Na Suécia, quem paga para ter
relações sexuais é um delinquente. O país nórdico foi pioneiro, em 1999, em
penalizar os clientes da prostituição, que podem pegar até um ano de cadeia.
Esse modelo, apoiado no princípio de que a prostituição é uma forma de
violência contra as mulheres – elas são uma esmagadora maioria – e um sinal de
desigualdade dos gêneros, tem se expandido pelo mundo.
O mais recente país a
adotá-lo foi a França, que dias atrás aprovou, após um longo trâmite
parlamentar, uma lei que prevê multa de até 3.750 euros (cerca de 15.000 reais)
para quem pagar por sexo.
A reportagem é de María R.
Sahuquillo, publicada por El País, 21-04-2016.
A lei francesa reacendeu o debate
sobre a prostituição e a conveniência de regulá-la ou aboli-la. A Suécia e a
França apostam num novo modelo de abolicionismo, que em vez de penalizar as
prostitutas – consideradas vítimas sem liberdade de escolha – propõe acabar com
o comércio sexual fechando o cerco sobre sua clientela. Em outras palavras, sem
demanda não há oferta. No lado oposto estão as correntes pela legalização, para
as quais o trabalho sexual é uma atividade que pode ser exercida livremente, e
por isso precisa ser regulamentada. É o que acontece na Holanda, onde as
profissionais do sexo pagam impostos e obtêm contrapartidas sociais, e também
na Dinamarca e na Alemanha.
Nos últimos tempos, o chamado
modelo sueco – ou nórdico, já que os primeiros a copiá-lo foram alguns de seus
vizinhos escandinavos – está ganhando impulso. Depois da Suécia, a
criminalização dos clientes da prostituição já foi aprovada na Islândia,
Canadá, Cingapura, África do Sul, Coreia do Sul, Irlanda do Norte e agora na
França. A medida vigora também na Noruega, com o detalhe de que esse país pune
também cidadãos seus que fizerem turismo sexual. Além disso, o Parlamento
Europeu insistiu em 2014 para que os Estados membros da UE adotassem fórmulas
semelhantes, e Bélgica, Irlanda e Escócia debatem atualmente projetos de lei
baseados nesse novo abolicionismo. Outros países, como a Finlândia, apostaram
num sistema híbrido: castigam a compra de serviços sexuais, mas só se a
prostituta for vítima das redes de tráfico humano.
Mas, segundo partidários do
neoabolicionismo, esse vínculo entre prostituição e escravidão sexual é
praticamente automático. Os defensores do modelo nórdico afirmam que quem vende
seu corpo nunca o faz livremente – ao invés de ser uma escolha, seria uma
imposição feita por redes de tráfico ou exploração sexual, ou pela pressão da
pobreza ou de outro tipo de desigualdade.
“A lei se baseia em que é
vergonhoso e inaceitável que, numa sociedade com igualdade de gênero, os homens
obtenham relações sexuais casuais com mulheres em troca de dinheiro”, afirma
Kajsa Wahlberg, diretora da unidade de combate ao tráfico humano da polícia
sueca, acrescentando que a legislação local enviou um “sinal” importante a
outros países. Hoje, o neoabolicionismo se transformou em parte importante da
política externa sueca, uma espécie de marca do país. “A prostituição causa um
grave dano, tanto aos indivíduos como à sociedade”, argumenta a agente,
salientando que pessoas que pagam por sexo não só ferem a dignidade das
mulheres como também estão contribuindo para a proliferação dessa arquitetura
criminal.
Wahlberg diz que a lei funciona
bem. Dez anos depois de ela entrar em vigor, o número de compradores de sexo
caiu de 13,6% para menos de 8% da população, segundo dados do Instituto Sueco.
“A norma tem um objetivo dissuasivo sobre os potenciais compradores de sexo.
Também serviu para reduzir o interesse de diversos grupos ou indivíduos em
estabelecer atividades organizadas de prostituição na Suécia”, acrescenta.
Desde a adoção das medidas, 6.600 pessoas – todos homens, salvos raríssimas
exceções – foram detidas por comprar ou tentar comprar sexo.
Destes, aproximadamente metade
foi condenada (os dados sobre os julgamentos de 2015 ainda não estão
disponíveis). Mas ninguém foi preso, já que todos pagaram a multa, equivalente
a um terço da renda pessoal obtida durante dois meses.
E essa falta de condenações
graves é uma das principais críticas a uma lei que, segundo as pesquisas, tem
grande aceitação social no país. Outra é que, na verdade, o sistema não acaba
com a prostituição, apenas a esconde, deixando assim as prostitutas em situação
ainda mais perigosa e vulnerável.
Esse é também o argumento fundamental
dos críticos da nova lei francesa. “A penalização do cliente não beneficia as
trabalhadoras do sexo, apenas as expõe mais à violência – tanto das quadrilhas
como da polícia – e ao isolamento”, afirmam integrante do coletivo Strass, que
reúne prostitutas na França e se mobilizou contra a nova lei. A medida também
enfrenta restrições de ONGs como a Médicos do Mundo, que argumenta que o
abolicionismo leva as prostitutas à clandestinidade e as deixa à mercê do
cliente ou das máfias, e que a rede de proteção prevista para ajudar as
mulheres a deixar a prostituição é precária demais. As entidades sociais
estimam que haja entre 30.000 e 40.000 meretrizes na França.
“Este modelo legal obriga as
trabalhadoras sexuais, sobretudo as da rua, a trabalharem nas periferias, em
zonas menos visíveis e acessíveis, onde a polícia não possa surpreender os seus
clientes”, argumentam integrantes do Tampep, um coletivo europeu de
trabalhadoras do sexo, para o qual a penalização do cliente impede a
autodeterminação das prostitutas, reforçando o estigma e a discriminação contra
elas.
À luz das estatísticas, a
policial Wahlberg tem razão: estreitar o cerco sobre o cliente reduziu a
prostituição na Suécia, ao menos a sua parte visível. Antes da lei, 600
mulheres vendiam sexo nas ruas de Estocolmo, segundo a polícia. Atualmente são
menos de 10. Entretanto, os bordéis e as calçadas se transferiram para a
Internet. Um campo muito mais difícil de controlar.
Abolir, proibir ou regular
Há vários modelos na Europa
- Legalista. Holanda, Alemanha,
Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como um trabalho desde
2000. A lei obriga os proprietários dos bordéis a pagarem impostos e a
contribuição previdenciária das prostitutas. Estas, que precisam de uma licença
municipal, têm direito a Previdência Social e seguro-desemprego. A mesma situação
se dá na Alemanha. Na Dinamarca, as prostitutas pagam impostos, mas não têm
direito a benefícios previdenciários ou seguro-desemprego.
- Novo abolicionismo. Suécia,
Noruega, Islândia. A Suécia foi pioneira, em 1999, na adoção de uma lei contra
a compra de serviços sexuais. A norma proíbe pagar pelo sexo e penaliza o
cliente com multas ou prisão. É um modelo atualmente em expansão.
- Limbo jurídico. Espanha,
Itália. A prostituição na Espanha está num limbo jurídico – embora sua
exploração seja crime. Dois em cada dez homens espanhóis admitem que já pagaram
pelos serviços de uma prostituta, segundo estudo da Universidade de Comillas
para o Ministério da Saúde. Entretanto, alguns regulamentos municipais proíbem
a prática e multam tanto os clientes como as profissionais. Uma situação
similar ocorre na Itália, onde nos últimos anos proliferaram as situações que
penalizam tanto a compra quanto a venda de sexo.
- Proibicionista. Na Hungria a
prostituição é ilegal. Pune-se com multa ou mesmo com prisão a meretriz que
exercer a prática em “zonas protegidas”, ao passo que o cliente só é penalizado
se “aceitar” os serviços de uma menor.
Fonte: Ihu
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