sexta-feira, 15 de julho de 2016

Enquanto for caso de polícia

"Uma vez que as condições precárias de vida empurram a mulher pra prostituição e uma vez que não é possível existir consentimento quando essas opressões condicionam o exercício da atividade, então é forçoso reconhecer que nenhuma prostituta escolhe se prostituir. Nesse sentido, a prostituição pode nunca deixar de ser um estupro, estupro pago. Não à toa quase todas as prostitutas usam drogas, pois o sentimento de estarem sendo constantemente violentadas só se torna suportável com o uso de entorpecentes, o que as leva ao vício e faz com que sua qualidade de vida fique ainda mais prejudicada."

POR AMARA MOIRA

É dessa forma que muito feminismo se propõe a discutir o trabalho sexual e é esse raciocício que o leva a concluir que, sendo assim, é dever dos movimentos sociais lutar, não por melhores condições de trabalho, fim do estigma e melhor remuneração, mas sim para que a prostituição como um todo acabe. Não é esse, no entanto, o posicionamento a respeito de um dos itens centrais sempre usados nesse debate, sempre usados para demonizar o exercício da prostituição, as drogas. Olhem novamente o fragmento e me digam: se a prostituta só dá conta de suportar essa vida usando drogas, então ela está realmente escolhendo usar drogas? Oras, se ela não está escolhendo, então deveríamos lutar pelo fim do comércio das drogas, pela impossibilidade dessa prostituta recorrer a elas, certo? Mas não.

Segundo esse feminismo, pessoas se vêem na necessidade de usar drogas para tornar a vida suportável mas, nesse caso, a postura consequente é lutar pela legalização e regulamentação das drogas, pois a criminalização, além de não prender os verdadeiros responsáveis pelo tráfico, só sabe produzir violência contra o povo negro e pobre, além de perpetuar o estigma contra o usuário. Quando fala de trabalho sexual, no entanto, esse mesmo feminismo conclui o inverso, defendendo que é necessário acabar com a prostituição pois quem recorre a ela não recorre por escolha, mas sim compelida pelas condições em que vive, sendo então nosso dever ético impedir que a prostituição se apresente como opção para essa pessoa oprimida pela pobreza.


Percebem o paradoxo? Percebem o quanto essa posição ajuda a perpetuar o estigma sobre o trabalho sexual e e o quanto ela não nos deixa perceber que o problema não é a prostituição em si, mas as diversas opressões que condicionam o seu exercício precário? Prostituição, enquanto for caso de polícia e não de justiça do trabalho, enquanto não permitir que trabalhemos em cooperativas ou nos organizemos em sindicatos, vai continuar nos deixando reféns tanto dessas opressões a que estamos sujeitas (pobreza, machismo, racismo, transfobia, xenofobia, dentre outras), quanto dos abusos cometidos por policiais, clientes e donos de casa.


Fonte: http://www.eseeufosseputa.com.br/

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