Combate à prostituição tem
diferentes abordagens. No Brasil, foco é no enfrentamento ao rufianismo
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Marcelo Carnaval / Agência O Globo
A lei francesa reacendeu o debate
sobre a prostituição e a conveniência de regulá-la ou aboli-la. A Suécia e a
França apostam num novo modelo de abolicionismo, que em vez de penalizar as
prostitutas – consideradas vítimas sem liberdade de escolha – propõe acabar com
o comércio sexual fechando o cerco sobre sua clientela.
Em outras palavras, sem demanda
não há oferta. No lado oposto estão as correntes pela legalização, para as
quais o trabalho sexual é uma atividade que pode ser exercida livremente, e por
isso precisa ser regulamentada. É o que acontece na Holanda, onde as
profissionais do sexo pagam impostos e obtêm contrapartidas sociais, e também
na Dinamarca e na Alemanha.
Nos últimos tempos, o chamado
modelo sueco – ou nórdico, já que os primeiros a copiá-lo foram alguns de seus
vizinhos escandinavos – está ganhando impulso. Depois da Suécia, a
criminalização dos clientes da prostituição já foi aprovada na Islândia,
Canadá, Cingapura, África do Sul, Coreia do Sul, Irlanda do Norte e agora na
França.
A medida vigora também na
Noruega, com o detalhe de que esse país pune também cidadãos seus que fizerem
turismo sexual. Além disso, o Parlamento Europeu insistiu em 2014 para que os
Estados membros da UE adotassem fórmulas semelhantes, e Bélgica, Irlanda e
Escócia debatem atualmente projetos de lei baseados nesse novo abolicionismo.
Outros países, como a Finlândia, apostaram num sistema híbrido: castigam a
compra de serviços sexuais, mas só se a prostituta for vítima das redes de
tráfico humano.
Mas, segundo partidários do
neoabolicionismo, esse vínculo entre prostituição e escravidão sexual é
praticamente automático. Os defensores do modelo nórdico afirmam que quem vende
seu corpo nunca o faz livremente – ao invés de ser uma escolha, seria uma imposição
feita por redes de tráfico ou exploração sexual, ou pela pressão da pobreza ou
de outro tipo de desigualdade.
"A lei se baseia em que é
vergonhoso e inaceitável que, numa sociedade com igualdade de gênero, os homens
obtenham relações sexuais casuais com mulheres em troca de dinheiro",
afirma Kajsa Wahlberg, diretora da unidade de combate ao tráfico humano da
polícia sueca, acrescentando que a legislação local enviou um "sinal"
importante a outros países.
Hoje, o neoabolicionismo se
transformou em parte importante da política externa sueca, uma espécie de marca
do país. "A prostituição causa um grave dano, tanto aos indivíduos como à
sociedade", argumenta a agente, salientando que pessoas que pagam por sexo
não só ferem a dignidade das mulheres como também estão contribuindo para a
proliferação dessa arquitetura criminal.
Wahlberg diz que a lei funciona
bem. Dez anos depois de ela entrar em vigor, o número de compradores de sexo
caiu de 13,6% para menos de 8% da população, segundo dados do Instituto Sueco.
"A norma tem um objetivo
dissuasivo sobre os potenciais compradores de sexo. Também serviu para reduzir
o interesse de diversos grupos ou indivíduos em estabelecer atividades
organizadas de prostituição na Suécia", acrescenta. Desde a adoção das medidas,
6.600 pessoas – todos homens, salvos raríssimas exceções – foram detidas por
comprar ou tentar comprar sexo. Destes, aproximadamente metade foi condenada
(os dados sobre os julgamentos de 2015 ainda não estão disponíveis). Mas
ninguém foi preso, já que todos pagaram a multa, equivalente a um terço da
renda pessoal obtida durante dois meses.
E essa falta de condenações
graves é uma das principais críticas a uma lei que, segundo as pesquisas, tem
grande aceitação social no país. Outra é que, na verdade, o sistema não acaba
com a prostituição, apenas a esconde, deixando assim as prostitutas em situação
ainda mais perigosa e vulnerável.
Esse é também o argumento
fundamental dos críticos da nova lei francesa. "A penalização do cliente
não beneficia as trabalhadoras do sexo, apenas as expõe mais à violência –
tanto das quadrilhas como da polícia – e ao isolamento", afirmam
integrante do coletivo Strass, que reúne prostitutas na França e se mobilizou
contra a nova lei. A medida também enfrenta restrições de ONGs como a Médicos
do Mundo, que argumenta que o abolicionismo leva as prostitutas à
clandestinidade e as deixa à mercê do cliente ou das máfias, e que a rede de
proteção prevista para ajudar as mulheres a deixar a prostituição é precária demais.
As entidades sociais estimam que haja entre 30.000 e 40.000 meretrizes na
França
"Este modelo legal obriga as
trabalhadoras sexuais, sobretudo as da rua, a trabalharem nas periferias, em
zonas menos visíveis e acessíveis, onde a polícia não possa surpreender os seus
clientes", argumentam integrantes do Tampep, um coletivo europeu de
trabalhadoras do sexo, para o qual a penalização do cliente impede a
autodeterminação das prostitutas, reforçando o estigma e a discriminação contra
elas.
À luz das estatísticas, a
policial Wahlberg tem razão: estreitar o cerco sobre o cliente reduziu a
prostituição na Suécia, ao menos a sua parte visível. Antes da lei, 600
mulheres vendiam sexo nas ruas de Estocolmo, segundo a polícia. Atualmente são
menos de 10. Entretanto, os bordéis e as calçadas se transferiram para a
Internet. Um campo muito mais difícil de controlar.
Fonte: O Globo
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