Até hoje lembro de todas as vezes
que me submeti a sexo por dinheiro e choro sozinha. Mas choro sabendo que
qualquer perrengue pelo qual eu passar, de hoje em diante, passará bem longe do
meu corpo.
Da Revista AzMina
Hoje o Divã d’AzMina foi entregue para o desabafo de uma
ex-prostituta, que preferiu não se identificar. Este texto foi escrito em
resposta ao artigo da prostituta Amara Moira, em que ela defende que o
feminismo precisa acolher as prostitutas que querem exercer sua profissão de
maneira legal.
Após a organização de um debate
no Rio de Janeiro a favor do Projeto de Lei Gabriela Leite – que, a meu ver,
legaliza o turismo sexual – , houve uma disputa de narrativas nas redes sociais
entre quem é contra e quem é a favor da prostituição. No calor do debate, ouvi
que feministas radicais, que condenam a prostituição por acreditar que é ela é
uma maneira de transformar o corpo da mulher em objeto a ser usado por homens,
são apenas burguesas que não precisam pagar as contas. Uma das debatedoras do
evento do Rio de Janeiro chegou a argumentar que somos as culpadas por nossas
próprias opressões.
Eu sou feminista radical e já me
prostitui – sabe por quê? Exatamente porque não sou essa burguesa que dizem.
“Ah, mas feminista radical fazendo algo que prega ser contra, hipocrisia”. Pois
é, quando se tem contas básicas para pagar, nos vemos em situações que nos
forçam a fazer coisas que nos contrariam.
Até hoje lembro de todas as vezes
que me submeti a sexo por dinheiro e choro sozinha. Mas choro sabendo que
qualquer perrengue pelo qual eu passar, de hoje em diante, passará bem longe do
meu corpo. Essa é a realidade da maioria das prostitutas.
Quando eu entrei nesse meio, sem
saber como seria, o que aconteceria, eu conheci muitas meninas. Sim, meninas. A
primeira coisa que eu ouvi foi:
— Compra um relógio para
cronometrar bem e sair o mais rápido possível, senão eles ficam horas lá em
cima de ti.
Será que alguém que conta os
minutos para acabar está gostando do que faz?
Conheci meninas que choravam
depois de um programa, conheci mulheres que odiavam o que estavam fazendo, mas
prezavam por oferecer o mínimo de educação para os seus filhos, qualidade de
vida para sua família, sua mãe doente, seu namorado preso injustamente e por aí
vai – e a lista é grande. Mas não conheci nenhuma que afirmasse gostar de estar
na situação em que se encontravam. Acho uma grande desonestidade mulheres
pregarem isso como se fosse opinião comum.
Eu me prostituia através de
sites, mas convivi com mulheres que ficavam em drive-ins, e até algumas garotas
de sites que iam eventualmente nos drive-ins para ganhar um dinheiro mais
imediato caso não surgissem programas pelo site. E sabe quantas conheciam a
famosa associação das prostitutas? Nenhuma. O que conheciam eram homens
nojentos, na sua maioria, e que não as dava nenhum prazer. Muitas gostavam do
pagamento que ganhavam? Sim. Isso não significa que gostavam do ato sexual em
si.
O pior de tudo é quando
naturalizam a ideia de mulher como moeda de troca, transformando isso numa
norma geral para a sociedade. Por exemplo, com o pensamento: “ah, se eu já
transo com homens depois de um jantar num restaurante, por que não por
dinheiro, para pagar as contas?” Nem a mulher que faz isso no seu dia a dia, nem
a prostituta que cobra, estão certas, afinal, o machismo fica muito feliz com
esse tipo de pensamento.
O machismo e a opressão são tão
normais e rotineiros nesse meio que já li perfis de mulheres negras em sites de
prostituição dizendo: “Serei a sua escravinha pelo tempo que quiser”. Ou
situações em que elas ficavam muito felizes por um elogio de um abusador
desses.
Será que é tão difícil ver que a
legalização da prostituição vai virar senso comum e como isso é nocivo a todas
as mulheres?Nocivo para quem aguenta no osso, mesmo sendo conscientemente
abusadas, e nocivo para as que estão tão inseridas na estrutura que nem sentem
mais o abuso que ocorre em seus corpos. Isso me preocupa.
Alguém já pensou no psicológico
dessas meninas? Essas mulheres podem se sentir muito mal por “serem comidas”
por algum desconhecido horrendo e receber um dinheiro por isso quando o tempo
acaba. Já se botou nesse lugar? Ele não é nada agradável, confiem em mim.
Vocês já leram o Projeto de Lei
Gabriela Leite? Em algum momento o texto fala sobre apoio psicológico às
“profissionais do sexo”? Não, porque, afinal das contas, é “um trabalho
normal”. Se é um trabalho normal, por que nenhuma profissional desta área quer
se expor, inclusive eu?
Será que, a partir da legalização
da prostituição, essas mulheres vão poder chegar em qualquer lugar e dizer qual
a sua profissão e serem respeitadas e aceitas? Contar para a família? Seus
parceiros? Não.
Quando trabalhamos, oferecemos um
serviço ou produto. Na prostituição, você mesma é o produto.
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