguel para pagar e não quero passar a vida dependente do meu pai”, explica uma estudante de administração que, aos 22 anos, pretende abandonar a carreira “em 2016, no máximo”. Nem mesmo o fato de 96 das 241 rotas identificadas de tráfico de seres humanos no Brasil passarem por Fortaleza parece afugentar quem luta pela sobrevivência em lugares inusitados, em pé, até mesmo em frente à Arquidiocese de Fortaleza, a 5km do litoral. Quando o comércio local começa a fechar, as garotas agem com maior desenvoltura. Sem tabela predefinida, oferecem desconto e até recusam programas antes de encontrar o “cliente certo”.

Mercado em baixa na capital

Distrito Federal — Na capital da República, a leva de colombianos, equatorianos e suíços na primeira rodada não alterou substancialmente a rotina dos profissionais do sexo. Na W3 Norte, uma roda de garotas de programa observava o movimento embaixo de uma marquise. No primeiro andar do prédio, uma pequena pousada oferece quartos alugados a R$ 50 a hora. Bianca* (nome fictício), de 24 anos, veio do interior de Goiás para ganhar dinheiro no Mundial, mas está frustrada. “As meninas que trabalham aqui sempre diziam que ia melhorar, mas me enganaram. Piorou”, lamenta. O apertado e curto vestido branco de Bianca contrastava com o frio de 14ºC da noite da última quarta-feira. “Semana que vem, inclusive, estou indo embora.” No foyer de um luxuoso hotel da Asa Sul, Bia e Amanda, de 22 e 23 anos, exibem as madeixas bem tratadas e as roupas de grife custeadas pelos clientes, que chegam a pagar “quinhentinhos” por seus préstimos. Também para elas, a Copa em Brasília não melhorou os negócios. “Na verdade, os gringos vieram mais para se divertir, baladas”, comenta Bia. “O movimento em geral caiu”, completa. “Até mesmo os políticos não estão vindo mais…”, acrescenta Amanda, que se ressente da ausência da clientela engravatada durante o torneio. Do outro lado da pista, a travesti Ananda, 19, mira um grupo ruidoso de turistas estrangeiros, reunidos em torno de uma loja de conveniência do Setor Hoteleiro Sul. Até agora, o saldo da Copa é positivo. Ela já saiu com alguns colombianos, um norte-americano e um italiano. “Teve um que me deu US$ 300 só para ficar um pouquinho com ele. E eles nos tratam muito melhor do que os brasileiros”, comenta. “Mas eu não faço preço diferenciado, não”, emenda logo. Ananda reconhece que a temporada teria sido ainda melhor se ela falasse inglês. “Ele tem que falar pelo menos um pouquinho de espanhol, aí eu entendo. Com os que falam só inglês eu não saio, não dou conta”, lamenta.

Fonte: Correio Braziliense

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