“De forma alguma a escola está preparada. Os professores, geralmente quando não se omitem, corresponsabilizam e culpabilizam a vítima. A única ação que podemos fazer quando descobrimos algum caso de violência sexual é denunciar e encaminhar para o Conselho Tutelar, não depende só da instituição de ensino”.
A garota de 11 anos morava com os pais e três irmãos em uma
comunidade litorânea em Natal, Rio Grande do Norte, e viviam com cerca de um
salário mínimo, proveniente de programas de transferência de renda. Apesar do
pai alcoolista praticar violência física e psicológica contra a família, a
menina era boa aluna, tinha o histórico de pontualidade, assiduidade e cumprimento
das normas escolares. Mas seu comportamento mudou de repente. Com sucessivos
sumiços de casa, faltas na escola e frequentes brigas pelo bairro e na sala de
aula, a mãe suspeita que a filha estivesse induzida ao uso de drogas e sofrendo
exploração sexual por pessoas da comunidade, traficantes e estrangeiros.
A professora é conhecida por coordenar o Grupo de Estudos
Feministas Gilka Machado, nascido em 2011 numa escola em Interlagos e vencedor
do prêmio nacional Construindo a Igualdade de Gênero, do mesmo ano. Divididas
em dois grupos de 20 meninas cada, as garotas, vivendo num lugar onde a
violência doméstica ou sexual é comum, discutem preconceito contra a mulher no
cotidiano, a mulher na mídia e na política, machismo, violência e outros temas
similares.
Segundo ela, o quadro é recorrente em classes mais pobres e
não há nenhum material que aborde o assunto. “De forma alguma a escola está
preparada. Os professores, geralmente quando não se omitem, corresponsabilizam
e culpabilizam a vítima. A única ação que podemos fazer quando descobrimos algum
caso de violência sexual é denunciar e encaminhar para o Conselho Tutelar, não
depende só da instituição de ensino”, explica Delmonte.
Números crescentes
O aumento do número de denúncias é significativo. De janeiro
a abril de 2012, o Disque 100 recebeu 34.142 denúncias referentes à violação de
direitos humanos contra crianças e adolescentes, representando 71% de aumento
em relação ao mesmo período do ano anterior. Desde março de 2011, o atendimento
do Disque 100 foi ampliado, passando a funcionar todos os dias, 24 horas.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), de janeiro a
setembro de 2012 foram registrados no país 6.637 casos de exploração sexual no
Disque 100. Bahia lidera o número de denúncias recebidas, com 643 ligações
(11,4% do total). Em seguida, aparecem Rio de Janeiro com 540 denúncias (9,6%),
e São Paulo, com 538 (9,5%). Roraima é o Estado com menos denúncias, apenas
nove durante o ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que,
em 2009 no Brasil, 100 mil meninos e meninas são vítimas de exploração sexual.
O caso da adolescente de Natal foi encaminhado e cuidado
pelo Centro de Defesa da Criança e Adolescente - CEDECA Casa Renascer, uma
organização sem fins lucrativos que atua desde 1991 em Natal, em defesa dos
direitos de crianças e de adolescentes em situação de risco pessoal e social,
principalmente aquelas violentadas sexualmente. Hoje, a jovem com 16 anos tem
um filho, estuda, ajuda a mãe na produção de artesanatos e vive com a família
na mesma comunidade de origem.
Porém, de acordo com o relatório do CEDECA, não há
comprovação quanto à ressignificação da violência vivenciada por ela,
considerando que o consumo de drogas e a exploração sexual só foram encerrados
em razão da morte do agressor que aliciava a menina, e não em um processo de
garantia do direito dessa adolescente. “Entende-se, portanto, que a violência a
que esta adolescente foi exposta reflete a realidade de outras crianças e
adolescentes na comunidade necessitando, assim, de ações efetivas por parte do sistema
de garantia de direitos considerando a vulnerabilidade instalada”, conclui o
documento.
Iniciativas de combate
O governo federal enfrenta essa questão por meio do Programa
de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que integra
o Programa Avança Brasil. São realizados mais de 30 mil atendimentos anuais por
meio das ações desenvolvidas no Programa Sentinela, com a criação de 25 Centros
de Referência em 24 municípios no país.
Criado pelo Conselho Nacional do SESI (Serviço Social da
Indústria), com a contribuição de diversas instituições e profissionais que
atuam nesse campo, o Projeto ViraVida atua desde 2008 oferecendo formação
profissional e emprego a adolescentes e jovens, vítimas de exploração sexual,
abrindo caminhos para uma mudar o enredo de suas vidas. O Programa foi iniciado
em quatro capitais e hoje atende 1.238 alunos em 19 cidades. Desde a
implantação em 2008 até outubro de 2012, 2.552 adolescentes e jovens haviam
sido matriculados no ViraVida. A longo prazo, a perspectiva do SESI é levar o
programa a todos os municípios atingidos por redes de exploração sexual.
Em âmbito estadual e presente em 30 municípios de São Paulo,
o Projeto Ação Proteção busca articular, sensibilizar e capacitar os
participantes do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
(SGDCA) para enfrentar a violência sexual. O Projeto é uma iniciativa da
Fundação Telefônica em parceria com o Ministério Público do Estado de São Paulo
e da ONG Childhood Brasil.
Fonte: www.promenino.org.br/Default.aspx?TabId=77&ConteudoId=5b90d58b-b614-4d16-af03-56daf21f022f
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