Reportagem da revista meiaum e do
Brasília 247 revela os meandros do comércio sexual no coração do poder
O negócio da prostituição corre
solto nos prédios do Congresso Nacional. São agenciadas por cafetões de terno e gravata
e cortejadas aberta ou discretamente por algumas de Suas Excelências. Não há
liturgia do poder que resista. O mais grave é que algumas são pagas com o
dinheiro público, contratadas por parlamentares para "trabalhar" em
seus gabinetes.
Políticos gostam de holofotes, de
aparecer. Nem sempre. Também atuam por trás das cortinas, no escuro, debaixo
dos lençóis. Em casas noturnas, flats, apartamentos funcionais e até no local
de trabalho. Pagando por isso, claro. Como fazem homens em geral,
independentemente da atividade profissional, dirão. E especialmente quando têm
dinheiro e poder. Por que deputados e senadores seriam diferentes?
O problema é que o negócio da
prostituição corre solto nos prédios do Congresso Nacional. Em corredores,
gabinetes e às vezes no plenário, garotas insinuantes se oferecem, são
agenciadas por cafetões de terno e gravata e cortejadas aberta ou discretamente
por algumas de Suas Excelências. Não há liturgia do poder que resista.
O mais grave é que algumas são
pagas com o dinheiro público, contratadas por parlamentares para
"trabalhar" em seus gabinetes. Mas nos gabinetes não trabalham,
naturalmente. Passam todos os dias pelo Congresso só para bater o ponto e
receber horas extras. As tarefas que executam são fora do expediente.
A meiaum passou três semanas no
Congresso conversando e observando. Garotas de programa só para VIPs abriram
suas "caixas de pandora" e revelaram como trabalham. Contaram
preferências de políticos que conheceram nos dias de sessões e nas noites de
prazer. Agenciadores também falaram sobre suas atividades e tentaram recrutar a
repórter.
Jovens que acabaram de chegar à
maioridade têm rendimento mensal de dar inveja a marajás. Algumas garotas são
bilíngues, moram em bairros nobres, têm o corpo aperfeiçoado por dispendiosas
cirurgias estéticas e roupas de grife, geralmente presentes de clientes.
"Se os políticos fizerem greve, as putas de Brasília quebram as
pernas", afirma uma delas.
I Evangélico e solteiro procura
Cabelos negros, compridos e olhos
marcados pela maquiagem exagerada. A beleza não é de chamar a atenção. Por isso
ela usa as roupas justas, muito apertadas na região da paixão nacional, em
cores fortes. Quase todos têm histórias dela para contar.
Seu trabalho é coletar
assinaturas de deputados em projetos de lei. Há muitas meninas fazendo isso nos
corredores da Câmara. Ela faz há dez anos, mas não se limita às assinaturas.
Não faz cerimônia. Chama muitos parlamentares pelo primeiro nome, com
intimidade.
Distancia-se para conversar com
um deputado, a jornalista espera. Volta e é clara: "Você precisa ser
simpática. Sorria. O deputado gostou de você. Vou arrumar uma 'matéria' com ele
para você".
Ela estava se recusando a dar
entrevista e não queria falar nem quanto ganha ("menos de R$ 3 mil",
cedeu). Só aceitou conversar quando o deputado lhe perguntou quem era a moça
com quem falava. "Ele mandou dizer que é da bancada evangélica e é
solteiro", cochichou. "Não seja boba! Ele te traz pra cá, para o
gabinete dele." Quando o deputado evangélico e solteiro volta, faz questão
de apresentá-lo. Ressalta os olhos claros do homem de 46 anos, 20 a mais que a
jornalista, e seu alto poder aquisitivo. Salienta que era ela a responsável
pela apresentação, enquanto ele conferia o "produto".
Ele foi embora e ela repetia que
mandaria a jornalista ao gabinete dele, garantindo que poderia
"contar" com ela. Foi quando se sentiu à vontade para revelar que um
deputado pagou sua faculdade de Direito, mas ela desistiu na metade. "Fazer
Direito para quê? Ficar enfiada em uma salinha? Eu amo colher assinaturas. Amo
os parlamentares. Quero fazer isso pelo resto da minha vida." E contou que
comprou um apartamento de R$ 200 mil no Guará, valor que não cabe nos R$ 3 mil
que diz receber.
Um homem observou a movimentação
e aproximou-se: "Ela ganha muito mais por fora. Já saiu com deputados. Mas
está mais para agenciadora do que agenciada. Se quiser, te consigo uma vaga
aqui e você vai parar rapidinho em um gabinete". Fez a mesma recomendação
que a moça da roupa de cores fortes. "É só ser mais simpática e fazer o
que pedem. Pode ser amante, mas não precisa ser fixa."
Um bom desempenho poderia render
à jornalista até R$ 10 mil por mês, segundo o rapaz.
II O charme das assinaturas
Belas e ousadas. Esse é o perfil
das garotas das assinaturas da Câmara. O objetivo é conseguir pelo menos 171
assinaturas para um projeto. Em meio às garotas é possível encontrar poucos
homens, e há duas ou três senhoras que já estão lá há anos na função. Poucas
meninas não chamam a atenção pela aparência. Nem todas vão além do recolhimento
de assinaturas, mas não são poucas as que buscam mais do que isso.
Uma delas, de pernas grossas e
quadril abundante, se destaca pelo tamanho do vestido. A jaqueta jeans esconde
um pouco, mas nada desmerece as curvas da pequena moça em cima de seu salto 15
cm. Alguns disfarçam, enquanto outros quase quebram o pescoço para conferir o
corpo dessa e o de outras meninas. Há parlamentares que nem assinam, mas fazem
questão de dar uma paradinha para cumprimentá-las. A simpatia é mesmo arma de
trabalho, às vezes exacerbada.
As moças não trabalham todos os
dias, apenas em dias de sessão, de terça a quinta-feira. É no banheiro do
corredor das lideranças que abrem o bico sobre suas aventuras políticas.
"Aquele velho me levou para a tal festinha, como é pegajoso!", revela
uma delas, aos risos. Outra dá dicas para aguentar, pois os "presentes
valem a pena". Contam detalhes sórdidos sobre as atitudes de Suas Excelências,
mas sem deixar escapar demais e se queimar no meio. Outra admite: "Eu
adoro as festinhas. Vou a todas".
O colega, homem, em desvantagem
na corrida pelas assinaturas, aproveita a ausência das meninas para revelar
segredos: "Aquela ali mesmo era ninguém aqui. Andava de jeans e camiseta.
Hoje posa em cima do salto e vestidinho brilhante, contratada pelo gabinete de
um deputado". Diz que já viu meninas que ganhavam R$ 3 mil sem nenhum
contrato com a Casa receberem bônus de até R$ 15 mil. "Deputado não mede
esforços para conseguir o que quer, se é que você me entende", conta o
rapaz. "Você não tem vontade de colher assinaturas também? Tem gente aqui
que ia gostar de você", pergunta, no intuito de também ganhar um por fora.
III O ponto das mexericas
São 19 horas de terça-feira. O
movimento nos Anexos II e IV da Câmara aumenta consideravelmente. É hora de
bater o ponto. Pessoas chegam com filhos vindos da escola, vestindo moletom ou
roupa de academia, para não perder as horas extras. As meninas se destacam. Há
as que chegam de chinelo, correndo para não perder o horário, outras com os
cabelos molhados, roupa justa. Entram e não demoram cinco minutos para se
afastar. Têm de ser discretas. As mais espertas entram pela parte de trás do
Anexo IV e pegam carona na parte da frente. Assim, fica mais difícil
desconfiarem da maracutaia.
No dia seguinte, a jovem dos
cabelos molhados chega religiosamente no mesmo horário. Dessa vez um pouco mais
calma. Entra, volta poucos minutos depois e fica sentada no fundo do prédio.
Acende um cigarro, lancha, conversa com um comerciante que fica por ali. Em dia
de sessão extra, é preciso ficar pelo menos até as 20h30 para ganhar um
adicional no fim do mês.
Os motoristas das autoridades as
apelidaram de mexericas. Recebem uma grana, têm crachá, batem ponto e estão na
lista de funcionários, mas trabalho que é bom, nada. A não ser que prestem
serviço fora da Casa. "No Anexo IV é mais fácil burlar, no II o serviço é
técnico e tem gente de olho", diz um funcionário há 15 anos lá.
Um homem apontado como agenciador
de garotas aperta os olhos e reduz o volume da voz para falar: "Cada
deputado tem R$ 60 mil para fazer nomeações. Pode chamar quem quiser, inclusive
as amantes. Sai mais barato pagar uma garota pra não vir trabalhar do que ter
gasto dobrado, não é?" Para ele, bobos são os que se satisfazem com R$ 1
mil mais transporte e alimentação para virarem laranjas. "Elas, não.
Ganham muito bem, têm status de funcionárias da Casa e nem ficam aqui. Podem
trabalhar por fora." E finaliza: "Tá interessada?"
IV Esforço que compensa
As duas moças têm beleza e grande
poder de sedução. Fazem sucesso no Congresso. A mais famosa é uma loira que já
ganhou de jantares românticos nos restaurantes mais caros da cidade a propostas
de programa com direito a voo de jatinho. Contratada pela Câmara, desfila pelos
corredores com sua beleza estonteante, que deixa até outras mulheres babando. É
concorrente forte.
Apaixonados sem cacife para
passar uma noite com a moça dizem que ela já foi mais humilde. "Cobrava R$
700, mas, depois de desfilar com o mais cotado dos parlamentares e o maior fã
de garotas de programa, já pede R$ 1.200 por uma noite." Apesar de
trabalhar para outras pessoas, escolheu seu preferido e costuma passear com ele
pelos corredores da Câmara. Ela é o biótipo de que ele gosta, por isso tem o
privilégio de ser a garota eleita. "Ela é tão encantadora que tem homem
sofrendo de amor, pagando presentes caríssimos para conquistá-la, mas ela
prefere o dinheiro e só satisfaz aqueles dispostos a pagar-lhe", revolta-se
um admirador.
A outra não mediu esforços para
fazer contatos no Congresso e conseguir uma carteira de clientes de respeito e
contas bancárias milionárias. A espertinha conseguiu crachá falso que lhe dava
acesso ao plenário, onde podia fazer, literalmente, o corpo a corpo com os
deputados. Certa vez, armou uma confusão e foi barrada pelos seguranças, que
descobriram a falcatrua do crachá.
E quem disse que isso a impediu
de conquistar seu objetivo? Já havia tido o tempo necessário de fazer
"amizade" com parlamentares e garantir um lugar ao lado deles no
elevador de autoridades, onde não importa o crachá, mas o poder do deputado ou
do senador. Segurança algum ousa levantar a voz para ela. Fez, aconteceu e
conseguiu uma vaga no Senado. Trabalhava no cerimonial, mas foi demitida pelos
sucessivos barracos que aprontava. Foi indicada para trabalhar na
Procuradoria-Geral da República, onde passava apenas para deixar a bolsa e
voltar ao Congresso para dar duro. Bastaram os três meses de experiência para
ser demitida e voltar ao Senado, no emprego em que está até hoje.
E ainda aproveita para fazer
propaganda do negócio que mantém fora, com serviços que custam R$ 1.200 por
noite.
V A calcinha vermelha
A noite brasiliense é um paraíso
para as aventuras de políticos. Os lugares favoritos são a casa de shows
Pathernon, no Setor de Indústrias Gráficas, e a boate do Hotel Bonaparte, na
Asa Sul. Abrigam as jovens mais bonitas e mais caras e os ambientes mais
discretos. Seguranças, motoristas e assessores figuram como amigos, para que
ninguém desconfie de nada. Elas comem e bebem do bom e do melhor por conta de
Suas Excelências.
"Sempre me alimento melhor quando
o cliente é político. Eles querem mostrar que podem e nisso não
economizam." Miriam é encantada por eles. Na cama da menina de 18 anos,
eles se transformam em pessoas carinhosas, preocupadas, atenciosas: "Está
com frio? Eu cuido de você". Se é governador então, melhor ainda, ela diz.
Ela não se esquece do prefeito mineiro que atendeu durante uma das marchas dos
prefeitos. "Ele continua me ligando, mesmo não estando aqui."
Diz que o dinheiro dos políticos
garantirá a ela, em breve, um apartamento no Sudoeste. Por hora, preocupa-se
apenas em se manter bonita e pagar o aluguel de R$ 2 mil do flat no bairro
nobre. Em julho, nas férias, aceita fazer programa com pessoas de menor poder
aquisitivo. Cobra R$ 400 a hora, dependendo do tipo de trabalho. "É apenas
para manter o meu padrão de vida, mas eu gosto mesmo é quando o Congresso está
funcionando. Ganho muito mais."
Sem os políticos, diz, "as
putas da cidade quebram as pernas". Foi com um deputado nordestino que
teve uma de suas noites mais inusitadas. Achou que a calcinha vermelha rendada
que ele tirou do bolso do paletó era presente para ela. Ainda agradecia quando
o deputado deixou-a boquiaberta: ele se despiu e vestiu a lingerie. "Ele
desfilava pelo quarto como uma lady. Andava na ponta dos pés, sorria, parecia
uma miss."
Enquanto ela sorria discretamente
e o elogiava, descobriu que seu papel naquela madrugada não seria o da menina
inocente e sedutora, mas o do homem da relação. Depois disso, nunca mais o viu.
VI A gaveta das notas de R$ 100
Mesmo recebendo R$ 26 mil por
mês, fora verbas indenizatórias, há parlamentares que pechincham muito ao
negociar com as garotas de programa da cidade.
Viviane, loira de seios
naturalmente fartos, não aceitou barganhar com dois deles, que pediram que ela
e a amiga baixassem o preço do programa no apartamento funcional. "Nunca
faria isso. Deveriam é pagar melhor. Eles roubam dinheiro do povo, incluindo o
meu, e não perderia a oportunidade de tirar uma boa verba deles." Viviane
os conheceu em um famoso restaurante da Asa Sul. A sofisticação dela chamou a
atenção dos dois parlamentares. Ela bebia um uísque Jack Daniel's quando foi
abordada. Disse que sairia com as duas excelências se eles estivessem dispostos
a pagar. Eles aceitaram, mas só reclamaram do preço no encerramento dos
trabalhos.
A loira prefere sair com altos
funcionários do governo. Foi com eles que conheceu uma mansão no Lago Sul, com
piso de mármore Carrara e um quarto com uma gaveta de mais de um metro de
comprimento, de onde um dos clientes tirava notas e mais notas de R$ 100 para
impressioná-la. O grande trunfo da jovem de 24 anos, que chega a ganhar R$ 30
mil por mês, é um lobista famoso. "Ele tira bolos de dinheiro do bolso
para pagar tudo", conta. Já o viu gastar R$ 2 mil em um jantar para quatro
pessoas em um restaurante.
Viviane ainda não está
satisfeita. Quer o contato de uma mulher que promove festas no Lago Sul para
políticos, com a presença de mulheres famosas e capas de revista, cujos
programas saem por, no mínimo R$ 13 mil. "E ainda quero desfilar no
Congresso para incrementar minha renda."
VII 19 anos, R$ 25 mil na bolsa
Morena, 1,63 metro, 55 kg,
cabelos negros, 400 ml de silicone em cada seio, 19 anos. É no Pathernon que
Rayka mostra o corpo e o talento para atrair homens. "O segredo é não se
atirar. Quem tem dinheiro gosta de seduzir." Enquanto as colegas partem
para cima dos engravatados, ela joga o charme de longe.
É quando prefeitos, clientes
assíduos da casa quando estão na cidade, não economizam para conseguir uma
noite com ela. Cinco meses atrás, morava em Goiânia e ganhava pouco. Hoje tira
R$ 25 mil por mês, fora presentes, como R$ 4 mil em roupas em um shopping caro
da cidade. Tudo graças aos clientes financeiramente favorecidos, como
empresários e parlamentares, além dos "queridos prefeitos" que pagam
até R$ 3 mil para uma noite com a moça. "Sou a mulher que eles querem que
eu seja. Executiva, moleca, devassa. Eles me pagam para isso." Já fez
papel de namorada, de sobrinha. Para isso, estuda espanhol e inglês. Precisa
estar sempre disposta, social e apresentável para não levantar suspeitas.
Goianos e gaúchos são os mais seduzidos pelos encantos de Rayka. "Também
são os mais exigentes", assegura. Na hora da fantasia, vale tudo, com
pagamento sempre em dinheiro, não importa o valor.
Programa bom é programa ilegal
Garotas de programa circulam
abertamente pelo Congresso, mas deputados e senadores não querem reconhecer a
profissão que elas exercem. Em 2003, o então deputado Fernando Gabeira, do
Partido Verde, apresentou proposta de regulamentação da profissão, com base em
reivindicações de organizações da categoria. Ouviu mulheres que já haviam
abandonado o sexo como trabalho e outras que ainda sobreviviam disso.
Mas de nada adiantaram os
depoimentos dramáticos de mulheres que sofrem nas mãos de cafetões. Em 2007, o
relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ACM Neto (DEM-BA), deu
parecer contrário e a proposta foi derrotada.
Gabeira afirma que ACM Neto tem
uma visão equivocada do projeto, achando que aprová-lo seria uma afronta à
família. "Essas mulheres usam o corpo para sustentar suas famílias",
diz. O ex-deputado pega no ponto: "É um problema de consciência e
contradição no discurso".
O projeto de Gabeira previa
fiscalização profissional e, com isso, o risco ao já ilegal emprego de
agenciadores, que fazem a intermediação entre os parlamentares e as garotas de
programa. Gabeira diz que um grupo de deputados tenta ressuscitar o projeto e
colocá-lo em tramitação. As organizações não governamentais envolvidas no
assunto tentam fazer um movimento em prol do projeto, mas não há nenhuma
garantia de que seguirá adiante.
Já o deputado João Campos
(PSDB-GO) pretende acabar com a prostituição. Apresentou um projeto de lei que
criminaliza o pagamento por serviços sexuais. Outras propostas parecidas já
foram apresentadas e arquivadas, como a do então deputado Elimar Máximo
Damasceno, eleito pelo extinto Prona em São Paulo.
Fonte: www.brasil247.com
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