"As Igrejas cristãs poderiam se constituir como espaços
de humanização em um diálogo aberto e amoroso com a humanidade. Para isso, é
importante que os/as pastores/as e ministros/as, não se fechem em defesa de
leis morais, incompreensíveis para a grande maioria da humanidade,
principalmente da juventude" comenta Marcelo Barros, monge beneditino,
escritor e teólogo.brasileiro.
Eis o artigo.
O mundo inteiro ainda vive o trauma do massacre ocorrido em
uma boate gay de Orlando, quando, no dia 12 de junho, um homem matou 49 pessoas
e feriu gravemente outras 53. No mundo inteiro, movimentos sociais e a
sociedade civil têm protestado contra a homofobia, expressa nesse ódio violento
e fanático. No entanto, também no Brasil, quase a cada dia, ocorre um ataque
físico ou alguma manifestação de ódio contra qualquer pessoa que possa parecer
homossexual. Em nosso país, somente em 2015, as estatísticas mostram que 318
pessoas consideradas do grupo LGBT foram assassinadas.
Isso significa que, em um ano, sofremos o correspondente a
quase seis massacres como o de Orlando. E no próprio Congresso Nacional, leis e
medidas legais contra a homofobia não são aprovadas porque, conforme
parlamentares, pentecostais e católicos carismáticos, o homo-erotismo teria
sido condenado pela Bíblia. Por lerem os preceitos bíblicos ao pé da letra e
sem levar em conta o contexto histórico e social da época, querem impor
costumes e critérios culturais do Oriente Médio de 2500 anos ao povo brasileiro
do século XXI. Como se Deus fosse homofóbico e, para ser de Deus, o Brasil
precisasse ser transformado em congregação religiosa, aprisionada a um passado
mítico e culturalmente extinto.
Do outro lado, nessa sociedade em que vivemos, uma
autoridade policial chega a culpar uma jovem de menor idade por ter sido
estuprada violentamente por 33 homens ensandecidos. E há quem diga que mulher
que anda na rua com roupas provocantes está pedindo para ser agredida.
Infelizmente, esses são apenas sinais de que só pode ser muito doente uma sociedade
na qual o comércio sexual e pornográfico só não rende mais do que o tráfico de
drogas e a venda de armas.
Nessa realidade, as Igrejas cristãs poderiam se constituir
como espaços de humanização em um diálogo aberto e amoroso com a humanidade.
Para isso, é importante que os/as pastores/as e ministros/as, não se fechem em
defesa de leis morais, incompreensíveis para a grande maioria da humanidade,
principalmente da juventude. É importante não projetar em Jesus e nos
evangelhos o moralismo rígido ainda comum nos meios eclesiásticos. Não podemos
dar ao mundo o testemunho de um Deus cruel e desumano que parece mais um tirano
de aldeia antiga do que um Espírito Divino, fonte de Amor, presente e atuante
em todas as formas de amor humano.
Na exortação Amoris Laetitia, (a alegria do amor), o papa
Francisco procura mudar o estilo dos documentos romanos sobre moral e as
diversas realidades da família. O papa dá um belo testemunho de respeito a
todos e de diálogo. Sabe que a maioria dos seus irmãos bispos e de muitos fieis
não aceita mudar substancialmente as leis da Igreja sobre a moral sexual. Por
isso, ele não propõe mudanças no conteúdo da doutrina, mas inicia um novo
estilo de diálogo sobre o assunto. Pede dos ministros profundo respeito às
consciências individuais para o acompanhamento de cada caso, de acordo com as
realidades diversas e cada cultura local.
De fato, a vida afetiva e sexual é assunto delicado porque
toca no mais profundo da pessoa. A afetividade e o sexo nos conduzem ao
mistério mais íntimo, à identidade de cada ser humano. Ninguém faz essa
“viagem”, sem alguma parcela de insegurança e mesmo de sofrimento. E no
processo de construção interior do nosso ser mais profundo e do nosso projeto
de vida, a sexualidade deve, de alguma forma, ser integrada, senão ela pode ser
fator de desagregação pessoal e de sofrimentos.
Para quem procura viver um caminho espiritual, integrar a
sexualidade no seu projeto de vida é elemento indispensável. Somente alguém que
integra a sua sensibilidade afetivo-sexual com os outros aspectos do seu
crescimento pessoal e de como vê sua missão concreta nesse mundo consegue
realizar um verdadeiro diálogo consigo mesmo e uma abertura profunda às outras
pessoas.
Sem dúvida, a comunhão com Deus tem de se expressar também
em nossa forma de lidar com o corpo nosso e dos outros. A própria luta pela
transformação da sociedade pede de nós a superação dos preconceitos e uma
postura de respeito, amor e superação de todas as discriminações sociais e de
gênero. No começo do Cristianismo, Paulo escreveu: "Homens e mulheres,
judeus e gregos, escravos ou livres, somos todos uma coisa só no Cristo Jesus,
nosso Senhor" (Gl 3, 27).
Fonte: Ihu
Nenhum comentário:
Postar um comentário