Durante anos, este vilarejo montanhoso com velhas paredes
pintadas de branco tornou-se famoso como o destino de quem estivesse à procura
de sexo. Mulheres — algumas vestidas com calças justas, outras com vestidos —
esperavam sob os batentes de pedra das casas da praça principal da cidade,
criando uma versão marroquina do distrito da luz vermelha de Amsterdã.
Mas, agora, tudo mudou. Um bando de homens do local, conhecidos
como os islamistas, resolveu o problema com as próprias mãos no outono passado.
Eles negam que a campanha seja de caráter religioso e
afirmam que não são fanáticos. Segundo eles, estavam apenas cansados de
conviver com clientes bêbados e briguentos, cansados de que suas filhas
recebessem propostas indiscretas quando vinham da escola, cansados de sentir
vergonha do lugar onde viviam.
"Chegamos ao limite depois do Ramadã", afirmou
Mohammed Aberbach, de 41 anos, que ajudou a organizar a campanha para expulsar
as prostitutas da cidade.
— Os homens estavam literalmente esperando em filas. Aquilo
era demais.
Agora, as ruas estão vazias. As portas, pintadas de verde e
amarelo, estão fechadas e poucas prostitutas continuam na cidade, tentando
vender doces ao invés de sexo.
Na praça, o ritmo diminuiu, cortes frescos de frango e carne
ficam dependurados em ganchos e os aldeões observam com calma os vegetais à
venda na quitanda. Nos arredores, mulheres se debruçam sobre teares, fabricando
os tradicionais tapetes berberes.
As mudanças em Ain Leuh são vistas por alguns marroquinos
como mais uma das vitórias da primavera árabe — demonstrando que cidadãos
comuns podem mudar as coisas e melhorar suas vidas.
Contudo, para muitas pessoas os eventos do ano passado
mostraram como os islamistas mais fundamentalistas conseguem promover seus
objetivos conservadores, ainda que tenham perdido espaço em países como a
Tunísia, o Egito e Marrocos — fazendo justiça com as próprias mãos e, nesse
caso, ameaçando prostitutas e clientes, e acabando com a única fonte de renda
da cidade.
"A economia está em queda livre na cidade",
afirmou Ali Adnane, que trabalha na agência de desenvolvimento rural.
— As garotas pagavam aluguel, tinham dinheiro, compravam
coisas. Algumas pessoas ficaram muito felizes com as mudanças, mas algumas não
estão nada satisfeitas.
O Marrocos conseguiu evitar boa parte da violência que tomou
conta dos países árabes nos últimos anos. Frente aos crescentes protestos, o
rei do Marrocos, Mohammed 6º, ofereceu limitar o próprio poder e, em 2011,
aprovou uma série de reformas. Desde então, o país adotou uma nova constituição
e elegeu um novo governo, liderado por um partido islamista moderado.
O novo primeiro ministro, Abdelilah Benkirane, que abriu mão
das inúmeras mordomias do cargo, gosta de viver como um homem comum.
Entretanto, muitas pessoas continuam frustradas com o ritmo das mudanças em um
país afetado pela alta taxa de desemprego e pela corrupção. Ain Leuh não é o
único vilarejo onde surgiram comitês municipais que tentam aprovar reformas de
todos os tipos.
Ainda não se sabe exatamente o que aconteceu nesse vilarejo
de 5.000 habitantes nas montanhas Atlas, a cerca de duas horas de carro da
capital, Rabat. Aberbach afirma que os islamistas não fizeram nada que fosse
contra a lei.
Segundo ele, a campanha envolveu principalmente protestos na
praça principal. Ninguém fez ameaças, usou violência ou ficou na entrada do
vilarejo exigindo a identidade dos homens que queriam entrar.
"Isso seria contra a lei", afirmou Aberbach, um
homem simpático que possui diversas lojas na cidade, além de grandes planos
para o futuro de Ain Leuh.
Mas outras pessoas, incluindo Haddou Zaydi, membro do
conselho municipal, afirmam que todas essas coisas aconteceram. Segundo ele, às
vezes os islamistas utilizavam cadeados para aprisionar as prostitutas em suas
casas depois que um cliente saía. Então, chamavam a polícia.
Muitos afirmam que, no passado, as prostitutas pagavam os
policiais para esquecerem o assunto. Mas as autoridades ainda estão sentindo o
governo recém-eleito, liderado por um partido islamista moderado, o Partido da
Justiça e do Desenvolvimento, e permitem que os islamistas façam o que queiram.
Mourad Boufala, de 32 anos, proprietário de uma loja de
doces e cigarros na praça principal, afirmou que não era favorável à
prostituição, mas não aprovava os métodos dos islamistas.
"A forma como fizeram foi exagerada", afirmou.
"Batiam nas meninas e as assustavam. O problema é que não ofereceram
qualquer alternativa a elas."
Boufala teme que o país esteja à deriva, tornando-se presa
de milícias como os islamistas.
"Não há governo", afirmou Boufala. "As milícias
acreditam que são a autoridade presente."
A polícia não retornou nossas ligações.
Curiosamente, poucas pessoas veem a campanha contra as
prostitutas como algo de caráter especialmente religioso. Aberbach e diversos
outros islamistas definem a campanha em termos morais e econômicos. Afirmam que
são considerados "islamistas" porque fazem parte de diversos partidos
islâmicos, incluindo o do governo.
Dizem que consideram as prostitutas vítimas de gangues de
criminosos que comprar drogas e fazem tráfico de seres humanos para o vilarejo.
Além disso, estão determinados a acabar com a corrupção que permitiu que crimes
desse tipo surgissem nas ruas da cidade.
"O que fizemos está ligado à Primavera Árabe porque faz
parte de uma cultura de expressão", afirmou Aberbach.
"A cidade podia até receber turistas",
acrescentou, "mas não temos boas ruas, restaurantes ou hotéis por aqui. Há
muitas coisas bonitas na região, cachoeiras e outras belezas naturais. Mas quem
viria a um vilarejo famoso pela prostituição? Chegou a um ponto em as mulheres
já não podiam dizer que viviam aqui".
Para as prostitutas que ficaram, o ano passado não foi nada
fácil.
"Hoje ganhei menos de 10 centavos", afirmou
Khadija, de 34 anos, que tenta ganhar a vida vendendo cigarros, doces e
brinquedos em uma mesa redonda em frente à porta. "São os vizinhos que me
alimentam."
"Aquelas pessoas nos vigiam o tempo todo",
afirmou, referindo-se aos islamistas.
No fim da rua, Arbia Oulaaskri, de 64 anos, afirmou que sua
família vive assustada desde que começou a campanha dos islamistas. Sua casa é
luxuosa, quando comparada às outras do vilarejo. A sala comporta facilmente 30
pessoas e mais de 50 copos de chá estão dispostos em diversas mesas de café.
Oulaaskri afirma não possuir qualquer envolvimento com a
prostituição e garante que o dinheiro é fruto de herança e dos cheques enviados
pelas filhas que vivem em outros países. Mas, segundo ela, islamistas armados
com correntes batem à porta todas as noites, exigindo que vá embora.
O filho, que vestia uma jaqueta de lamê dourado, mostrava um
quarto com sinais de fogo e afirmava que os islamistas eram os culpados.
Entretanto, Oulaaskri disse que as autoridades não davam ouvidos. Ela está
sendo processada por ser proprietária de um prostíbulo.
"Fizemos muitas reclamações", afirmou Oulaaskri,
"mas ninguém nos ajuda".
Fonte: noticias.r7.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário