terça-feira, 12 de julho de 2016

O feminismo precisa aceitar as prostitutas

Cada vez mais profissionais do sexo se organizam pra construir uma luta que respeite nossas pautas.

publicado por AMARA MOIRA

Amanhã tem debate quente no Rio de Janeiro, debate que me custou a perda do meu perfil no Facebook. No meio duma série de posts acalorados em que disputavam a opinião pública, feministas contrárias à prostituição (aquelas ditas radicais ou materialistas) e feministas que respeitam as pautas do movimento de prostitutas (as putafeministas, nós), acabou que tive meu perfil denunciado por eu não usar meu nome “verdadeiro” e o Facebook acatou, impedindo acesso ao perfil que eu construía há dois anos, com todos os textos e contatos que havia lá.
Vejam que muitas vezes, pra fazer imperar seu ponto de vista, algumas pessoas acham que não importa o quão baixos são os meios usados: basta conseguir calar a outra parte e poder continuar seu monólogo em paz. Bem o que houve. Não à toa transfobia (preconceito contra trans) e putafobia (preconceitos contra putas) costumam andar sempre de mãos dadas, inclusive dentro do feminismo.

Prostituição é um assunto muito delicado pras travestis. Ela é o ofício que nos permite existir quando a sociedade fecha suas outras tantas portas e, ao mesmo tempo, aquele onde mais nos matam, violentam… Percebem que não é coisa fácil discutir a questão?

Mas certo feminismo, cegado pelos seus dogmas, não consegue sequer permitir que o debate ocorra, lançando mão de linguagem sensacionalista que só serve pra estimular pânico, “querem legalizar a cafetinagem”, “prostituição é estupro pago”, “feminismo a serviço da objetificação da mulher”, “vender o corpo”, “tráfico de pessoas”, “prostituição infantil”, “prostitutas se drogam pra conseguir trabalhar”, “pegam AIDS”. Nunca param pra discutir a natureza exata dessa suposta cafetinagem que o PL Gabriela Leite quer regulamentar, nem os discursos racistas e xenófobos que orientam o debate sobre tráfico de pessoas, nem a noção exata de estupro que estão mobilizando pra afirmar que nosso trabalho não envolve sexo mas violência sexual.

E se houver quem viva a prostituição em termos que fujam a esse vitimismo todo, a pessoa é prontamente catalogada como “fetichista a serviço da supremacia masculinista” e já não é necessário mais considerar nada do que ela diga.

Percebam que essa argumentação cega não vai impedir que continuemos dando a cara a tapa e forçando a sociedade a encarar o debate que querem jogar pra debaixo do tapete. Prostitutas estão se organizando politicamente desde o boom da AIDS, desde o fim da ditadura, conseguindo conquistas notáveis como, por exemplo, o reconhecimento oficial da prostituição na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002), do Ministério do Trabalho.

Agora vai surgindo o tempo de um novo desafio, disputar o feminismo, desafiá-lo, para que ele aprenda a respeitar nossa autonomia e nossa luta por melhores condições de trabalho, melhor remuneração e fim do estigma.

As portas estão abertas para todas as feministas que quiserem, de fato, ouvir o que as prostitutas têm a dizer sobre seu trabalho.

Fonte: Revista Az Minas

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